Lightning Bolt / Stellar Om Source
Piso – 5 do Largo de Camões
23 Nov 2008
Dita a morbidez que um acidente atraia curiosos, sensibilidades estarrecidas pelo choque, gente que procura sempre estar onde está mais gente. Com vista a testar a capacidade de resposta de Lisboa a um possível sismo, sucedeu-se na anterior sexta-feira uma simulação, que, apesar de toda a teatralidade, provocava reacções equivalentes: corpos especados e viaturas em marcha lenta. Talvez por não ter sido conclusivo o primeiro simulacro, Lisboa afoitou-se, dois dias depois, a uma segunda prova bem mais rigorosa: testar as fundações do parqueamento do Largo de Camões, atraindo até ao seu quinto piso abaixo do chão uma das equipas de demolição mais reputadas do underground norte-americano, listada nas Páginas Amarelas de Providence com o nome de Lightning Bolt, e toda a turba que essa arrasta consigo.

© Vera Marmelo

Inevitavelmente, repetem-se os sintomas de acidente ou calamidade: à medida que prossegue o trabalho sujo dos Lightning Bolt, formam-se espontaneamente duas alas com reacções diferentes. Há quem entregue o corpo à violência do bombardeamento sónico – saltando, agitando-se em mosh - e há quem prefira assistir ao espectáculo. Serão, mesmo assim, poucos os que resistem indiferentemente à bronca que se alastra a partir da ogiva formada por Brian Chippendale (e da sua bateria) e de Brian Gibson (e do seu baixo-carrasco), uma vez mais posicionados ao nível dos restantes presentes (criando, com isso, democracia eminente entre a banda e público e anarquia oponente entre pessoas mais baixas e mais altas). Faz sentido falar em cenário de guerrilha, quando um concerto de Lightning Bolt é evidentemente táctico, para quem toca tal como para quem assiste.

Lightning Bolt © Vera Marmelo

E parece estupidamente hiperbólico tudo o que se possa dizer acerca da ditadura rítmica imposta pelos Lightning Bolt durante uma hora. Contudo, quando o raciocínio recupera o seu equilíbrio, sensivelmente 40 horas após a sova, traz consigo um cocktail de adjectivos que caracterizam a lembrança sobrante como: bárbara (na distorção aberrante do baixo), alarmista, gratuita, traumática, sensacionalista, manipuladora e bipolar (houve teasing em alguns momentos mais moderados), doentia, suicida, extrema. Provavelmente, Brian Chippendale estaria apenas a vingar-se da chuva de flashes que o cobriam (em certas alturas, parecia a Paris Hilton na passadeira vermelha) ou, se nos lembrarmos do seu estilo enquanto desenhador, a gerar uma epidemia de ninjas e bichos cabeçudos a cada embate das baquetas contra a bateria (o ventre destas batalhas galácticas). Restringido a uma atitude bem mais low-profile, Brian Gibson revelou-se doutorado na matemática do abuso quando aproveitou uma derradeira “Dracula Mountain”, os 7 minutos mais intensos deste ano, para mostrar que são aqueles riffs o chicote que manda ali.

Lightning Bolt © Vera Marmelo

É possível alegar que o apogeu dos Lightning Bolt ocorreu há cinco anos e que a passagem por cá peca por ser tardia. Argumento esse que conhece forte oposição na ideia de que o mais recente ataque de Lightning Bolt é invariavelmente aquele que usufrui de maior dose de experiência (essencial para um duo que vive disso). O dia 25 desta digressão europeia não podia ter sido mais esclarecedor em relação ao impacto desta força sobre-humana. Do caralho. Para sempre.

Encarregada de iniciar o aquecimento do subsolo, Stellar OM Source (a holandesa Christelle Gualdi) ensaiou romarias e delírios projectados bem ao alto nas teclas de um sintetizador. Durante 20 minutos, todas as vibrações de telemóvel foram obsoletas.

Stellar Om Source © Vera Marmelo
· 25 Nov 2008 · 19:44 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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