Molasses + Thalia Zedek + Hood - Sonora 05
Teatro Roberto Vidal Bolaño, Vigo
13 Abr 2005

Não é propriamente todos os dias que três concertos de tamanho interesse estão a menos de 200 km do Porto e a uma entrada livre de distância para todo o público. E quando é assim, os 200 km a percorrer tornam-se desporto, um dia aparentemente igual aos outros ganha uma nova e inesperada importância. Tudo isto não seria possível sem a Universidade de Vigo e a Sinsal, organizadores do primeiro Festival Sonora, evento que pretende acompanhar o passo de países como o Reino Unido e os Estados Unidos, onde existe já uma forte rede de concertos universitários. A ideia era – e, espera-se, continuará a ser - a de reunir num novo espaço dedicado à música, as novas e diversas linguagens contemporâneas que emergem nos dias de hoje. Durante dois dias (13 e 14 de Abril), o Sonora 2005 reuniu as actuações de cinco projectos oriundos de países distintos como a Espanha, Portugal, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos no Teatro Roberto Vidal Bolaño, o espaço cultural do pólo Universitário da cidade de Vigo, estrategicamente colocado a uma distância significativa do centro da cidade, rodeado por espaços verdes de perder a vista e por natureza abundante. As condições eram mais do que boas, a quantidade de discos à venda, flyers e posters garantiam a distracção de uma quantidade significativa de pessoas que havia de encher o Teatro para as três actuações, com especial afluência para a última, a dos britânicos Hood.

Mas foi com a actuação dos Molasses, um dos inúmeros projectos saídos dos essenciais Godspeed You! Black Emperor, que o Sonora viu a luz do dia. Os Molasses giram essencialmente à volta de Scott Chernoff - principal cérebro criativo do projecto - e contam já com quatro registos distribuídos entre 2000 e 2004. A primeira canção estabeleceu prontamente a disposição da banda: a guitarra e a voz de Scott Chernoff, uma presença feminina nas teclas e na voz (sempre em duo com o frontmen), a percussão suavíssima e serena e um violino. Seguiram-se canções delicadas (com especial destaque para o último registo intitulado Trouble at Jinx Hotel), e talvez até delicadas de mais. A verdade é que, tal como acontecia em Trouble at Jinx Hotel, os Molasses apropriaram-se a uma estética, a uma certa forma de escrever canções e parecem não querer abdicar dela, fazendo com que quase todo o concerto pareça um loop da primeira canção. O duo de vozes é ponto atractivo (e todos nós sabemos como um duo de vozes formado por um menino e por uma menina pode ser algo de deliciosamente viciante – veja-se o caso dos Low, que até vão estar em Vigo no próximo dia 25 de Abril, entre outros), mas a falta de elementos distintos de canção para canção fizeram com que a actuação ficasse longe daquilo que os Molasses podem fazer e igualmente longe daquilo que as suas origens fariam prever. Por momentos desejou-se uma erupção “Godspeediana” mas o caminho dos Molasses é outro. É o das canções frágeis sobre o Inverno rigoroso de Montreal e de um mundo de desolação e desesperança mas sem explosões sonoras; são profundamente e dedicadamente fiéis ao silêncio e mansidão. E até houve espaço para, perto do fim, o violinista arrancar hipnóticos e fantasmagóricos sons de um serrote rasgado por um arco mas nem isso foi suficiente para que a actuação dos Molasses tivesse nota alta.

Apesar de só em 2001 ter editado o seu disco de estreia a solo (Been Here and Gone), Thalia Zedek tem uma já longa carreira firmada em nomes como Live Skull, Come e Uzi. O seu mais recente registo, Trust Not Those in Whom Without Some Touch of Madness, caminha por entre a folk, pelo blues, mas essencialmente pelo rock directo e confrontacional por via interna. E foram precisamente esses os elementos que vieram ao de cima na sua actuação. A voz de Thalia Zedek é a expressão da dor, da mágoa, calejada pelo tempo, por despedidas e promessas quebradas. O violino que a acompanha evoca as paisagens bucólicas de uns Dirty Three, celebra o negrume e ao mesmo tempo sustém a esperança. Na bateria, o músico que acompanha Thalia Zedek é uma impressionante força da natureza, irado quanto baste nos momentos mais intensos. Obviamente, Trust Not Those in Whom Without Some Touch of Madness foi passagem obrigatória durante o concerto que teve em “Hell is in Hello”, e na sua explosão incontrolável de fúria (aqui, a percussão marcou presença de forma brutal), um dos seus momentos mais intensos. Mas não foi momento único. Nada disso. Toda a música de Thalia Zedek é um fio incorruptível de intensidade. Um fio de que, percorrido de ponta a ponta, não se deve perder o rasto.

Thalia Zedek © André Gomes

Apesar de terem sido assaltados no concerto em Portland no dia 24 de Março e terem ficado sem o dinheiro que dizia respeito à tour - e a crer pela forma como entraram em palco -, os Hood apresentaram-se em Vigo com sinais de boa disposição. Para reforçar o sentimento, e com volume alto (até alto demais), “The Lost You” abriu o concerto, provando a diversidade estilística que se pode conferir na evolução entre registos do grupo britânico. Pela pop electrónica ou pelo pós-rock, passando pelo hip hop de cariz mais experimental (característica provavelmente desencadeada pela colaboração com vários projectos do selo Anticon), os Hood fazem carreira há mais de dez anos, e reclamam a diversa palete sonora como característica mais própria. Outside Closer, editado recentemente, é mais uma reviravolta no som geral dos Hood, cada vez mais próximos da canção tal como a conhecemos. As guitarras – uma delas mostrava uma fotografia de Jandek - e o baixo vão trocando de mãos em palco, por entre intromissões do hip hop, mudanças constantes de registo, constantes pedidos de aumento do som e tragos de Super Bock. A certa altura prometeram não maçar mais o público, até porque mal podiam esperar para sair e contemplar as réstias de sol que o bonito dia tinha ainda para oferecer, já que na Inglaterra o sol é coisa que não abunda. A parte final da actuação viu uns Hood cada vez mais soltos e enérgicos e um encore com dois temas – quando um britânico promete mais um par de canções, um britânico não toca mais três canções. Pouco depois, a noite surgiu por entre uma paisagem quase comovente, digna de uma tela criada por Egon Schiele e sonorizada por Thalia Zedek, a clara vencedora da tarde.

Hood © André Gomes
· 13 Abr 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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