ENTREVISTAS
Will Samson
O equilíbrio segundo Samson
· 15 Nov 2018 · 09:23 ·
Já tentou viver por cá mas a experiência nascida de um sonho não lhe correu bem. Um sonho adiado sine die que, apesar dos percalços, lhe soltou uma inspiração que em torrente desenfreada desaguou no álbum Ground Luminosity. É a este Portugal das aventuras e desventuras que regressa esta semana o britânico Will Samson para desembainhar toda a sua força criativa no Auditório de Espinho (dia 16) e no Cinema São Jorge em Lisboa (dia 18), dois concertos inseridos na programação do Misty Fest 2018.

Seis anos de uma carreira que se iniciou sob os auspícios de, um então desconhecido, Nils Frahm que lhe masterizou Balance. Um “equilíbrio” premonitório de um percurso que se viria a mover entre a electrónica e o analógico de que são exemplos o “desconhecido” Animal Hands ou a flutuante A Baleia. E foi sem flutuações, ou outras engenhosas maquinações do espirito, que encontramos um Will Samson prestes a fechar a mala de viagem rumo a um Futuro próximo que lhe reserva Portugal e um novo álbum...
Em breve estarás novamente por Portugal, desta feita para tocares no Misty Fest. O que é que podemos esperar destes concertos?

Estou entusiasmadíssimo por tocar em Portugal, era algo por que ansiava há já alguns anos. Nos concertos em Portugal vou tocar a solo uma vez que a minha violinista é uma das pessoas mais atarefadas que conheço e, nem sempre, me pode acompanhar nas tournées. Os concertos consistirão, sobretudo, em versões mais intimistas de canções extraídas a Ground Luminosity, Light Shadows e Welcome Oxygen. Estarei em palco com tudo aquilo que condigo fisicamente carregar, isto inclui a guitarra, sintetizadores, samplers, muitos efeitos e uma tape delay britânica de 1970.

Tens uma relação bastante próxima com Portugal. Tens “Medo” no último LP Welcome Oxygen e depois A Baleia com temas como “Faroleiro” ou “Vozes Encontradas”. Como é que nasce esta ligação a Portugal? Carl Jung e os seus tratados sobre o inconsciente conseguem explicar isto? Entre estas experiências musicais “portuguesas” também nos constou que tentaste arranjar trabalho por Lisboa há cerca de dois/três anos, estamos correctos? O que é que te levou/motivou a isso?

Tenho alguma ascendência indiana/ibérica, logo acabo por ter uma ligação literal com Portugal, isto apesar de ninguém na minha família saber falar português. Por vezes isto é bastante confuso para as pessoas. Elas assumem imediatamente que sou português ou espanhol mas eu só sei falar inglês! Em Janeiro de 2015 passei três ou quatro semanas no Porto a terminar o álbum Ground Luminosity, naquela que foi a minha primeira aproximação a Portugal. Já estava a trabalhar nesse disco há dois anos e sentia que precisava de mudar de lugar para encontrar alguma inspiração. Felizmente resultou e acabei o álbum aí. Desde meados de 2012 que tinha o sonho-lúcido de um dia vir a morar em Lisboa. Não sei como nem o porquê daquele sonho, nem eu nem ninguém que conhecia a tinham alguma vez visitado. Em 2016 decidi, finalmente, concretizar este sonho. Provavelmente não ficarás surpreendido se te disser que as rendas que encontrei em Lisboa eram mais altas do que aquilo que eu esperava e esse foi o primeiro problema. Na verdade, toda a experiência de tentar mudar-me para Lisboa foi um bocadinho desastrosa mas ainda bem que hoje consigo olhar para trás e rir-me um bocado daquilo por que passei. Portugal continua a ser para mim um lugar belo e especial mas parece-me que não foi a altura certa para aí viver. Continuo a visitá-lo e há ainda muito do país que não conheço, tenho que regressar mais vezes.



Apesar de próximos no tempo, os trabalhos Welcome Oxygen e A Baleia são bastante diferentes entre si. Se no primeiro existe uma espécie de melancolia optimista, no segundo o ambiente é mais contemplativo e abstracto. Como é que nasce cada uma destas obras em ti? Pelo que sabemos, A Baleia surgiu-te depois de uma experiência num tanque de flutuação… O que é que Will Samson estava a fazer num tanque de flutuação?

A criação de Welcome Oxygen foi algo tão estranho e, simultaneamente, tão mágico que considero impossível conseguir alguma vez recriá-lo. Vivi um período bastante intenso enquanto vivia em Lisboa que incluiu um internamento no hospital e uma separação. De súbito, quando se tornou claro que teria que partir, escrevi este álbum todo (com excepção de um tema) no espaço de oito dias. As ideias confluíam de uma forma extraordinária e, ainda hoje, fico perplexo como é que fui capaz de criar um álbum num tão curto espaço de tempo. Por isso, o próximo álbum nunca poderia ser igual. No Verão de 2017 passei algum tempo num tanque de flutuação. Flutuas em água quente na total escuridão durante uma hora. É uma experiencia profundamente meditativa. A ideia é não fazeres absolutamente nada, apenas ficares completamente quieto e permitires que o teu corpo e mente se curem a eles próprios. A Baleia é inspirada em toda essa experiência.



