DISCOS
Gutta Percha
Tube Overtures
· 20 Jul 2010 · 12:28 ·
Gutta Percha
Tube Overtures
2010
The Land of


Sítios oficiais:
- Gutta Percha
- The Land of
Gutta Percha
Tube Overtures
2010
The Land of


Sítios oficiais:
- Gutta Percha
- The Land of
Fascinante épico de bolso, filmado em câmara lenta como na TV, é também uma das grandes revelações do ano.
Entre tantos discos actualmente dedicados à recuperação (distorção?) da década de 80, através da utilização de recursos semelhantes, é natural que alguns passem despercebidos, independentemente do valor que possam ter nessa revisão, que agora comporta o fantasma (psicadélico) dos anos passados e, por arrasto, aquele aspecto bafiento tão apreciado. Não nos equivoquemos, mesmo assim, Tube Overtures não é um disco de hypnagogic pop apesar de marinar num conceito muito próximo: a partir do estado de Illinois, dois irmãos (Brent e Ryan Hibbett) gravaram versões extensas de temas de abertura pertencentes a famosas séries televisivas (Uma Casa na Pradaria, A Balada de Hill Street, entre outras). O twist Shyamalan, nesta situação, incide no facto de nenhuma destas versões soar vagamente próxima dos originais. O conceito oferecido não rende a familiaridade que prometia deixando-nos assim ao abandono num espaço branco e sem referências, em que os manos Hibbett tocam o apego nostálgico pelas séries muito mais do que o genérico em questão.

Tratando-se de um disco tantas vezes remetido à gestação de drones e ambient, que englobam diversos elementos num marasmo incógnito, é fácil reconhecer nele os aspectos mais evocativos, tantas vezes indissociáveis de ambas as linguagens. Enquanto gestores de memórias marfinosas, roubadas a uma época em que a televisão ainda era um território dominável, os Gutta Percha procuram, com toda a validade, reproduzir o calor analógico das décadas de 70 e 80 num álbum tão intrinsecamente pessoal como é Tube Overtures - ainda mais secreto por ser limitado a 200 cópias. É de referir também que os irmãos dispõem de excelentes soluções para isso: nomeadamente um discreto trompete de bolso e a estática da televisão (“chuva”) – esses que entram e saem da composição à medida que o fantasma grava a sua respiração numa fita de atendedor de chamadas (opção certa também para ampliar o efeito de erosão).

Que fantasma é este então que assombra tantas destas linhas? No caso particular de Tube Overtures, será o misto de amuo e expectativas a que estava destinado alguém ansioso por ver o próximo episódio da série favorita, nesse estranho passado em que era necessário esperar pela cultura em vez de clicar num botão para obtê-la imediatamente (em streaming ou DVD). Tube Overtures vive retido nesse sentimento de vigília romântica que implica a passagem de muitas horas para chegar ao momento que importa. É por isso que estas músicas superam muito facilmente a marca dos cinco e dos dez minutos (uma chega aos quinze). Havia tempo para dar ao tempo. Depois de nos anestesiarem com tamanha quantidade de calma, os Gutta Perch dilatam as suas composições até que o aborrecimento seja constatável e passemos a saber um pouco mais sobre como funcionavam as séries televisivas.

Ou seja, a repetição escutada em Tube Overtures é quase equivalente ao loop emocional reciclado em dezenas de episódios d’O Barco do Amor, colosso televisivo em que as situações eram quase sempre iguais apesar do elenco de convidados ser rotativo (tal como os instrumentos no próprio disco). Até uma série tão admirável como Twin Peaks, que acagaçou uma geração inteira, chegou a um ponto tardio em que esticava a corda dos romances e dramas comuns, depois de ter criado uma atmosfera quase única em televisão. Tube Overtures dispõe da fartazana de 74 minutos para banalizar o que tem de mais singular, e isso é mágico. Pensar que obriga a repensar a maneira como se viviam as séries de televisão faz com que seja, desde logo, um disco vitorioso nestas andanças do “vai lá atrás porque para a frente já não dá mais”.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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