DISCOS
Radiohead
Hail to the Thief
· 09 Jul 2003 · 08:00 ·
Radiohead
Hail to the Thief
2003
Parlophone
Sítios oficiais:
- Radiohead
- Parlophone
Hail to the Thief
2003
Parlophone
Sítios oficiais:
- Radiohead
- Parlophone
Radiohead
Hail to the Thief
2003
Parlophone
Sítios oficiais:
- Radiohead
- Parlophone
Hail to the Thief
2003
Parlophone
Sítios oficiais:
- Radiohead
- Parlophone
The Gloaming: Crepúsculo da noite. Período imediatamente anterior ao anoitecer. Luz fosca. A noite que não é dia, o dia que não é noite.
Hail To The Thief, sexta longa-duração dos Radiohead, sorri-me do topo da secretária. Pisca-me o olho e convida-me a conhecê-lo. Depois de alguns problemas técnicos, faz-se ouvir.
[As expectativas: Posteriormente ao lançamento dos dois álbuns gémeos gerados em ambiente experimental, Kid A e Amnesiac respectivamente, Thom Yorke disse ao mundo que o novo rebento seria uma espécie de Ok Computer pt.2. Já depois da edição do álbum, provocou-nos de novo, dizendo que num futuro breve os Radiohead estariam irreconhecíveis. Tudo apontava, assim, para um retorno ao formato canção, deixado para trás pelos devaneios electrónicos experimentados pela banda na transição de século.]
A viagem começa. Deito-me no sofá, mas por pouco tempo. Os primeiros segundos do álbum fazem-se ao som da ligação de uma guitarra a um amplificador. Hail To The Thief promete electricidade rock e cumpre-o na fase final de «2+2=5», a conta que coloca em causa as convenções mais elementares da Matemática. Nada é assim tão linear como a Matemática nos quer fazer crer. Os Radiohead não são lineares, jamais coerentes. Guitarras ao alto como não ouvíamos desde The Bends é o que se pode ouvir. Salto da sofá. Grito, reajo, liberto-me. De súbito, Yorke assusta-me, berrando-me «you can scream and you can shout, it is too late now, because you have not been paying atention» aos ouvidos.
Ao segundo tema, apercebo-me que o rock escapou-se para lugar incerto. Afinal, os Radiohead ainda me surpreendem. Enganam-me como bons vilões. Regresso ao sofá, ao som da electrónica fria e sombria de «Sit Down, Stand Up».
Adormeço finalmente no crepúsculo da noite. «Something big is gonna happen ‘over my dead body’». Pressinto-o. Tudo agora é sonho, até «Sail The Moon» - inspirado na poesia de teor infantil de Edward Lear - balada a piano, com ecos de guitarra planante, que nos transportam aos ambientes mais intimistas e floydianos de OK Computer. Thom chora-me ao ouvido.
De seguida, sinto pontadas anestesiantes sobre o meu subconsciente. «Backdrifts» é a primeira. Segue-se-lhe «Where I End and You Begin», uma qualquer esfera onde me cruzo com um monstro electrónico, deixado ao abandono. Este diz-me que está nas nuvens e não consegue descer à terra. Eu identifico-me. Antes ouvira um tema a guitarra, com um travo de oriental e hipnótico - «Go To Sleep». Sussurram-me de novo. Alguém pede sangue vivo, sobre um fundo jazz, com alguma experimentação alucinada pelo meio.
«The Gloaming», o ambiente seguinte, compreende o sentido de todo o álbum. «It is the witching hour», alerta-nos Yorke, sobre um fundo electrónico subterrâneo. Pergunto-me como este mundo pode ser tão baço e, a meio da questão, acordo sobressaltado.
«There There» arrepia-me. Volto a ter uma visão nítida da realidade. As guitarras obrigam-me a deixar para trás o aconchego do sofá confortável. Vou à varanda. Já é quase noite. Acordado apercebo-me que os Radiohead não parecem saber o que querem ser. Provavelmente querem ser tudo simultaneamente, como o fosco, e conseguem-no de uma forma única, mesmo que sempre triste e cinzentamente. «We are accidents waiting to happen». Nesta frase, traduz-se o sentido da humanidade.
Regresso ao sofá. Desta vez não adormeço, apenas escuto absorto. «I Will» é a pequena grande pérola de Hail To The Thief, uma espécie de lado b da tristeza de «Exit Music (For A Film)».
Por entre a música, oiço palavras de revolta como «Hypocrite opportunist, don’t infect me with your poison, a bully in a china shop». Thom Yorke reflecte também o real, não escreve apenas sobre a alienação e o abstracto. Mostra-se mesmo zangado com o Sr. América que, de forma simpática, saúda, no título do álbum.
Dentre o quase silêncio da recta final do álbum, surge «Myxomatosis», que caminha sobre uma linha de baixo vibrante e em espiral. Viciante.
Para o final, adormeço de novo com a melancolia delicada e arrastada dos derradeiros «Scatterbrain» e de «A Wolf At The Door». Acabou a viagem. Acordo do fosco. E o que senti? Ouvi uma colecção de canções como não ouvia desde «OK Computer», tristes e épicas. Senti a metamorfose das ideias e experiências electrónicas em canções carregadas de estranheza quase clínica e subterrânea passar à minha frente. Senti-me em confronto com a exaltação e expansão de alguns terrenos apenas esboçados em The Bends, OK Computer, Kid A e Amnesiac.
