Ladytron
Lux, Lisboa
04 Nov 2008
No dia em que a Melhor Banda Synth-Pop Dos Últimos 20 anos achou por bem presentear os meros mortais de Lisboa com a sua presença, a sala de concertos do Lux mostrava uma bela e repleta moldura humana para receber Helen Marnie, Mira Arroyo, Daniel Hunt e Reuben Wu. Como pagamento por esta boa acção, esse público teve, como oferta, 70 minutos de música tão bela e mágica como o iceberg mais majestoso que se possa imaginar, feita por um grupo a quem, pelo seu talento em criar fantásticas melodias, não será descabido apelidar de Abba com máquinas.

Pode-se falar muito na pose semi-estática de Helen e Mira. Mas o facto é que ninguém, no seu perfeito juízo trocaria um sorriso ou um olhar felino da primeira por mil exibições da virilha de uma qualquer azeiteira estilo Peaches. A entrada é feita sem cerimónias, com os sintetizadores, baixo, guitarra e bateria apontados a “Black Cat”, e uma parede de luzes na parte de trás do palco a enquadrar a banda. De imediato sente-se o contraste entre a saturação electrónica e a leveza da voz, e um sentimento de sermos atingidos por uma sobrecarga de informação, sem que disso nos queixemos. Logo de seguida, “Runaway” é viagem astral em suspensão criogénica, com a voz de Helen a pressionar imaginários botões de alarme para impedir que cheguemos a um ponto sem retorno. “Ghosts” veio depois, e a voz tornou-se praticamente ectoplásmica, embora impassível no centro do rodopio.

De olhos vidrados, Helen cantou “High Rise” como se estivesse a efectuar uma chamada longínqua via rádio. Quando pausa, dança de lado para o público e esboça um pequeno e encantador sorriso. Mira teve o seu primeiro destaque com “True Mathematics”, mostrando-se mais feroz que a sua companheira, mas sem nunca comprometer o que importa. A velhinha “Playgirl” pode, por sua vez, ser mais “primitiva”, sem por isso deixar de se inserir bem no contexto geral, continuando a ser uma grande canção. Após “Predict The Day”, “Season Of Illusions” trouxe consigo o primeiro verdadeiro dueto entre as vocalistas, e a fórmula repete-se sem que isso tenha qualquer importância. Quem faz uma “International Dateline” é abençoado, e cada passagem em que os sintetizadores aumentam de volume não deixa mentir. “Deep Blue” com falhas de som, e “Fighting In Built Up Areas” pavimentaram o caminho até “Seventeen”, feita de duas frases que se repetem. Mas podia-se estar 4 dias seguidos a ouvir Helen dizer “Come on”, ou a ver aquela parte em que a instrumentação para e arranca. É difícil acreditar que esta mulher não engoliu uma catedral para fazer aquele som.

Venha, pois, o encore. “Kletva”, mais prosaica do que o geral do concerto, mas com final a dois eufórico. Uma estupenda “Burning Up”, vinda de um espaço vasto mas intimista. E a apoteose esperada com uma “Destroy Everything You Touch” ofuscante, com Helen a gritar um “Come on” antes do último ataque. E a conclusão a que chegamos é triste. O que faz isto numa cave escura? Isto merecia um estádio e fogo de artifício. Que os deuses da música tenham piedade do povo que comete tamanha injustiça. E que dêm aos Ladytron muitos e bons anos de vida.
· 05 Nov 2008 · 01:47 ·
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
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