DISCOS
Arctic Monkeys
Tranquility Base Hotel & Casino
· 04 Jun 2018 · 11:20 ·

Arctic Monkeys
Tranquility Base Hotel & Casino
2018
Domino
Sítios oficiais:
- Arctic Monkeys
- Domino
Tranquility Base Hotel & Casino
2018
Domino
Sítios oficiais:
- Arctic Monkeys
- Domino

Arctic Monkeys
Tranquility Base Hotel & Casino
2018
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- Arctic Monkeys
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2018
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- Arctic Monkeys
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Resort retrofuturista.
The things you try to forget, doesn’t time fly? Cá estamos, coisa de cinco anos passados desde aquele fenómeno da música pop que catapultou os Arctic Monkeys de referência segura do circuito indie para as letras gordas de todo o festival de verão possível e imaginável, e não se pode dizer que fosse este o resultado antecipado. Paradoxalmente, é também verdade que Tranquility Base Hotel & Casino representa, na carreira do quarteto britânico, uma progressão lógica: não são, de modo algum, anos-luz os que separam este território daquele sondado por AM (2013). Mas ao passo que aquele se ancorava em delírios de grandeza e boémia para compensar a comparativa banalidade da música, neste encontramos uma banda em nova sintonia com o progresso que decidira abandonar em favor do conforto, um vislumbre de uma manhã seguinte para Alex Turner pela qual a longa noite de espera parece ter valido a pena.
Falamos de Turner no singular porque, se não o era já antes, passou a ser ele o centro em torno do qual orbitam as componentes de um disco que se assume, acima de tudo, enquanto sobejamente lírico. Não quer isto dizer que se devam descartar as referências musicais presentes (para as quais muito contribuíram os restantes integrantes), aqui enquadradas numa espécie de retrofuturismo que se divide entre o cabaret empoeirado e mal-iluminado (“Star Treatment”) e a ostentação dos grandes bailes tingidos de amargura e superficialidade (“The Ultracheese”). Só que mesmo essas, o tão improvável triângulo David Bowie/Serge Gainsbourg/Father John Misty, são fruto de um Alex Turner evidentemente enamorado do legado dos grandes cantautores pop e que, ao trocar a guitarra pelo piano, assume a tarefa de lhe dar continuidade. Parece ter sido este o veículo encontrado por Turner para finalmente ultrapassar as linhas de engate atrás das quais tem escondido o seu prodígio nos últimos trabalhos, e o resultado é o mais honesto álbum de Arctic Monkeys desde que, ainda nos fins da adolescência, o seu mundo era feito de raparigas em discotecas e cigarros em pubs.
Passa-se que, por mais que tente forçar a sua veia conceptual, Tranquility Base Hotel & Casino é raras vezes suficientemente coeso para ser considerado um verdadeiro statement sociopolítico, como já o quiseram retratar. Mas Alex explora composicionalmente esta sua perplexidade com o mundo atual com um imaginário quase constantemente atraente: desde a desumanização do refrão de call center da faixa-título à glorificação da prepotência em “Four Out of Five”, cujo mote lê-se, no seu auge, como aliciante propaganda à sedução pela luxúria. Há também paranóia (dance as if somebody’s watching, ‘cause they are), alguma desilusão (bear with me, I’ve lost my train of thought) e, alguns dirão, uma dose para lá do aceitável de soberba, mas Turner não deixa de pontuar o ocasional chico-espertismo com um contraponto de autoflagelação, como quando canta na abbeyroadesca “She Looks Like Fun” No one’s on the streets/We moved it all online para logo de seguida encadear a rima com I’m so full of shite.
E são estes ocasionais acessos de frontalidade que nos desarmam num disco evidentemente tão meticuloso: se este é um álbum que muitas vezes aponta para contextos, subtextos e segundas leituras - neste sentido, o mais longe de uma abordagem casual, arriscamo-nos a dizer, que os Arctic Monkeys já lançaram - é também um no qual abundam estes momentos. A começar pela primeira linha da primeira canção, em que a memória dos tempos de idolatria aos Strokes é contrastada com esta mess you made me make, até quase à última, na qual, depois de um mundo de provocações e animosidades, Turner declara, com uma cadência que revela mais verdade do que quaisquer palavras seriam capazes: It might look as if I’m deep in thought/But the truth is I’m probably not/If I ever was.
