DISCOS
The Claudia Quintet
Semi-Formal
· 03 Fev 2006 · 08:00 ·
The Claudia Quintet
Semi-Formal
2005
Cuneiform


Sítios oficiais:
- Cuneiform
The Claudia Quintet
Semi-Formal
2005
Cuneiform


Sítios oficiais:
- Cuneiform
Durante a escola sempre fui um bom aluno. Perdoe-se-me a imodéstia, mas posso afirmar que era dos melhores da turma e sem muito esforço passava às cadeiras todas com notas superiores à média. Nos restantes planos da adolescência a coisa não corria tão bem (seria informação demasiada e demasiado dramática para um curto e inocente texto como este), mas a nível académico safava-me. Sempre foi assim até ao 12º ano. Chegado ao último ano do ensino secundário calhou-me como docente de matemáticas uma jovem recém formada. A professora, bonita e roliça, tinha por hábito passar as aulas de costas para os alunos enquanto demonstrava no quadro de ardósia a resolução de equações aparentemente impossíveis. E tinha o hábito adicional de usar calças justas. Escusado será dizer que quem sofreu com este demoníaco alinhamento de factores foi a minha concentração. Distraído a maior parte do tempo, perdi a lógica toda dos números e as equações malditas deixaram de fazer sentido. Com alguma simpatia da querida professora ainda consegui passar nos testes, mas no exame nacional foi o descalabro – a minha inépcia matemática revelou-se totalmente e acabei com uma nota vergonhosa.

Serve este inconsequente intróito apenas para informar da minha má relação pessoal com a matemática. Assim, quando me chega às mãos algo a que se resolve chamar “música matemática” surge de imediato uma barreira psicológica a enfrentar. Iannis Xenakis (1922-2001) terá sido o compositor a levar mais longe a ligação entre música e matemática, desenvolvendo um vínculo à partida improvável mas que acabou por se fundamentar com muita legitimidade. No entanto, sem querer entrar em campos tão complexos, do que aqui se trata é bem mais simples - o uso da palavra “matemática” para classificar simplesmente a música escrita, planeada, que não cometa erros ou infrinja regras, completamente controlada. Por oposição, digamos que a música “não-matemática” será a música livre, improvisada.

The Claudia Quintet, mini-ensemble dirigido pelo percussionista John Hollenbeck, utiliza elementos destes dois mundos, arrisca uma espécie de fusão semi-clássica e ainda introduz novos elementos. Depois de um primeiro disco homónimo (2002) e de I, Claudia, disco de 2004 que fez o grupo ganhar notoriedade, Semi-Formal avança as premissas dos anteriores. Ancorado num som característico que muito deve à utilização do vibrafone e acordeão, este quinteto consegue fazer lembrar o pós-rock de Chicago (sem aborrecer) e alguns travos de música europeia, mantendo a sua base de jazz, pelo poder do trio clássico que reforça: sopros/contrabaixo/bateria. Para dar forma ao conceito, Hollenbeck recrutou óptimos músicos - a formação completa-se assim, para além do líder Hollenbeck (na bateria), com Ted Reichman (no acordeão), Chris Speed (clarinete e saxofone tenor), Matt Moran (vibrafone) e Drew Gress (contrabaixo).

Sendo que a maior parcela do disco se baseia em matéria composicional, o disco alberga também espaço para os músicos expressarem a sua individualidade, pela inserção de momentos para sequências (mais ou menos) livres. Música matemática e não-matemática, em convivência saudável e, acima de tudo, coesa. Suportada pelo talento de arranjador de Hollenbeck, a colagem dos vários elementos é conseguida principalmente pela boa dinâmica de grupo. Resultado: entre toda a panóplia de títulos e rótulos, a música continua-lhes a fugir, escorregadia, e, por vezes, insubordinada - boa aluna, conhecedora das leis e das regras todas, mas com prazer em se desviar de vez em quando do caminho indicado.

Era uma vez um rapaz distraído que não percebia matemática, era uma vez um senhor grego chamado Xenakis e era uma vez um disco de jazz que não queria ser jazz e ninguém sabia muito bem como lhe chamar.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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