Mazgani / Dead Combo - Sintra Misty
Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra
15 Out 2011
Mazgani opta por um registo intimista, enquadrado no espírito do festival. Surge em palco acompanhado apenas pela sua voz e por duas guitarras: a sua e a de Sérgio Mendes. Alterna o registo acústico com electricidade e composições mais antigas com temas inéditos, alguns em «estreia mundial», como a música (ainda) sem nome que (por enquanto) se chama “A Nova”. Esta e outras canções vão arrancando aplausos da plateia, embora não empolguem por aí além. Apesar de algum hype que o luso-iraniano recebe(u), a sua música não se distingue por nenhum factor específico: tem alguma poesia e a sua voz uma certa força (embora por vezes soe estridente-barra-no-limite), mas parece ficar sempre a meio caminho do ambicionado. Não se pode dizer que seja mau, mas também não faz sentir nada de especial, o que nunca é bom sinal.

Mazgani © Mauro Mota

Ainda assim, há momentos que se destacam, como “Broken Tree” ou uma intervenção bem metida no dia da Manifestação dos Indignados. Após prometer que o concerto seria Sempre a subir, reforça, entre músicas, «Como o IVA». Durante “Rebel Sword”, empolgado pela intensidade do duelo de cordas bluesy, levanta-se pela primeira vez da cadeira e arrisca uma dança, com os sapatos pretos e brancos a deslizarem sobre o soalho, e chega-se à boca de cena para rodopiar sobre si mesmo em sinal de agradecimento. Já “Winter Is Over” é recebida como um paradoxo, ouvida em meados do mês de Outubro mais quente das últimas décadas, num concerto que nunca chegou a atingir temperaturas muito altas.

Mazgani © Mauro Mota

O característico som de um amolador anuncia a chegada dos Dead Combo. E logo que a Mulata entra em palco começa a acelerar nas cordas das guitarras, percorrendo as ruas de Lisboa de forma gingona – só é pena as cadeiras do Olga Cadaval não serem muito propícias à dança… “Cachupa Man” também tem um travo mestiço, e volta a demonstrar como Pedro Gonçalves e Tó Trips articulam na perfeição som e imagem. O jeito imperturbável do gangster e o carácter mais soturno do cangalheiro, subvertendo géneros musicais e criando narrativas sem legendas, numa tridimensionalidade cinemática que dispensa a utilização de óculos especiais. Após “Anadamastor”, com direito a dedicatória especial, resgatam “Rumbero” ao primeiro álbum, num concerto dominado por composições do recente Lisboa Mulata – a “Aurora em Lisboa” chega-nos desde um hotel com néon invertido; “Esse Olhar Que Era Só Teu” faz-nos fechar os olhos para melhor apreciar esta belíssima aproximação ao fado; e “Blues da Tanga” solta um lamento furioso –, mas que permite incursões ao passado (de “Putos a Roubar Maçãs” ou “Sopa de Cavalo Cansado”, que mostra dois puros-sangue bem enérgicos nos ritmos produzidos) e a versão para “Temptation”, de Tom Waits, que puxa pelo fôlego de Pedro Gonçalves.

Dead Combo © Mauro Mota

São concertos deste que nos transportam da austeridade quotidiana para uma dimensão mais rica da vida, onde as subidas do IVA não entram. Como quando Pedro Gonçalves arranca harmonias do contrabaixo e Tó Trips rasga as cordas da guitarra, como se exorcizasse os males contemporâneos à pancada. O tempo regulamentar termina com a sublime “Marchinha do Santo António Descambado”, em que os dois músicos se retiram de cena com a música em loop e o espírito de Marc Ribot em palco. Num concerto sem pontos baixos e com muitos momentos bem altos, há lugar para encore. Enquanto “Mr Eastwood” retoma o gosto pelo western spaguetti, os picos aguçados de “Cacto” (a primeira música composta pelo duo) espicaçam-nos para ouver outra vez este combo vivaço.

Dead Combo © Mauro Mota
· 16 Out 2011 · 17:10 ·
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
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