Hanne Hukkelberg
Lux, Lisboa
15 Jun 2007
Quem conhece o trajecto da norueguesa Hanne Hukkelberg e as circunstâncias por detrás de cada um dos seus discos estará certamente à espera de um concerto que se apresente como uma espécie de narrativa de viagens. Isto porque os dois longa-duração espelham o dia-a-dia da cantora em duas cidades distintas que serviram de pano de fundo ao seu trabalho: Oslo e Berlim. Em 2005, Hukkelberg reunia diversas impressões que coleccionava das suas contemplativas observações a Oslo - a maioria delas associadas aos trajectos de bicicleta que a norueguesa fazia pela cidade - e arquitectava uma estreia em disco curiosa, com captações de sons do dia-a-dia. Dois anos mais tarde, Berlim é objecto do olho clínico da cantora que para lá se mudara de malas e bagagens beneficiando de uma bolsa do estado norueguês. Muda o cenário, mantém-se o método de criação: sons pré-gravados de ruídos captados aqui e ali (falamos de máquinas de escrever, vidros a tilintar, aros de bicicletas...) são entrosados na composição de temas propondo paisagens visuais. No Lux, é chegada a hora de Hukkelberg nos ilustrar esse mosaico sonoro. E agora?

© Nuno Catarino

Já passava da meia-noite quando se deu o primeiro sinal de início da actuação. Olhos postos no palco, onde avistamos junto aos instrumentos convencionais uma bicicleta invertida, escutamos o barulho do mar que se apresenta como «found sound» e avistamos finalmente os músicos que acompanharão Hanne Hukkelberg. Entram em cena Lena Nymark, Henning Sandsdalen, Peter Baden e Kare Verstrheim (este último responsável pela produção dos seus registos). A moda das calças leggins também se estende certamente à Escandinávia e a ela se rendeu Hukkelberg que entra logo de seguida em palco para irromper por Rykestrasse 68, o cartão de visita da digressão europeia. Começam a desvendar-se as soluções encontradas para a adaptação ao formato live da manta de retalhos pensada para as gravações. Os músicos, com traquejo de outras formações, apresentam versatilidade e cor: há baixo, guitarra, bateria, acordeão, metalofone, flauta, sampler. E, do lado da intérprete, pode contar-se também com prestações no piano e na percussão. Há ainda o manejo da bicicleta na procura de potencialidades emanadas pelas rodas e seus aros. Mas este é somente um dos lados da questão.

Hanne Hukkelberg é uma intérprete irrepreensível. Como seria de esperar, o enfoque que em disco é atribuído à vertente instrumental, ao vivo recai inevitavelmente sobre a voz. O mesmo será dizer que há nos seus registos um enquadramento mais harmonioso, porque discreto, da parte vocal, ao passo que, ao vivo, a voz sobressai sem prejuízo do restante ensemble. É a segurança de uma voz de arestas limadas que atravessa momentos de Little Things, o disco de estreia, e outros mais vívidos - associados à atmosfera de Berlim - pertencentes ao álbum deste ano. Rykestrasse é, aliás, o nome da rua que se avistava da janela de Hukkelberg. Ao vivo, a interpretação é bem mais à flor da pele e isso torna-se causa e consequência de um público rendido ao despretensiosismo e simpatia da cantora. Surpresas no alinhamento só tivemos com a inclusão em encore de uma versão da saudosa All Day and All of the Night dos The Kinks. Para o fim deste que foi o 30º e último concerto da digressão europeia, estava reservada Words & a Piece of Paper mais a sugestão da cantora de pensar no Natal que se aproxima e adquirir os seus discos, que por esta altura, ninguém apelidará de inconsequentes.
· 15 Jun 2007 · 08:00 ·
Eugénia Azevedo
eugeniaazevedo@bodyspace.net
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