DISCOS
Morrissey
You are the Quarry
· 17 Mai 2004 · 08:00 ·
Morrissey
You are the Quarry
2004
Attack Records


Sítios oficiais:
- Morrissey
- Attack Records
Morrissey
You are the Quarry
2004
Attack Records


Sítios oficiais:
- Morrissey
- Attack Records
É dia 17 de Maio de 2004. Em lojas de discos um pouco por todo o mundo, milhares de pessoas solitárias esperam numa fila para comprar o novo disco de Morrissey, ex-líder dos Smiths, o seu primeiro em sete anos. Jovens, adultos, jovens adultos, tudo junto (mas sempre sozinhos) para comprar o novo disco de El Moz, o seu herói, sejam fãs de longa data ou novos fãs. Muitas destas pessoas ainda não tinham idade para estar à espera em filas de lojas de discos aquando do lançamento do álbum anterior, Maladjusted, em 1997.

Nestes sete anos que passaram entre Maladjusted e You are the Quarry, Morrissey tornou-se quarentão, o seu cabelo ficou grisalho, mudou-se de Inglaterra para Los Angeles, tornou-se amigo pessoal de Nancy Sinatra, mas sempre se manteve fiel aos seus ideais: continua vegetariano, anticristão e celibatário. Os fãs multiplicaram-se, onde quer que haja sofrimento Morrissey está lá, a cantar-nos ao ouvido, a ajudar-nos a ultrapassar os maus momentos.
"You are the Quarry", ao bom estilo de Morrissey, apanha-o em óptima forma. As letras são muito boas, daquelas que o confirmam como dos maiores letristas que a língua inglesa já viu e ouviu, e até se tornam citações clássicas instantâneas. Morrissey tem dito, em entrevistas, que estas letras são as mais directas que já escreveu, talvez porque queira que sejam imediatamente atingíveis.
Do trabalho típico do produtor Jerry Finn, que, como se tem dito até à exaustão, é conhecido pelo seu trabalho com bandas como os Blink 182 ou os Sum 41, apenas uns power chords no single de apresentação "Irish Blood, English Heart" se notam ao longo de todo o álbum. Este é um single com uma força incrível, político, onde Moz canta letras como "I am dreaming of a time when the english are sick to death of labour and torys and spit upon the name Oliver Cromwell and denounce this royal line that still salutes him and will salute him forever". Como se pode ver, continua sem a mínima simpatia pela rainha do seu país, bem ao estilo dos Smiths de The Queen is Dead. É também neste single que vemos, desde logo, um dos grandes pontos fracos do disco: os efeitos sonoros (vulgos Sound Effects, ou SFX) de gosto dúbio que Jerry Finn lá põe. Porquê? Ninguém sabe ao certo, mas a verdade é que amaldiçoam este disco como uma mosca a voar por cima de um bolo.

Não sendo um disco inovador, You are the Quarry introduz novos temas a tratar no universo de Mozzy, como a sua nova casa - em "America's not the World", onde fala da sua relação de amor/ódio com o país "where the president is never black, female or gay", ou "The First of the Gang To Die", onde aborda a problemática dos gangs da comunidade hispânica de Los Angeles, que o aprecia bastante. "We are the pretty, petty thieves, and you are standing on our streets, where Hector was the first of the gang with a gun in his hand and the first to do time, the first of the gang to die" é uma letra poderosa, de uma das canções mais audivelmente pop do disco, a par de "The World is full of Crashing Bores", que, aparecendo-nos numa versão mais lenta que nos bootlegs que circularam um pouco por todo o lado o ano passado, demora a "entrar", mas cedo se faz reconhecer como uma das melhores canções do disco, com um refrão altamente cantarolável: "This world is full, so full of crashing bores, and I must be one, 'cos no one ever turns to me to say: 'Take me in your arms and love me'". Em "Let Me Kiss You", a letra ("Close your eyes and think of someone you phisically admire and let me kiss you" é rainha, uma das melhores letras do disco, que não tardará a ser utilizada por todo o mundo por urbano-depressivos ou por qualquer pessoa que alguma vez se sentiu repulsiva, como é costume com as melhores letras de Morrissey. "Come back to Camden", fala da sua solidão ("I am alone for evermore"), tem uma orquestra inteira em MIDI - outro defeito da produção de Jerry Finn, mesmo que este ponha um solo de flauta (será verdadeira ou MIDI?) em "I'm not sorry", conseguindo evitar ser muito foleiro e desinteressante. A instrumentação MIDI também aparece em "I Have forgiven Jesus", que lida com a religião católica.

"Did I listen to music because I was miserable? Or was I miserable because I listened to music?", questões colocadas por Nick Hornby no seu romance High Fidelity, adaptam-se na perfeição à música de Morrissey. Esta sensação de que estamos a ouvir a música pela primeira vez, mesmo que já a conheçamos de trás para a frente, é a maior qualidade de Morrissey. É sempre como se as letras nos agarrassem, pegassem em nós e nos transportassem para outra dimensão, onde somos compreendidos. Porque Morrissey é o rei de todos aqueles que alguma vez se sentiram sozinhos, desprotegidos, incompreendidos ou detestados.
Este disco, com as suas poucas falhas, e o ambiente da pop do princípio dos anos 90 (especialmente em "America's not the World" e "I'm not sorry"), apenas prova que Morrissey nunca mais lançará um disco perfeito, ao nível de um The Smiths ou The Queen is Dead, mas fica lá muito perto.
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
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