Chriss Sutherland
Casa Viva, Porto
13 Abr 2007
O número 167 da Praça Marques de Pombal no Porto é local de uma iniciativa louvável. A Casa Viva - assim lhe decidiram chamar – é um belíssimo edifício ocupado pelos actuais responsáveis com o consentimento dos donos. Os ocupadores trataram de pintar paredes, arranjar a instalação eléctrica, entre outras coisas. Uma casa que de outra forma estaria a deteriorar-se cada vez mais é iluminada por pessoas que a enchem literalmente de vida e arte. Há também um lado politico e de protesto na Casa Viva. Há pelas paredes e pelas mesas cartazes e flyers que evocam manifestações em defesa da legalização da marijuana, que falam do comércio justo, que pedem o final do sofrimento nos circos, que apelam à construção de um melhor ambiente e de uma vida mais saudável; há também imagens da famosa reunião dos Açores que reuniu George Bush, José María Aznar e Tony Blair apelidando-os de assassinos.

A Casa Viva tem sido também ultimamente cenário de concertos. Com o dedo da cada vez mais activa Soopa (o colectivo que é banda, que é promotora, que é editora), Chriss Sutherland, fundador dos Cerberus Shoal, deslocou-se a Portugal para dois concertos: um no cada vez mais presente Mercado Negro em Aveiro e outro na Casa Viva. Foram quase 30 as pessoas que se deslocaram ao local para absorver a folk do norte-americano, mas não só. A acompanhar Chriss Sutherland estava Thérèse, o alter-ego escolhido pela espanhola Nerea Pérez Alvarez que partilha com o norte-americano algo mais que a paixão pela música.

A noite começou mesmo com as canções de Nerea na voz e no ukelele e com acompanhamento certeiro de Chriss Sutherland na flauta. Foram poucas as canções mas foram no mínimo interessantes. Há algo no minimalismo e na timidez das canções de Thérèse que cativa – especialmente quando esta canta em castelhano. O som do ukelele que a espanhola muito estima é acompanhamento perfeito para a sua voz, e não é comum ouvir este tipo de sons vindos de Espanha. Não desta forma. Agora que Nerea encontrou em Thérèse o veiculo perfeito para exprimir-se musicalmente (ela que já faz música há 12 anos), apenas faltará que tenha a coragem de se apresentar em nome próprio e, de preferência, numa actuação mais longa.

Mas Nerea não abandonou o palco quando a sua voz deixou de ser o centro das atenções. Quando Chriss Sutherland, na guitarra acústica e na voz, começou a apresentar aquelas que aparentaram ser as suas canções (que bebem no country e na folk), Nerea acompanhou-o com o ukelele, com a voz e com o acordeão. Canções igualmente intimistas e com algum peso da tradição. Canções com uma profundidade digna de registo. A certa altura há alguém do público que chega mesmo a perguntar a Chriss Sutherland se este conhece Woody Guthrie. Outras intervenções surpresa incluem o momento em que, do nada, dois homens seguram uma faixa branca onde se pode ler “Não à Europa do Big Brother”.

Chriss Sutherland está ao que se sabe num momento da vida em que tem tempo e coração suficientes para se dedicar a uma carreira a solo e os resultados são bons. Mesmo quando se viu em palco sem a assistência de Nerea já perto do final, o músico norte-americano conseguiu levar as suas canções a bom porto. Falou do Maine e terminou com uma canção sobre a pobreza, fechando com um tema adequado (tendo em conta os princípios da casa) uma noite em que valeu a pena ser uma das luzes de uma casa viva.
· 13 Abr 2007 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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