Em suma, Hail to The Thief corresponde a maturidade, a um contíguo de ambientes únicos e autênticos. Não é filho de pais convencionais e conservadores. Faz o que lhe apetece, mesmo que, por breves momentos, não o faça da melhor forma.
Se de facto os Radiohead daqui a dois anos estiverem irreconhecíveis, que sejam lembrados, na altura, por este álbum, porque este é, de facto, digno do peso que o nome Radiohead carrega.
Tiago CarvalhoHail To The Thief, sexta longa-duração dos Radiohead, sorri-me do topo da secretária. Pisca-me o olho e convida-me a conhecê-lo. Depois de alguns problemas técnicos, faz-se ouvir.
[As expectativas: Posteriormente ao lançamento dos dois álbuns gémeos gerados em ambiente experimental, Kid A e Amnesiac respectivamente, Thom Yorke disse ao mundo que o novo rebento seria uma espécie de Ok Computer pt.2. Já depois da edição do álbum, provocou-nos de novo, dizendo que num futuro breve os Radiohead estariam irreconhecíveis. Tudo apontava, assim, para um retorno ao formato canção, deixado para trás pelos devaneios electrónicos experimentados pela banda na transição de século.]
A viagem começa. Deito-me no sofá, mas por pouco tempo. Os primeiros segundos do álbum fazem-se ao som da ligação de uma guitarra a um amplificador. Hail To The Thief promete electricidade rock e cumpre-o na fase final de «2+2=5», a conta que coloca em causa as convenções mais elementares da Matemática. Nada é assim tão linear como a Matemática nos quer fazer crer. Os Radiohead não são lineares, jamais coerentes. Guitarras ao alto como não ouvíamos desde The Bends é o que se pode ouvir. Salto da sofá. Grito, reajo, liberto-me. De súbito, Yorke assusta-me, berrando-me «you can scream and you can shout, it is too late now, because you have not been paying atention» aos ouvidos.
Ao segundo tema, apercebo-me que o rock escapou-se para lugar incerto. Afinal, os Radiohead ainda me surpreendem. Enganam-me como bons vilões. Regresso ao sofá, ao som da electrónica fria e sombria de «Sit Down, Stand Up».
Adormeço finalmente no crepúsculo da noite. «Something big is gonna happen ‘over my dead body’». Pressinto-o. Tudo agora é sonho, até «Sail The Moon» - inspirado na poesia de teor infantil de Edward Lear - balada a piano, com ecos de guitarra planante, que nos transportam aos ambientes mais intimistas e floydianos de OK Computer. Thom chora-me ao ouvido.
De seguida, sinto pontadas anestesiantes sobre o meu subconsciente. «Backdrifts» é a primeira. Segue-se-lhe «Where I End and You Begin», uma qualquer esfera onde me cruzo com um monstro electrónico, deixado ao abandono. Este diz-me que está nas nuvens e não consegue descer à terra. Eu identifico-me. Antes ouvira um tema a guitarra, com um travo de oriental e hipnótico - «Go To Sleep». Sussurram-me de novo. Alguém pede sangue vivo, sobre um fundo jazz, com alguma experimentação alucinada pelo meio.
«The Gloaming», o ambiente seguinte, compreende o sentido de todo o álbum. «It is the witching hour», alerta-nos Yorke, sobre um fundo electrónico subterrâneo. Pergunto-me como este mundo pode ser tão baço e, a meio da questão, acordo sobressaltado.
«There There» arrepia-me. Volto a ter uma visão nítida da realidade. As guitarras obrigam-me a deixar para trás o aconchego do sofá confortável. Vou à varanda. Já é quase noite. Acordado apercebo-me que os Radiohead não parecem saber o que querem ser. Provavelmente querem ser tudo simultaneamente, como o fosco, e conseguem-no de uma forma única, mesmo que sempre triste e cinzentamente. «We are accidents waiting to happen». Nesta frase, traduz-se o sentido da humanidade.
Regresso ao sofá. Desta vez não adormeço, apenas escuto absorto. «I Will» é a pequena grande pérola de Hail To The Thief, uma espécie de lado b da tristeza de «Exit Music (For A Film)».
Por entre a música, oiço palavras de revolta como «Hypocrite opportunist, don’t infect me with your poison, a bully in a china shop». Thom Yorke reflecte também o real, não escreve apenas sobre a alienação e o abstracto. Mostra-se mesmo zangado com o Sr. América que, de forma simpática, saúda, no título do álbum.
Dentre o quase silêncio da recta final do álbum, surge «Myxomatosis», que caminha sobre uma linha de baixo vibrante e em espiral. Viciante.
Para o final, adormeço de novo com a melancolia delicada e arrastada dos derradeiros «Scatterbrain» e de «A Wolf At The Door». Acabou a viagem. Acordo do fosco. E o que senti? Ouvi uma colecção de canções como não ouvia desde «OK Computer», tristes e épicas. Senti a metamorfose das ideias e experiências electrónicas em canções carregadas de estranheza quase clínica e subterrânea passar à minha frente. Senti-me em confronto com a exaltação e expansão de alguns terrenos apenas esboçados em The Bends, OK Computer, Kid A e Amnesiac.
Em suma, Hail to The Thief corresponde a maturidade, a um contíguo de ambientes únicos e autênticos. Não é filho de pais convencionais e conservadores. Faz o que lhe apetece, mesmo que, por breves momentos, não o faça da melhor forma.
Se de facto os Radiohead daqui a dois anos estiverem irreconhecíveis, que sejam lembrados, na altura, por este álbum, porque este é, de facto, digno do peso que o nome Radiohead carrega.
tcarvalho@esec.pt
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