Rodrigo Amado Quarteto
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
13 Abr 2007
Começam por se ver apenas fios, quatro fios, pontas soltas. Aqui e ali as pontas dos fios vão-se juntando, há desvios, junções, atropelos e reencontros até que surge um novelo, um pequeno novelo que vai ganhado forma - numa figura pouco ortodoxa, mas com uma estrutura consistente. E quando damos conta o novelo já se transformou em algo maior, mais resistente do que o simples emaranhado de fios soltos. Foi assim que, traduzida de uma forma visual simples, a música aconteceu na passada noite de sexta-feira 13 na Galeria ZDB.

Para esta apresentação especial na ZDB Rodrigo Amado - notável saxofonista com duas edições frescas, Spiritualized (com os Lisbon Improvisation Players) e Teatro (com Kent Kessler e Paal Nilssen-Love) - formou um improvável quarteto. Amado convidou o guitarrista Manuel Mota, chamou Hernâni Faustino para o contrabaixo e Peter Bastiaan (normalmente visto no saxofone) ocupou a bateria. Habitualmente rodeado de músicos provenientes do jazz, Amado escolheu desta vez para parceiros improvisadores assumidos – e como característica comum são todos colaboradores regulares da Variable Geometry Orchestra dirigida por Ernesto Rodrigues.

Rodrigo Amado Quarteto © Filomena Parreira

A música do quarteto começou frágil, tendo na pulsação do contrabaixo de Faustino a primeira âncora. O saxofone tenor de Amado tomou, com o tempo, naturalmente a liderança e foi esboçando melodias, óptimos figurinos de composição em tempo real. Seguindo a sua metodologia particular, assente na assumida improvisação mas muito próxima da tradição do jazz, o saxofone de Amado acaba sempre por construir estruturas de familiaridade jazzística. A dúvida maior que se podia colocar à partida seria saber como integrar a linguagem radical da guitarra de Mota na estruturação semi-jazz de Amado.

Consciente do seu lugar no quarteto, Manuel Mota soube integrar-se da melhor maneira. Nunca abdicando da sua fluência discursiva única, o guitarrista mostrou-se generoso, apoiando as criações colectivas, acompanhando as marcações rítmicas ou dando espaço para os outros poderem também brilhar. E quando (seguindo também a lógica natural do jazz) surgia a sua oportunidade para solar mostrava na guitarra eléctrica a sua técnica frenética de aparente instabilidade e originalidade em bruto - tal como se pode ouvir no primeiro disco do seu recente álbum duplo Outubro.

Entre Amado e Mota, o contrabaixo de Hernâni Faustino foi um elo seguro, sempre a impor dinâmica ao conjunto. Peter Bastiaan acompanhava na bateria o restante trio, sem surpreender - surpreendendo apenas quando irrompia num grito ocasional (e no segundo set Bastiaan experimentou ainda o saxofone). Com os quatro elementos em boa ligação, o azar andou longe, apenas ficou boa música. O free jazz, tal como concebido nos finais dos 60’s nos lofts de Nova Iorque, tem aqui meritória descendência. O nome da sessão anunciava: "the scene is now". É verdade, este jazz continua urgente no nosso tempo.
· 13 Abr 2007 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

Parceiros