Rufus Wainwright
Coliseu do Porto, Porto
25 Abr 2005
Rufus Wainwright é já um habituée no que diz respeito a concertos em Portugal. Depois de uma actuação polémica e difícil em Vilar de Mouros (subir a um palco festivaleiro sozinho não é pêra doce para quase ninguém, e muito menos para os ambientes musicais do autor de Poses), um concerto na Aula Magna, e uma primeira parte do concerto dos – enorme bocejo - Keane em Lisboa, finalmente temos Rufus Wainwright em nome próprio e com banda. E se Rufus Wainwright tinha ainda alguma coisa a provar, era com o formato banda que teria de o fazer, pois é assim que a maior parte das suas canções se constroem. Mas antes foi a vez de Joan As Police Woman, o projecto de Joan Wasser (membro da banda que acompanha Rufus) que agora se aventura a solo. E foi a solo que se apresentou em palco, primeiro para uma série de canções ao piano e depois, para finalizar, com uma canção à guitarra dedicada a Elliott Smith. E foi mesmo só com o último tema, depois de aproveitar o nome do seu projecto para brincar e caricaturar oral e gestualmente os polícias portugueses pela seriedade que ostentam, que Joan Wasser conseguiu chamar a atenção. Mas não muita. Não a suficiente. E não parece que dali possa nascer algo que valha a pena acompanhar.
À partida sabia-se que Want Two, o último disco de Rufus Wainwright, seria passagem mais do que obrigatória. Suspeitava-se até que ocupasse quase todo o alinhamento. E assim foi. Logo a abrir. Ao contrário do que acontecera na noite anterior em Lisboa (concerto em que “Agnus Dei” marcou o ponto de partida), a “Crumb by Crumb” teve as honras de abertura do espectáculo. A viagem por Want Two continuou logo a seguir com a refrescante “Peach Trees”: “And I really do wish you were here next to me / Cause I'm going to see James Dean / There I will be / Under the peach trees with him”. Pouco depois, o baterista transformou-se em flautista e veio para a frente do palco mostrar um pouco da sua sensibilidade - como disse Rufus Wainwright - na celebração que é “Hometown Waltz”, onde se juntam também um banjo e um acordeão. Aí, no tom intimista que se sente em todas as canções de Want Two, Wainwright questiona: “ Say, will you ever ever ever know / Ever ever ever fly away? / Will you ever ever ever go / Ever ever ever find a way?”. “Hometown Waltz” procura descrever o procurar de um rumo, de uma direcção a partir das próprias raízes. Com o avançar da actuação, Wainwright vai demonstrando diferentes recursos: ora canta com uma guitarra na mão, ora se aproxima do microfone sem segurar qualquer instrumento, ora se vai sentar num piano para apresentar o próximo tema. E o próximo tema seria a quase caricatural “The Art Teacher”: “There I was in uniform / Looking at the art teacher / I was just a girl then / Never have I loved since then”. Tal como acontece em disco – “The Art Teacher” surge em Want Two como uma gravação ao vivo – o tema atingiu o seu fim com palmas, e merecidas: é uma das melhores canções do mais recente registo de Wainwright e mostra uma das suas facetas mais fortes, a de cantautor sozinho ao piano, longe das orquestrações pomposas que costumam marcar presença nas suas canções. Prosseguiu com a pungente “This Love Affair” ainda sozinho ao piano e depois voltou a convocar a banda para o acompanhar na mais-pop-que-pop “The One You Love”, um tema de Want Two. A canção que se seguiu, Wainwright dedicou-a ao papa, após um pequeno comentário sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo: “Gay Messiah”, sarcástica, reza, a certa altura, assim: “ Better pray for your sins / Better pray for your sins / 'Cuz the gay messiah's coming”. Wainwright confessou depois que, embora inicialmente não estivesse nos seus planos apresentá-la no Coliseu do Porto, tinha de cantar “Beautiful Child” para “beautiful people”, numa operação de marketing que cai sempre bem.
Quem acompanha minimamente Rufus Wainwright sabe da sua admiração por Jeff Buckley. Não foi portanto com surpresa que surgiu no alinhamento uma espécie de homenagem ao autor de Grace, primeiro com “Memphis Skyline” e seguidamente com “Hallelujah” (que contou com entoação do título da canção por todo o Coliseu), um tema original de Leonard Cohen, alvo de revisão – e que bela revisão – por parte de Jeff Buckley no seu disco de estreia. A secção versões seguiu-se com a cover de “Across The Universe” e deu depois lugar a outra secção, a das canções sobre a família. Wainwright começou por falar da mãe, Kate McGarrigle, e contar como ela própria era – e ainda o é – uma crítica duríssima do trabalho do seu filho (especialmente porque dizia que as canções de Wainwright Jr. tinham demasiadas notas, demasiados floridos). A homenagem à mãe fez-se então com “Beauty Mark” e a próxima seria à sua irmã, Martha Wainwright (que acabou de lançar um disco) com “Little Sister”. Para fechar o capítulo familiar, “Dinner at Eight”, dedicada ao seu pai. Na verdade - Wainwright confessava a certa altura - toda a sua família está em digressão na Europa, o que o levou a falar da criação de uma espécie de brasão musical, em tom de gozo. A sugestiva “Cigarettes and Chocolate Milk” de Poses - o disco que verdadeiramente celebrizou Wainwright como compositor - fez com que se espelhassem sentimentos de nostalgia na plateia incompreensivelmente reduzida que marcou presença no Coliseu do Porto (pela quantidade de pessoas que respondeu ao apelo, uma plateia sentada seria, obviamente, a melhor escolha). Houve ainda espaço algures para a apresentação da banda e depois todos abandonaram o palco para voltar para o primeiro encore com “Old Whore's Diet”, um tema que em Want Two conta com a voz única de Antony, o responsável por um dos melhores discos de 2005 até ao momento.
