DISCOS
Yo La Tengo
I'm not Afraid of You and I Will Beat Your Ass
· 01 Dez 2006 · 08:00 ·
Yo La Tengo
I'm not Afraid of You and I Will Beat Your Ass
2006
Matador / Popstock Portugal!
Sítios oficiais:
- Yo La Tengo
- Matador
- Popstock Portugal!
I'm not Afraid of You and I Will Beat Your Ass
2006
Matador / Popstock Portugal!
Sítios oficiais:
- Yo La Tengo
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Yo La Tengo
I'm not Afraid of You and I Will Beat Your Ass
2006
Matador / Popstock Portugal!
Sítios oficiais:
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I'm not Afraid of You and I Will Beat Your Ass
2006
Matador / Popstock Portugal!
Sítios oficiais:
- Yo La Tengo
- Matador
- Popstock Portugal!
Os mais destemidos e descomplexados Yo La Tengo são, ao mesmo tempo, a exposição assumida das suas próprias qualidades e debilidades.
A história repete-se e a fragilidade que acusou mitologicamente o calcanhar de Aquiles foi sendo aplicada a todo o tipo de heróis que protagonizam séries de banda-desenhada ou os filmes oportunamente adaptados a partir dos mesmos. Para ser vorazmente admirado pelas massas, é sabido que o herói deve partilhar de uma característica cruelmente humana com que se possa identificar quem o folheia devotamente – ou não seria tão popular o Homem-Aranha se, quando desprovido dos super-poderes, não tivesse também de enfrentar dramas escolares e sentimentais, uma mais grave situação clínica da Tia May ou o peso de consciência imposto pela sensação de que nem sempre alternará do modo mais correcto entre as duas identidades. De óculos e camisa aos quadrados, Peter Parker é tão mundano e susceptível a entraves rotineiros como aqueles que lhe acompanham apaixonadamente as aventuras.
Como quem nega vincadamente à idolatria associada às estrelas rock, os Yo La Tengo dos últimos tempos parecem definitivamente decididos em ampliar, tão assumidamente quanto possível, a sua faceta mais humana e passível de cometer os erros comuns. Parece ser esse o principal fundamento da recentemente lançada compilação Yo La Tengo is Murdering the Classics, em que se pode avaliar o trio na reprodução possível de clássicos solicitados ao vivo na rádio, por parte de todos os que se comprometessem a oferecer um donativo para fins de caridade. Sem conhecimento prévio dos temas requeridos e dependentes apenas do conhecimento somado aos três membros, era possível escutar os Yo La Tengo aventurados em versões variavelmente sofríveis, ocasionalmente hilariantes e sempre engenhosas, dos Stooges, Billy Joel e tantos outros nomes mais ou menos sonantes. Mesmo que a ideia tenha o seu quê de grotesco, sobra sempre o ditado para atestar que errar é, afinal, humano. Optar deliberamente por cometer o delito perante vasta audiência – e cometer o atrevimento de documentar isso em disco - equivalerá a destemida tentativa de sofrer uma humilhação gloriosa em praça pública.
Suspeita-se que não dispusesse de volta a dar ao lema Nice guys finish last uma banda proveniente de New Jersey, localidade infamemente célebre por servir de depósito ao entulho proveniente de Nova Iorque. Banda essa que, em pelo menos duas ocasiões, focou a necessidade de um dos seus membros – Ira Kaplan – ser advertido pela falta de coolness que constitui tocar um instrumento que não represente o verdadeiro espírito rock: neste caso, um oboé – que interrompe o falso talk-show, que acompanhava a compilação What’s Up Matador, e que é retirado às mãos do judeu mais simpático de Hoboken no implacável vídeo gravado para o clássico “Sugarcube”. Enquanto instituição que sobreviveu a mais de duas décadas de actividade sem cedências mercenárias, os Yo La Tengo são heróis evidentes para todo o proletariado indie que não verga perante a indústria. A coragem verificada à manutenção de identidade durante um quarto de século será, por isso, suficiente para justificar a afronta do título de I’m not Afraid of You and I Will Beat Your Ass.
A vontade prevalente no tal título é a de quem está prestes a cometer uma proeza e procura atrair até si as atenções circundantes: Repara em mim enquanto me lanço em digressão por uma impensável variedade de estilos. Os YLT deste disco vestem – com um desportivismo louvável - o fato largo ao malabarista que arranja sempre modo de incluir mais uma bola no circuito das que alternam entre as mãos e o ar. Não se descobre uma vontade predominante a uma disposição algo anárquica de referências e influências. O disco será frágil, mas voluntariamente frágil (tanto quanto um Wolverine cegamente aventurado em salvar todos os outros X-Men). Será também resultante de instinto - oiça-se o imediatismo rock a "I Should Have Known Better" -, mas consciente disso e bem sucedido na maior parte dos tiros disparados por reacção dos reflexos bem exercitados - esses que se manifestam abrangentemente iluminados pela enciclopédia nostalgia acumulada por Ira, Georgia e James, que, só nunca chegaram a ser um fantasioso Trio Fantástico, porque optaram por viajar sem guarda-costas e, tão regularmente quanto possível, conviverem de perto com os seus admiradores.