Tranquility Base Hotel & Casino tem tantas coisas a funcionar contra si que, à partida, pode parecer não ter ponta por onde se pegar: é mais um distanciamento em relação à reputação sedimentada pela banda, amputado de grandes refrões, repleto de obliquidades instrumentais e referências a gentrificação, monster trucks e standards do sci-fi - categorizá-lo sequer enquanto disco de rock implica consideráveis arredondamentos e uma boa margem de erro. Mas ainda que possa vir a ser, como o próprio Turner admite, demasiado esperto para o seu próprio bem, não deixa de contar a seu favor a ambição, a orquestração prodigiosa e a eloquência das performances que acabam por dar longevidade a este tipo de visão artística. E não deixa de ser curioso que o momento em que os Arctic Monkeys decidem recorrer ao imaginário de resorts na lua, realidade virtual e smartphones demoníacos seja também aquele em que, pelo menos de há uns bons anos para cá, nos chegam com maior humanidade.
Pedro Henrique MirandaFalamos de Turner no singular porque, se não o era já antes, passou a ser ele o centro em torno do qual orbitam as componentes de um disco que se assume, acima de tudo, enquanto sobejamente lírico. Não quer isto dizer que se devam descartar as referências musicais presentes (para as quais muito contribuíram os restantes integrantes), aqui enquadradas numa espécie de retrofuturismo que se divide entre o cabaret empoeirado e mal-iluminado (“Star Treatment”) e a ostentação dos grandes bailes tingidos de amargura e superficialidade (“The Ultracheese”). Só que mesmo essas, o tão improvável triângulo David Bowie/Serge Gainsbourg/Father John Misty, são fruto de um Alex Turner evidentemente enamorado do legado dos grandes cantautores pop e que, ao trocar a guitarra pelo piano, assume a tarefa de lhe dar continuidade. Parece ter sido este o veículo encontrado por Turner para finalmente ultrapassar as linhas de engate atrás das quais tem escondido o seu prodígio nos últimos trabalhos, e o resultado é o mais honesto álbum de Arctic Monkeys desde que, ainda nos fins da adolescência, o seu mundo era feito de raparigas em discotecas e cigarros em pubs.
Passa-se que, por mais que tente forçar a sua veia conceptual, Tranquility Base Hotel & Casino é raras vezes suficientemente coeso para ser considerado um verdadeiro statement sociopolítico, como já o quiseram retratar. Mas Alex explora composicionalmente esta sua perplexidade com o mundo atual com um imaginário quase constantemente atraente: desde a desumanização do refrão de call center da faixa-título à glorificação da prepotência em “Four Out of Five”, cujo mote lê-se, no seu auge, como aliciante propaganda à sedução pela luxúria. Há também paranóia (dance as if somebody’s watching, ‘cause they are), alguma desilusão (bear with me, I’ve lost my train of thought) e, alguns dirão, uma dose para lá do aceitável de soberba, mas Turner não deixa de pontuar o ocasional chico-espertismo com um contraponto de autoflagelação, como quando canta na abbeyroadesca “She Looks Like Fun” No one’s on the streets/We moved it all online para logo de seguida encadear a rima com I’m so full of shite.
E são estes ocasionais acessos de frontalidade que nos desarmam num disco evidentemente tão meticuloso: se este é um álbum que muitas vezes aponta para contextos, subtextos e segundas leituras - neste sentido, o mais longe de uma abordagem casual, arriscamo-nos a dizer, que os Arctic Monkeys já lançaram - é também um no qual abundam estes momentos. A começar pela primeira linha da primeira canção, em que a memória dos tempos de idolatria aos Strokes é contrastada com esta mess you made me make, até quase à última, na qual, depois de um mundo de provocações e animosidades, Turner declara, com uma cadência que revela mais verdade do que quaisquer palavras seriam capazes: It might look as if I’m deep in thought/But the truth is I’m probably not/If I ever was.
Tranquility Base Hotel & Casino tem tantas coisas a funcionar contra si que, à partida, pode parecer não ter ponta por onde se pegar: é mais um distanciamento em relação à reputação sedimentada pela banda, amputado de grandes refrões, repleto de obliquidades instrumentais e referências a gentrificação, monster trucks e standards do sci-fi - categorizá-lo sequer enquanto disco de rock implica consideráveis arredondamentos e uma boa margem de erro. Mas ainda que possa vir a ser, como o próprio Turner admite, demasiado esperto para o seu próprio bem, não deixa de contar a seu favor a ambição, a orquestração prodigiosa e a eloquência das performances que acabam por dar longevidade a este tipo de visão artística. E não deixa de ser curioso que o momento em que os Arctic Monkeys decidem recorrer ao imaginário de resorts na lua, realidade virtual e smartphones demoníacos seja também aquele em que, pelo menos de há uns bons anos para cá, nos chegam com maior humanidade.
pedrohenrmiranda@gmail.com
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