DISCOS
The Mountain Goats
Heretic Pride
· 04 Abr 2008 · 08:00 ·
The Mountain Goats
Heretic Pride
2008
4AD / Popstock!
Sítios oficiais:
- The Mountain Goats
- 4AD
- Popstock!
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O boletim meteorológico revela a continuidade da excelente forma mantida por um John Darnielle que se reinventa e se desdobra sem nunca a abandonar o mesmo lugar a meio caminho de casa.
A partir de Heretic Pride, faz mais sentido falar numa espécie de meteorologia Mountain Goats que pode ser tentativamente adivinhada, sujeita a uma observação em tempo real (em concertos) ou a um estudo permanente que registe as suas alterações. Assim acontece porque a carregada e ameaçadora nuvem cinzenta que serve de rosto a Heretic Pride é símbolo evidente de que John Darnielle traz consigo forte pluviosidade de histórias e pequenos episódios consagrados pela luxúria da música que os anuncia. Repare-se em como os curtos intervalos entre novos discos a cargo dos Mountain Goats ajudam a que esses sejam recebidos como um periódico meteorológico. Assim foi ontem, como será hoje e depois amanhã – John Darnielle poderia facilmente escrever uma canção por cada dia e raramente falhar nessa tarefa. Quaisquer esclarecimentos de dúvidas devem ser remetidos a uma vistoria da prolificidade incrível mantida durante o período lo-fi que dominou grande parte da década de 90. É lá que reside toda a formação do caule que hoje rende discos tão magnificamente maduros como Heretic Pride.
Mesmo assim, podia-se até julgar que anunciar como tempestade medonha a chegada do profeta de voz vincadamente nasal (ele que cita termos religiosos, Jerusalém, Israel), levaria a que as pessoas se apressassem a fechar janelas e portadas. Não é isso que acontece, porque toda a fuga é inviabilizada quando alguém cede o mínimo benefício da dúvida à infiltração dos Mountain Goats e das pequenas charadas narrativas que injectam subtilmente. E eis que – com o peso inevitável do que flutua na atmosfera - volta a ser um gozo absoluto ser-se baptizado pela chuva que manda vir John Darnielle, mesmo que os mais habituados possam reconhecer alguns dos sabores e aromas ao liquido sobre o rosto.
John Darnielle tem até o bom-senso de não persistir no registo mais biográfico (e terapêutico) dos últimos We Shall All Be Healed, The Sunset Tree e Get Lonely, tal era a saturação que poderia implicar um quarto disco encaminhado na perseguição dessas pegadas mais pessoais. Concluída essa trilogia, a figura erudita que criou detalhadamente todo o universo Tallahassee (disco e conceito) decide-se, desta vez, por um disco que é dilúvio de conteúdos implícitos, depósito de trivialidades transformadas em adventos, elegias de rigor questionável, incidentes amplificados pelo poder dilatante da imaginação, isco para curiosos que muito facilmente podem ficar presos num emaranhado de referências que vão de monstros marinhos chineses ao terror de faca em punho, Michael Myers (o pior medo de Jamie Lee Curtis em Halloween).
Declara-se, logo na primeira faixa “Sam Rohmer #1” e através de um refrão que irradia entusiasmo, o mais glorioso e cinemático dos regressos a casa, para, de seguida, se adiar uma vez mais o cumprimento dessa viagem – eterna meta dos Mountain Goats - com um rol imenso de distracções, obsessões, infâmias e outros exotismos a que John Darnielle simplesmente não resiste, tal é a sua (suposta) fragilidade. Ele que devolve aos céus o que foi acumulando de pés assentes em vários pontos do globo, confiando acertadamente que existe ainda quem salive pela oportunidade de juntar as peças a este puzzle atípico, que, quando encaixado, forma o verso da cartilha do escritor de canções comum.