Em todo o caso, ninguém acreditaria de antemão que tão amigável e familiar instituição usasse o título do seu décimo-primeiro disco para ameaçar um alvo incógnito. Os Yo La Tengo não partilharão exactamente da atitude hostil e aparatosa de Courtney Love, mas dispõem de coragem de sobra para insuflar de fuzz e feedback as guitarras que, sem espartilho, partem a loiça nas grandiosas “Pass the Hatchet, I Think I’m Goodkind” e na mais comedida “The Story of Yo La Tango” (o “tango” é consciente). À moda antiga, mas sem que Ira Kaplan soe jurássico no rubor que arranca a uma guitarra que não conhecia tais desvarios desde I Can Hear the Heart Beating as One (And Then Nothing Turned Itself Inside-Out era mais discreto e apto a embalar um dormitório suburbano).
Quando a opção passa por formar um álbum generosamente alheado de critérios, excepto aquele que lhe incute a orientação tutti-frutti, nem importa tanto que soe a lado-b dos (Jon Spencer) Blues Explosion o swing cafeínado que faz estalar "Watch Out for me Ronnie" ou que o saudosismo Badalamenti de “I Feel Like Going Home” não conheça o melhor timing para a sua inserção (surge demasiado cedo). Há muito que os Yo La Tengo desenvolveram aquele tipo de familiaridade que faz com que o gozo deles seja também o do conhecedor minimamente afeiçoado. Entre convivas de longa data, não provoca qualquer embaraço o anacronismo que se sente a um disco que, com equivalente naturalidade, cumpre escala numa muito Motown “Mr. Tough” (pontos para a secção de sopro capaz de provocar cócegas) e, alguns passos à frente, semeia a Califórnia série-b circa 1973, com o moog possuído de “The Room Got Heavy”, a partir da qual se denota que também não há acanhamento que impeça os YLT de luxuriosamente exibirem o equipamento vintage de que dispõem (aí tal com em “Point and Shoot”).
I’m not Afraid of You and I Will Beat Your Ass oferece diversidade recorde por parte de que não receia a desconfiança que possam gerar algumas iniciativas mais excêntricas. A partir de uma perspectiva psicológica, será um álbum saudavelmente esquizofrénico e tão titânico quanto a modéstia dos YLT permite. Como um todo a ser assimilado ininterruptamente durante uns excessivos 75 minutos, I’m not Afraid of You... pode ser estafante e merecedor de penalização que o pretira em prol de outras escutas. Enquanto objecto divisível em quinze partes autónomas, o décimo primeiro disco dos Yo La Tengo será muito provavelmente aquele que maior e mais diversa quantidade de ouro tem para oferecer a mixtapes temáticas ou escutas fragmentadas. Enfim, será mesmo uma questão de aceitar o trio de Hoboken como uns Yo La Tanga, declaradamente incapazes de erigir um conjunto de músicas harmoniosas entre si, ou como Yo La Trengo, imperfeito herói por acarinhar que não recusa ao chamamento de qualquer missão, independentemente das fragilidades que o cumprimento dessa possa colocar a nu.
Miguel ArsénioComo quem nega vincadamente à idolatria associada às estrelas rock, os Yo La Tengo dos últimos tempos parecem definitivamente decididos em ampliar, tão assumidamente quanto possível, a sua faceta mais humana e passível de cometer os erros comuns. Parece ser esse o principal fundamento da recentemente lançada compilação Yo La Tengo is Murdering the Classics, em que se pode avaliar o trio na reprodução possível de clássicos solicitados ao vivo na rádio, por parte de todos os que se comprometessem a oferecer um donativo para fins de caridade. Sem conhecimento prévio dos temas requeridos e dependentes apenas do conhecimento somado aos três membros, era possível escutar os Yo La Tengo aventurados em versões variavelmente sofríveis, ocasionalmente hilariantes e sempre engenhosas, dos Stooges, Billy Joel e tantos outros nomes mais ou menos sonantes. Mesmo que a ideia tenha o seu quê de grotesco, sobra sempre o ditado para atestar que errar é, afinal, humano. Optar deliberamente por cometer o delito perante vasta audiência – e cometer o atrevimento de documentar isso em disco - equivalerá a destemida tentativa de sofrer uma humilhação gloriosa em praça pública.
