DISCOS
L. Pierre
Touchpool
· 12 Jun 2005 · 08:00 ·
L. Pierre
Touchpool
2005
Melodic


Sítios oficiais:
- Melodic
L. Pierre
Touchpool
2005
Melodic


Sítios oficiais:
- Melodic
Podemos ser francos sem ter de tomar partidos. Quando a química de uma dupla de músicos se divide, costumam ser os projectos a solo a revelar de que lado se encontra afinal a genialidade – pulmão e motor da entidade-mãe. Torna-se arriscado adivinhar isso no caso dos escoceses Arab Strap, atendendo a que Aidan Moffat participou no álbum a solo do seu comparsa Malcolm, que, por sua vez, retribuiu ao mergulhar uma perninha (guitarra e baixo em “Baby Breeze”) nesta Touchpool. O factor crucial ao desequilíbrio acaba por ser 5: 14 Fluoxytine Seagull Alcohol John Nicotine, o frangível debute em que Malcolm Middleton demonstra notória incapacidade em renegar à paternidade do nome que lhe põe o pão e vinho na mesa. Enquanto 5:14 parece ser um disco de Arab Strap pontuado por alguns “cameos” do membro que não assina, o novo disco de Lucky Pierre – tal como o primeiro Hypnogogia - comprova a capacidade do autor em multiplicar a sua identidade e a partir daí obter um pequeno milagre de suavidade downtempo. Aidan Moffat superou o seu companheiro em território que lhe é habitualmente alheio - o instrumental (ainda que “samplado” no caso de Lucky Pierre). Middleton não convenceu ao dar voz ao seu disco a solo e aí perdeu no confronto directo com a outra metade em equação. Por meio de comparações desprezíveis – mas esclarecedoras - fica-se a saber quem é o Simon e quem é o Garfunkel.

Aproveitando a toada propícia a comparações, fique já como ponto assente: Touchpool não é digno de sequer pintar os números dos lugares de pódio pertencentes aos três melhores discos de Arab Strap (por ordem decrescente e discutível: Elephant Shoe, Philophobia e The Red Thread), deve ser escutado e absorvido de um modo oposto ao dominado pela melancolia cornuda que os discos da dupla fazem sarar. Sim, Aidan Moffat continua enclausurado na mesma redoma de flirts doentios e noites a fio perdidas entre um Martini e outro Bacardi, um “peep-show” em Ibiza e um “lap-dance” em Cannes. Continua a ser ele o mais implacável cronista de uma boémia percorrida por entre curvas fotografadas visualmente num imenso talho humano. Sendo que a crueza homem-mulher/calças-saias exposta por Moffat ao serviço da encarnação base é aqui submetida a uma ténue suavização através do retirar de nitidez ao que é gráfico e recorrência à insustentável leveza do easy-listening. Tudo passa a ser mais ligeirinho. This is softcore.

Existe um Serge Gainsbourg em cada músico romântico. Dan “The Automator” exorcizou o seu ao compor Music to Make Love to Your Old Lady by sob o desígnio de Lovage. A parcela mais barbuda dos Arab Strap arrisca-se a tarefa semelhante enquanto disfarçado de Lucky Pierre. Vem revelar o segundo álbum Touchpool todas as potencialidades terapêuticas (face à insónia de noites perdidas em ciúme) de um lounge predisposto a servir de pano de fundo a paragens bidimensionais que um catálogo turístico promete como destino. Sem conseguir ser particularmente original, mas suficientemente exótico para servir de veículo evasivo, o passado vintage tal como idealizado por Moffat serve essencialmente para mixtapes tropicais e adapta-se perfeitamente a diversas exigências televisivas (música para anúncios e “montra de prémios” do Preço Certo em Euros). Touchpool nem sequer chega a apresentar argumentos substanciais, mas tal coisa nunca foi exigida a um objecto pornográfico. Até pela forma como se apresenta limitado à essência instrumental (cordas e caixa ritmos, essencialmente) remete para a pornografia, isto porque nesse universo os diálogos são sempre tidos como acessórios, excesso dispensável. Enquanto dura, Touchpool é apreciável.

Tal como alguém apontou, Touchpool deve ser recebido numa disposição física e mental totalmente horizontal (daí o título da faixa que conclui o disco). Contudo, e tal como existem dezenas de alternativas para quem se achar afectado pelo tédio do posicionamento missionário, também muito jaz além de Lucky Pierre espalhado pelo easy-listening dos anos 60 e 70. A distribuição torna-se lógica quando o Verão está aí à porta: Lucky Pierre a acompanhar o solstício e Arab Strap para os dias de ressaca ou céu nublado.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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