Realmente impressionante é reparar em como Heretic Pride encontra soluções musicais à altura da dimensão dos seus motivos: invoca colossais arranjos sinfónicos como forma de sublinhar a gravidade das incertezas e receios que o minam, reclama a sempre fiável liberdade rock na altura de simplificar personagens complexos (“Lovecraft in Brooklyn”), seduz o reggae por duas vezes (“New Zion” e “Sept 15 1983”) sem que isso pareça minimamente exibicionista. Tudo isto adianta John Darnielle como songwriter claramente indisposto a alinhar na rat race da inovação, sem que isso impeça as suas canções de soarem como se tivessem partido de um processador Intel criado com meios tradicionais e a sua obra de ser merecedora daquele que será muito provavelmente um dos melhores press-releases de sempre (a verificar aqui). No fim, uma certeza prevalece acima de todas as outras: faça sol ou faça chuva, os Mountain Goats revelam-se cada vez mais capazes de criar discos que são cura certa para todas as indiferenças.
Miguel ArsénioMesmo assim, podia-se até julgar que anunciar como tempestade medonha a chegada do profeta de voz vincadamente nasal (ele que cita termos religiosos, Jerusalém, Israel), levaria a que as pessoas se apressassem a fechar janelas e portadas. Não é isso que acontece, porque toda a fuga é inviabilizada quando alguém cede o mínimo benefício da dúvida à infiltração dos Mountain Goats e das pequenas charadas narrativas que injectam subtilmente. E eis que – com o peso inevitável do que flutua na atmosfera - volta a ser um gozo absoluto ser-se baptizado pela chuva que manda vir John Darnielle, mesmo que os mais habituados possam reconhecer alguns dos sabores e aromas ao liquido sobre o rosto.
John Darnielle tem até o bom-senso de não persistir no registo mais biográfico (e terapêutico) dos últimos We Shall All Be Healed, The Sunset Tree e Get Lonely, tal era a saturação que poderia implicar um quarto disco encaminhado na perseguição dessas pegadas mais pessoais. Concluída essa trilogia, a figura erudita que criou detalhadamente todo o universo Tallahassee (disco e conceito) decide-se, desta vez, por um disco que é dilúvio de conteúdos implícitos, depósito de trivialidades transformadas em adventos, elegias de rigor questionável, incidentes amplificados pelo poder dilatante da imaginação, isco para curiosos que muito facilmente podem ficar presos num emaranhado de referências que vão de monstros marinhos chineses ao terror de faca em punho, Michael Myers (o pior medo de Jamie Lee Curtis em Halloween).
Declara-se, logo na primeira faixa “Sam Rohmer #1” e através de um refrão que irradia entusiasmo, o mais glorioso e cinemático dos regressos a casa, para, de seguida, se adiar uma vez mais o cumprimento dessa viagem – eterna meta dos Mountain Goats - com um rol imenso de distracções, obsessões, infâmias e outros exotismos a que John Darnielle simplesmente não resiste, tal é a sua (suposta) fragilidade. Ele que devolve aos céus o que foi acumulando de pés assentes em vários pontos do globo, confiando acertadamente que existe ainda quem salive pela oportunidade de juntar as peças a este puzzle atípico, que, quando encaixado, forma o verso da cartilha do escritor de canções comum.
Realmente impressionante é reparar em como Heretic Pride encontra soluções musicais à altura da dimensão dos seus motivos: invoca colossais arranjos sinfónicos como forma de sublinhar a gravidade das incertezas e receios que o minam, reclama a sempre fiável liberdade rock na altura de simplificar personagens complexos (“Lovecraft in Brooklyn”), seduz o reggae por duas vezes (“New Zion” e “Sept 15 1983”) sem que isso pareça minimamente exibicionista. Tudo isto adianta John Darnielle como songwriter claramente indisposto a alinhar na rat race da inovação, sem que isso impeça as suas canções de soarem como se tivessem partido de um processador Intel criado com meios tradicionais e a sua obra de ser merecedora daquele que será muito provavelmente um dos melhores press-releases de sempre (a verificar aqui). No fim, uma certeza prevalece acima de todas as outras: faça sol ou faça chuva, os Mountain Goats revelam-se cada vez mais capazes de criar discos que são cura certa para todas as indiferenças.
migarsenio@yahoo.com
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