Suspeita-se que não dispusesse de volta a dar ao lema Nice guys finish last uma banda proveniente de New Jersey, localidade infamemente célebre por servir de depósito ao entulho proveniente de Nova Iorque. Banda essa que, em pelo menos duas ocasiões, focou a necessidade de um dos seus membros – Ira Kaplan – ser advertido pela falta de coolness que constitui tocar um instrumento que não represente o verdadeiro espírito rock: neste caso, um oboé – que interrompe o falso talk-show, que acompanhava a compilação What’s Up Matador, e que é retirado às mãos do judeu mais simpático de Hoboken no implacável vídeo gravado para o clássico “Sugarcube”. Enquanto instituição que sobreviveu a mais de duas décadas de actividade sem cedências mercenárias, os Yo La Tengo são heróis evidentes para todo o proletariado indie que não verga perante a indústria. A coragem verificada à manutenção de identidade durante um quarto de século será, por isso, suficiente para justificar a afronta do título de I’m not Afraid of You and I Will Beat Your Ass.
A vontade prevalente no tal título é a de quem está prestes a cometer uma proeza e procura atrair até si as atenções circundantes: Repara em mim enquanto me lanço em digressão por uma impensável variedade de estilos. Os YLT deste disco vestem – com um desportivismo louvável - o fato largo ao malabarista que arranja sempre modo de incluir mais uma bola no circuito das que alternam entre as mãos e o ar. Não se descobre uma vontade predominante a uma disposição algo anárquica de referências e influências. O disco será frágil, mas voluntariamente frágil (tanto quanto um Wolverine cegamente aventurado em salvar todos os outros X-Men). Será também resultante de instinto - oiça-se o imediatismo rock a "I Should Have Known Better" -, mas consciente disso e bem sucedido na maior parte dos tiros disparados por reacção dos reflexos bem exercitados - esses que se manifestam abrangentemente iluminados pela enciclopédia nostalgia acumulada por Ira, Georgia e James, que, só nunca chegaram a ser um fantasioso Trio Fantástico, porque optaram por viajar sem guarda-costas e, tão regularmente quanto possível, conviverem de perto com os seus admiradores.
Em todo o caso, ninguém acreditaria de antemão que tão amigável e familiar instituição usasse o título do seu décimo-primeiro disco para ameaçar um alvo incógnito. Os Yo La Tengo não partilharão exactamente da atitude hostil e aparatosa de Courtney Love, mas dispõem de coragem de sobra para insuflar de fuzz e feedback as guitarras que, sem espartilho, partem a loiça nas grandiosas “Pass the Hatchet, I Think I’m Goodkind” e na mais comedida “The Story of Yo La Tango” (o “tango” é consciente). À moda antiga, mas sem que Ira Kaplan soe jurássico no rubor que arranca a uma guitarra que não conhecia tais desvarios desde I Can Hear the Heart Beating as One (And Then Nothing Turned Itself Inside-Out era mais discreto e apto a embalar um dormitório suburbano).
Quando a opção passa por formar um álbum generosamente alheado de critérios, excepto aquele que lhe incute a orientação tutti-frutti, nem importa tanto que soe a lado-b dos (Jon Spencer) Blues Explosion o swing cafeínado que faz estalar "Watch Out for me Ronnie" ou que o saudosismo Badalamenti de “I Feel Like Going Home” não conheça o melhor timing para a sua inserção (surge demasiado cedo). Há muito que os Yo La Tengo desenvolveram aquele tipo de familiaridade que faz com que o gozo deles seja também o do conhecedor minimamente afeiçoado. Entre convivas de longa data, não provoca qualquer embaraço o anacronismo que se sente a um disco que, com equivalente naturalidade, cumpre escala numa muito Motown “Mr. Tough” (pontos para a secção de sopro capaz de provocar cócegas) e, alguns passos à frente, semeia a Califórnia série-b circa 1973, com o moog possuído de “The Room Got Heavy”, a partir da qual se denota que também não há acanhamento que impeça os YLT de luxuriosamente exibirem o equipamento vintage de que dispõem (aí tal com em “Point and Shoot”).
I’m not Afraid of You and I Will Beat Your Ass oferece diversidade recorde por parte de que não receia a desconfiança que possam gerar algumas iniciativas mais excêntricas. A partir de uma perspectiva psicológica, será um álbum saudavelmente esquizofrénico e tão titânico quanto a modéstia dos YLT permite. Como um todo a ser assimilado ininterruptamente durante uns excessivos 75 minutos, I’m not Afraid of You... pode ser estafante e merecedor de penalização que o pretira em prol de outras escutas. Enquanto objecto divisível em quinze partes autónomas, o décimo primeiro disco dos Yo La Tengo será muito provavelmente aquele que maior e mais diversa quantidade de ouro tem para oferecer a mixtapes temáticas ou escutas fragmentadas. Enfim, será mesmo uma questão de aceitar o trio de Hoboken como uns Yo La Tanga, declaradamente incapazes de erigir um conjunto de músicas harmoniosas entre si, ou como Yo La Trengo, imperfeito herói por acarinhar que não recusa ao chamamento de qualquer missão, independentemente das fragilidades que o cumprimento dessa possa colocar a nu.
migarsenio@yahoo.com
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