Mas o melhor ainda estava para vir. Durante a mesma “Old Whore's Diet”, canção de ritmos latinos, sugestiva de desvarios, Rufus e toda a sua banda partem para um dos finais de concertos mais memoráveis dos últimos tempos. As meninas do coro despem-se e ficam apenas com lingerie e meias de rede pretas, numa sessão de striptease que se estendeu a toda a banda – com algum masoquismo e chicotes à mistura. Rufus Wainwright foi trocando de roupa, mudou de sapatos e o resultado final mostrava uma fada com asas de borboleta, varinha de condão, coroa de princesa, meias de riscas vermelhas e brancas até aos joelhos e fio dental. Um verdadeiro desfile gay, lésbico, motoqueiro (como queiram), demonstrador de fantasias e fetiches mais íntimos. Não é nada que já não tivéssemos imaginado, mas visto é outra coisa.
E daí até todos serem bruxinhas de batas negras e chapéu a condizer é um passo ou uma nova canção: “Oh, What A World”. E aqui, Wainwright tem algumas tiradas que quase explicam o sucedido: “Men reading fashion magazines / Oh what a world it seems we live in / Straight man / Oh what a world / We live in / Why am I always on a plane or a fast train / Oh what a world my parents gave me / Always / Travelin' but not in love”. Quando refere “Straight Men” brinca, dizendo “like me” mas todos sabemos que está a brincar. Mais uma troca de roupa, mais uma canção. A luminosa “I Don’t Know What it Is” surge já com a presença de uma banda em roupões, perante uma plateia encantada com tamanha surpresa. O segundo encore reservava ainda a belíssima “Pretty Things” (“Pretty things, so what if I like pretty things / Pretty lies, so what if I like pretty lies / From where you are, to where I am now / I need these pretty things, around the planets of our phase”) e o regresso a Poses com “California”, a canção sobre a cidade que Wainwright comparou até com Portugal pelo número de palmeiras e loiras. E com a solarenga “California” chegou o final do concerto e uma confirmação: se dúvidas restassem ainda, Rufus Wainwright provou que o artista é um bom artista. E tão cedo não se apagará o final da actuação nas mentes de quem o presenciou.
À partida sabia-se que Want Two, o último disco de Rufus Wainwright, seria passagem mais do que obrigatória. Suspeitava-se até que ocupasse quase todo o alinhamento. E assim foi. Logo a abrir. Ao contrário do que acontecera na noite anterior em Lisboa (concerto em que “Agnus Dei” marcou o ponto de partida), a “Crumb by Crumb” teve as honras de abertura do espectáculo. A viagem por Want Two continuou logo a seguir com a refrescante “Peach Trees”: “And I really do wish you were here next to me / Cause I'm going to see James Dean / There I will be / Under the peach trees with him”. Pouco depois, o baterista transformou-se em flautista e veio para a frente do palco mostrar um pouco da sua sensibilidade - como disse Rufus Wainwright - na celebração que é “Hometown Waltz”, onde se juntam também um banjo e um acordeão. Aí, no tom intimista que se sente em todas as canções de Want Two, Wainwright questiona: “ Say, will you ever ever ever know / Ever ever ever fly away? / Will you ever ever ever go / Ever ever ever find a way?”. “Hometown Waltz” procura descrever o procurar de um rumo, de uma direcção a partir das próprias raízes. Com o avançar da actuação, Wainwright vai demonstrando diferentes recursos: ora canta com uma guitarra na mão, ora se aproxima do microfone sem segurar qualquer instrumento, ora se vai sentar num piano para apresentar o próximo tema. E o próximo tema seria a quase caricatural “The Art Teacher”: “There I was in uniform / Looking at the art teacher / I was just a girl then / Never have I loved since then”. Tal como acontece em disco – “The Art Teacher” surge em Want Two como uma gravação ao vivo – o tema atingiu o seu fim com palmas, e merecidas: é uma das melhores canções do mais recente registo de Wainwright e mostra uma das suas facetas mais fortes, a de cantautor sozinho ao piano, longe das orquestrações pomposas que costumam marcar presença nas suas canções. Prosseguiu com a pungente “This Love Affair” ainda sozinho ao piano e depois voltou a convocar a banda para o acompanhar na mais-pop-que-pop “The One You Love”, um tema de Want Two. A canção que se seguiu, Wainwright dedicou-a ao papa, após um pequeno comentário sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo: “Gay Messiah”, sarcástica, reza, a certa altura, assim: “ Better pray for your sins / Better pray for your sins / 'Cuz the gay messiah's coming”. Wainwright confessou depois que, embora inicialmente não estivesse nos seus planos apresentá-la no Coliseu do Porto, tinha de cantar “Beautiful Child” para “beautiful people”, numa operação de marketing que cai sempre bem.
