Sunset Rubdown
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
08 Jun 2008
Breve história do rock nasal

Capítulo CLXV – O Domingo mágico em que se escutaram ecos dos sótãos de Montreal no aquário da Rua da Barroca

Quando o anti-clímax típico de Domingo se abate sobre Lisboa, a zona do Bairro Alto não escapa à regra: o Largo de Camões deixa de ter a mesma quantidade de aglomerações, as calçadas em seu redor ficam mais vagas, passa a ser quase possível caminhar 30 metros sem ter de lidar com o dilema moral de alguém que pede um troco para um bolinho. O ambiente parcialmente dormente favorece a conspiração dos “miúdos” que em Lisboa, como em Montreal, no Canadá, optem pelas últimas horas de Domingo como as mais favoráveis a um pacto de evasão colectiva – alimentado por um complexo de Peter Pan - rumo a um reino povoado por lendas obscuras, feudos fantasiosos e pop erudita.

Sunset Rubdown © Andreia Roque

Resistindo herculeamente ao cansaço, Spencer Krug conta histórias desse reino e atribui-lhe profundidade e complexidade quando assina com o nome de Sunset Rubdown , torre de vigia que admite no seu topo outros quatro músicos rotativos nos instrumentos e perfeitamente enquadrados na megalomania necessária das canções do soberbo último álbum Random Spirit Lover. Caso seja necessário exorcizar estas linhas da comparação com os vizinhos Arcade Fire, aponte-se que, comparativamente, os Sunset Rubdown podem ainda dar-se ao luxo de aplicar constantes dobragens nas suas canções alegóricas tal é a liberdade de manobras proporcionada pelo facto de serem (ainda) praticamente insuspeitos e livres do peso icónico da banda de Neon Bible. Ainda não correm o risco de desiludir uma geração que escolheu precocemente a sua banda de eleição. O próprio Spencer Krug assim o prefere ao manter – tanto quanto pode - os Sunset Rubdown à margem do foco mediático que mais persegue os Wolf Parade onde também actua.

Sunset Rubdown © Andreia Roque

A noite reservada aos Sunset Rubdown começa até envolta em alguma tensão: o primeiro tema envolve por lapso um efeito de delay (sobrante dos Gala Drop na sexta-feira?) que aterroriza a banda em palco, o calor do espaço faz do rosto de Spencer Krug um tomate cada vez mais vermelho, a polivalente e muito talentosa Camilla Ingr - figura que parece directamente saída da Hollywood de era dourada – não parece particularmente impressionada com o charme (Hic!) do público português. Mas quando existem canções como “The Mending of the Gown” (fortíssima na repetição alucinante do refrão terminal The way bloodsuckers do) e “Stallion”, e um Spencer Krug disposto a morrer com as mãos assentes num teclado Yamaha ao serviço da sua própria imaginação, é inevitável que todos os prejuízos e incompatibilidades sejam factores secundários, senão mesmo insignificantes quando avaliados na balança que sobre o seu outro braço tenha toda a intensidade marchante de uma revolução teatralizada como “The Taming of Hands that Came Back to Life” (rastilho para inesquecível momento de percussão impulsionado pelo músculo de Marc Nicol).

O milagre peculiar do serão Sunset Rubdown passa também por entender que é feito de aço o equilíbrio desenvolvido entre as músicas de Random Spirit Lover e do anterior Shut Up I am Dreaming, o que pode bem significar que este é o ponto inicial ou intermédio de uma saga musical que só promete lucro a partir daqui. Presenciar o estado de graça de Spencer Krug e dos Sunset Rubdown enquanto este ainda brilha efusivamente - e merecer ainda o bónus de terminar em alta um Domingo de outra maneira suicida – é uma daquelas prendas que não se recebe em qualquer aniversário.
· 08 Jun 2008 · 08:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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