Dizes-te apaixonado pelo “grão” das velhas gravações em fita magnética, algo que acabas por mesclar com uma folk mais delicada. O que é que te apaixona nessas peças “vintage” e que mais-valia traz ao teu trabalho? Podemos afirmar que és um músico que estabelece a paz entre o electrónico e o analógico através de um tratado orgânico?

Comecei por gravar músicas com uma máquina de fita de quatro faixas, por isso, trabalhar com fita é algo natural. As fitas antigas podem ter personalidades muito diferentes entre si, o que acaba por alterar o som de uma forma profunda. Olho para elas mais como um instrumento musical do que como um dispositivo de gravação. Por exemplo, é “doloroso” carregar com a minha máquina de delay durante uma tournée mas, a originalidade do seu som que mais a parece ser um membro da banda, torna-a indispensável. É verdade, sou fascinado por esse balanço entre o electrónico e o analógico. Por exemplo, gosto de alguma música electrónica mas só quando ela soa quente e orgânica como, por exemplo, Howl dos River Consoles.

Nils Frahm masterizou o teu primeiro trabalho (Balance), Ryuichi Sakamoto participa no EP Lua, abriste concertos e fizeste digressões com/para nomes como Ólafur Arnolds, The Album Leaf, Timber Timbre ou Kurt Vile. Como é que nasceram estas relações?

Alguns dos concertos de apoio surgiram, unicamente, porque partilhava o mesmo agente com o outro artista. Há, porém, casos como os casos das tournées de S. Carey e The Album Leaf que surgiram porque eles gostaram da minha música e queriam levar-me com eles! Entrar em tour com estas duas bandas foi a concretização de um sonho dado que, desde sempre, foram grandes influências na minha música. Também existiram outras pessoas extremamente calorosas e amigáveis de quem continuo amigo como o Jimmy LaValle, alguém com quem espero vir a fazer música um dia. Para já, estamos muito ocupados com os nossos respectivos projectos, por isso ainda vai levar algum tempo… Trabalhei como estagiário na Erase Tapes Records em Berlim e foi aí que conheci o Nils Frahm. Ele vivia na mesma cidade e compreendia o som analógico, por isso foi uma escolha simples pedir-lhe que fizesse a masterização de Balance. Isto foi em 2012 e ele ainda não era a superestrela do piano que é agora!



Para além destes nomes, há um encontro que se reveste de importância primordial nos teus últimos trabalhos. Falamos da violinista belga Beatrijs De Klerck. Sentias que faltava violino à tua música? O que é que ele trouxe à tua música?

A Beatrijs é uma das mais talentosas artistas com que já tive o prazer de tocar, sinto-me um afortunado por tê-la conhecido. Apesar de ter um treino clássico, ela compreende totalmente a música que faço. É algo raro. A primeira vez que trabalhamos juntos foi quase como se conseguíssemos ler a mente um do outro. Começava a explicar-lhe uma ideia e, antes que tivesse acabado a frase, ela começava a tocar exactamente aquilo que eu tinha em mente. Mas, acima de tudo, ela tem a capacidade de me surpreender com uma melodia inesperada que acaba por dar uma nova vida às minhas composições/canções, especialmente quando estamos em gravações. O seu violino tornou-se uma parte importantíssima da minha música e, ainda que faça muitos concertos a solo, está a tornar-se cada vez mais difícil fazer uma digressão sem ela. A forma como toca interage com a minha voz de um tal modo que, não raras vezes, sinto que estou a cantar com outra pessoa e não com um violino. Ela é uma pessoa muito especial!

Quase simultaneamente dá-se um outro encontro, desta feita sob a forma de Animal Hands com o produtor alemão Heimar. A simbiose orgânica entre electrónica e analógico tem aqui uma síntese perfeita? Este álbum é o exemplo acabado do que procuras construir musicalmente? Enquanto te pergunto isto vêm-me á cabeça o tema Stir… Para quando um Animal Hands part II?

Fico feliz por saber que gostaste do álbum. A indústria da música é algo de muito misterioso. Apesar de muitas pessoas me dizerem que gostaram do álbum, a verdade é que, de algum modo, Animal Hands passou ao lado dos radares. Por isso, e apesar de estar muito orgulhoso com a música que criamos, considero a experiência deste álbum um pouco confusa e desapontante. O Florian (Heimar) continua a ser um amigo muito próximo, estou certo que voltaremos a fazer música juntos… pode é ser uma espera um pouco longa… (risos)

Em apenas sete anos de edições, já lançaste uma quantidade espantosa de material. Encontraste a inesgotável fonte da inspiração? Já tens algo novo em mente?

Estou a terminar um álbum em que tenho trabalhado nos últimos catorze meses. Foi uma longa jornada, muito divertida, mas é bom sentir que estou finalmente a terminá-la. O álbum deve estrear no próximo ano mas já estou ansioso por partilhá-lo. Estou perto de completar 30 anos e, com este álbum, sinto que criei algo muito mais coeso do que aquilo que alguma vez tenha feito. Acredito que este disco é a mais fiel representação daquilo que é o meu trabalho até agora. Tenho outros projectos colaborativos em que quero trabalhar mas, por agora, vou apenas descansar!
Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com

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