Quem acompanha minimamente Rufus Wainwright sabe da sua admiração por Jeff Buckley. Não foi portanto com surpresa que surgiu no alinhamento uma espécie de homenagem ao autor de Grace, primeiro com “Memphis Skyline” e seguidamente com “Hallelujah” (que contou com entoação do título da canção por todo o Coliseu), um tema original de Leonard Cohen, alvo de revisão – e que bela revisão – por parte de Jeff Buckley no seu disco de estreia. A secção versões seguiu-se com a cover de “Across The Universe” e deu depois lugar a outra secção, a das canções sobre a família. Wainwright começou por falar da mãe, Kate McGarrigle, e contar como ela própria era – e ainda o é – uma crítica duríssima do trabalho do seu filho (especialmente porque dizia que as canções de Wainwright Jr. tinham demasiadas notas, demasiados floridos). A homenagem à mãe fez-se então com “Beauty Mark” e a próxima seria à sua irmã, Martha Wainwright (que acabou de lançar um disco) com “Little Sister”. Para fechar o capítulo familiar, “Dinner at Eight”, dedicada ao seu pai. Na verdade - Wainwright confessava a certa altura - toda a sua família está em digressão na Europa, o que o levou a falar da criação de uma espécie de brasão musical, em tom de gozo. A sugestiva “Cigarettes and Chocolate Milk” de Poses - o disco que verdadeiramente celebrizou Wainwright como compositor - fez com que se espelhassem sentimentos de nostalgia na plateia incompreensivelmente reduzida que marcou presença no Coliseu do Porto (pela quantidade de pessoas que respondeu ao apelo, uma plateia sentada seria, obviamente, a melhor escolha). Houve ainda espaço algures para a apresentação da banda e depois todos abandonaram o palco para voltar para o primeiro encore com “Old Whore's Diet”, um tema que em Want Two conta com a voz única de Antony, o responsável por um dos melhores discos de 2005 até ao momento.
Mas o melhor ainda estava para vir. Durante a mesma “Old Whore's Diet”, canção de ritmos latinos, sugestiva de desvarios, Rufus e toda a sua banda partem para um dos finais de concertos mais memoráveis dos últimos tempos. As meninas do coro despem-se e ficam apenas com lingerie e meias de rede pretas, numa sessão de striptease que se estendeu a toda a banda – com algum masoquismo e chicotes à mistura. Rufus Wainwright foi trocando de roupa, mudou de sapatos e o resultado final mostrava uma fada com asas de borboleta, varinha de condão, coroa de princesa, meias de riscas vermelhas e brancas até aos joelhos e fio dental. Um verdadeiro desfile gay, lésbico, motoqueiro (como queiram), demonstrador de fantasias e fetiches mais íntimos. Não é nada que já não tivéssemos imaginado, mas visto é outra coisa.
E daí até todos serem bruxinhas de batas negras e chapéu a condizer é um passo ou uma nova canção: “Oh, What A World”. E aqui, Wainwright tem algumas tiradas que quase explicam o sucedido: “Men reading fashion magazines / Oh what a world it seems we live in / Straight man / Oh what a world / We live in / Why am I always on a plane or a fast train / Oh what a world my parents gave me / Always / Travelin' but not in love”. Quando refere “Straight Men” brinca, dizendo “like me” mas todos sabemos que está a brincar. Mais uma troca de roupa, mais uma canção. A luminosa “I Don’t Know What it Is” surge já com a presença de uma banda em roupões, perante uma plateia encantada com tamanha surpresa. O segundo encore reservava ainda a belíssima “Pretty Things” (“Pretty things, so what if I like pretty things / Pretty lies, so what if I like pretty lies / From where you are, to where I am now / I need these pretty things, around the planets of our phase”) e o regresso a Poses com “California”, a canção sobre a cidade que Wainwright comparou até com Portugal pelo número de palmeiras e loiras. E com a solarenga “California” chegou o final do concerto e uma confirmação: se dúvidas restassem ainda, Rufus Wainwright provou que o artista é um bom artista. E tão cedo não se apagará o final da actuação nas mentes de quem o presenciou.
· 25 Abr 2005 · 08:00 ·
André Gomesandregomes@bodyspace.net
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