Patti Smith
Coliseu dos Recreios, Lisboa
28 Out 2007
Patti Smith arrasta consigo o seu tempo, sem que isso se pareça enfadonho ou a torne numa estática peça de museu. Além de assinalar o final da digressão cumprida em suporte do recente disco de versões Twelve, o concerto ocorrido no Coliseu de Lisboa é vivido como uma celebração colectiva em torno de uma anfitriã que traz consigo o testemunho físico e artístico de quem conviveu directamente com a transição do rock para o punk, com a peculiar poesia inconformada de meados de 70 e, tudo isso, sem nunca se estabilizar ou usufruir oportunistamente da posição privilegiada. É bom de se ver que a autora de Horses continua o mesmo monumento de genuinidade que lhe merece a admiração.

Patti Smith revela-se imensa na digressão alucinante por uma série de referências de assinalação obrigatória no que respeita à década de 70: repete a provocatória questão de Jimi Hendrix na apropriação da intemporal “Are You Experienced?”(digna de refrão potente), recupera os tempos mágicos vividos no CBGB’s (Nova Iorque) em rendição sentidíssima de “We Three” dedicada a Tom Verlaine dos Television, invoca a espiritualidade dos Doors numa versão de “Soul Kitchen” que se prolonga num curto medley de outras frases emblemáticas da poesia Jim Morrison, demonstra involuntariamente a humanidade falível dos ícones da sua geração ao esquecer parte da letra de “Perfect Day”, pedida por empréstimo a Lou Reed, partilha toda a intimidade possível numa “People Have the Power” escrita a meias com o falecido marido Fred “Sonic” Smith, o ex-guitarrista dos MC5, que muito contribuiu para o desbloqueio que foi, no seu tempo, Dream of Life.

O público, que preenchia grande parte do Coliseu, responde à altura da entrega da anti-diva, ovacionando de pé cada música e abandonando os assentos a cada vez que a euforia o solicitava. Inevitavelmente, o gospel da obrigatória “Gloria” inebriou os ânimos de quem repetiu em coro e soletrou a palavra, alternando-a certas vezes com “Lisboa” que também mereceu o mesmo tratamento (e a estima assumida da própria Patti Smith que confessou já ter dedicado um texto seu à capital). Perante tamanha bonança, perdoa-se até alguns excessos de virtuosismo ao guitarrista de sempre Lenny Kaye e alguns slogans mais gastos – contra a guerra e cadeias multinacionais - que antecedem o inesgotável convite à marginalidade que é “Rock & Roll Nigger”, a conclusão perfeita para um Domingo muito parecido com aquele que canta Lou Reed na música já citada.
· 28 Out 2007 · 07:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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