Marc Ribot
Cinema São Jorge, Lisboa
12 Abr 2011
O norte-americano veio acompanhado somente pela guitarra, na sequência do seu mais recente projecto a solo, Silent Movies, um «álbum de música cinematográfica: algumas peças foram originalmente compostas para bandas-sonoras, outras para filmes que recusei, mas para os quais acabei por compor na mesma, outras ainda para projectos que nunca existiram fora da minha cabeça. Todas foram transcritas/re-imaginadas como peças para guitarra», como se pode ler na caixa do cd. Bem a propósito, o espectáculo começa com uma variação sobre “As Time Goes By”, desconstruída de tal forma que o tema celebrizado em Casablanca («Play it again, Sam!») por vezes se torna irreconhecível. A meio da música, Ribot informa «No flash! YOU!», apontando na direcção dum fotógrafo que, por acaso, até estava a tirar fotos cumprindo à risca as regras impostas pelo músico – 1 música, sem flash nem barulho de clicks…

Mauro Mota © Marc Ribot

Ribot domina a guitarra como poucos (a sua carreira – tanto nas bandas por que passou como nas diversas colaborações que tem feito ao longo dos anos ou nas performances a solo – fala por si), mas não segue o caminho do show off estéril. Antes cobre as composições de alma e musicalidade, o que é fundamental para sustentar quase duas horas de concerto instrumental a solo. A actuação é feita de grande entrega – o músico e a guitarra chegam a estar colados como dois amantes –, embora estejamos num concerto de e para gente sentada, muita dela dispersa pelo chão do auditório, no espaço disponível entre o palco e as cadeiras. Há até quem se esparrame no chão, como se estivesse num jardim, descansando o olhar no firmamento – a melhor tela de drive-in inventada até aos nossos dias.

As músicas sugerem ambientes e situações, tenham elas uma toada blues – num “Blow Job” lânguido antes do clímax final –, remetam para um certo imaginário western (Ribot não ficaria nada mal alinhado com os lusitanian playboys Dead Combo) ou rocem o espírito do flamenco, com um dedilhar rápido e furioso. Antes de “Bateau” dá-se uma longa ovação que faz com que o rosto de Marc Ribot se abra num sorriso, e embarcamos numa viagem sem destino aparente que não seja o de navegar ao sabor dos elementos, entre correntes, ventos e marés. Há, também (ou não fosse este um fiel depositário da herança de Albert Ayler), uma boa dose de improviso, à maneira do jazz mais free, como em “Sun Ship”, de John Coltrane.

Nos dois encores faz-se acompanhar duma guitarra eléctrica, começando por tocar uma peça (“Some Of The Harmony Of Maine”) originalmente escrita por John Cage para órgão de igreja. Aqui o som enche a sala de experimentalismo, com drone, distorção e feedback no caldeirão, alternando períodos mais plácidos com fases intensas. A guitarra de Marc Ribot é assim, faz com que um mar sereno de repente se torne alteroso. Felizmente para nós, bravio ou calmo, o mar é sempre encantador.
· 13 Abr 2011 · 19:51 ·
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
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