Stars of the Lid
Cinema Nimas, Lisboa
06 Dez 2007
Por altura da noite a cargo dos Stars of the Lid na sala do Cinema Nimas, o calendário do ano já se encontrava num ponto que atrás de si tem acumulados dias cicatrizados, feridas ainda abertas, impurezas por anular - ou seja, todo um conjunto de percalços que uma temporária amnésia ajuda a resolver. Tomando isso em conta, passa a ser pertinente tentar saber se os Stars of the Lid terão proporcionado um “concerto” igual a outros tantos ou uma “experiência terapêutica” que mais preciosa é por efeito do seu enquadramento único. Sem declarar proezas performativas próprias dos “concertos” ou o carnaval new age de algumas terapias, a descida à terra dos Stars of the Lid sucede-se como um pacto de inversão – aquele que apela a que as antenas apontem aos céus como punhos escanzelados. Apontem-se então as antenas ao que vai ocorrendo no manto nocturno, porque a noite serve de antecipação ao romântico cenário dos três reis magos que perseguem a Estrela de Belém (ou seria apenas um cometa?) que apontava o caminho até à manjedoura onde nasceu o Menino. O twist da questão reside no facto de se encontrarem 200 presentes no lugar dos três magos e milhares de estrelas em substituição de apenas um solitário corpo incandescente. Talvez fosse essa dispersão sensorial – que vitima os olhos e ouvidos que perseguem - a melhor terapia que alguém podia encontrar no Nimas naquela noite.

Stars of the Lid © Sérgio Silva

Mais se estranha tão discreta forma de estar a uns Stars of the Lid que passaram a sê-lo em Austin, onde, no início da década de 90, qualquer agitação intelectual era confundível com arte no seu estado potencial (fazendo dessa cidade uma espécie de El Dorado indie). Obrigando a formalidade a apresentar Brian McBride e Adam Wiltzie, refira-se em breves termos que parte significante da produção da dupla é confundível com o que de mais autenticamente belo se tem feito na encruzilhada que une os destinos do drone, pós-rock, ambient e a sensibilidade da música clássica (note-se os cada vez mais presentes instrumentos de cordas). Tendo também essa produção servido como mote para a fortificação e subsistência do selo Kranky enquanto símbolo revelador de novos horizontes para as guitarras. Na Avenida 5 de Outubro, longa artéria da capital, os SotL fizeram-se acompanhar por um trio de cordas (viola, violino e violoncelo) e um artista visual que sobre a telas trabalhou fitas de 16 milímetros em conjunto com outros efeitos visuais grandiosos e incidentes na continuidade e interrupção oferecida às suas simetrias.

Stars of the Lid © Sérgio Silva

Igualmente simétrico é o aprisionamento em retiro cósmico que colhem os Stars of the Lid diante de dois laptops e outros aparelhos ou quando pautam, numa quase imperceptível gestão das guitarras, a morosa progressão dos movimentos levados a cabo no Nimas. A partir daí, tornam-se magnificamente olímpicos os momentos em que a fome de (refinada) vertigem de Brian e Adam conhece correspondência na repetição do trio de cordas empenhado em oferecer matéria-prima à estratificação de toda a graça que pode ter um céu estrelado. Aos poucos, o zen passa a ser uma cábula dispensada por um momento onde as respostas residem na total ausência de respostas por parte de um vago clarão. A partir do observatório por uma noite assente na Avenida 5 de Outubro, o Texas dos Stars of the Lid parece-se muito com uma linda última fronteira. Por hora e meia que fosse, esteve-se tão longe e tão perto.
· 06 Dez 2007 · 08:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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