ENTREVISTAS
The Glockenwise
Sanguessugas
· 31 Mai 2013 · 14:39 ·
© Nuno Miranda
Eis então o - quão fácil é escrever um cliché! - difícil segundo disco. Leeches é mais pop, mas não menos Glockenwise; o quarteto de Barcelos, alheio a quaisquer rótulos que jornalistas de créditos firmados e idiotas com demasiado tempo na Internet possam dizer, seguem o seu próprio trilho. A máxima de Aleister Crowley nunca foi aqui tão verdade: do what thou wilt shall be the whole of the law. Em Leeches cabe de tudo, ou talvez tudo seja nada - apenas som, apenas canções, apenas a vontade de fugir ao vazio das etiquetas. Antes de actuarem no último dia do Optimus Primavera Sound, encontrámos Nuno Rodrigues e Rafael Ferreira no Café Au Lait para dois dedos de conversa (sim, não se pense que isto é uma entrevista), a qual passamos a transcrever; goste-se ou deteste-te os Glockenwise, não havendo, ao que parece, meio termo, percamos alguns minutos a ler o que têm para nos dizer. Pode não parecer, mas são verdadeiras lições de vida.
Vocês tocam no Sábado. Para uma banda que começou a tocar para dez, quinze pessoas, que tal é tocar agora num festival como o Primavera?

Nuno Rodrigues: Vai ser tocar para dez/quinze pessoas na mesma, mas vai ser brutal...

Não achas que já tens uma legião de fãs atrás de vocês?

NR: Não, claro que não.

Não estás à espera que vá alguém atirar cuequinhas para cima do palco?

NR: Também não preciso... pá, se me atirassem notas de 500€ era do caralho, as cuequinhas que se fodam, não me dão jeito nenhum.

E já pediram ao Damian dos Fucked Up para ir tocar a "Scumbag" convosco?

NR: Isso é tentador...

Rafael Ferreira: O palco onde eles tocam é muito longe...

NR: É, só se ele for a rebolar...

Fala-me do Leeches. Gravado nos Estúdios Sá da Bandeira. Foi uma escolha propositada considerando que tudo é melhor no Porto?

NR: [Risos] Fazemos a versão politicamente correcta, ou?... Inicialmente, nós nem sequer estávamos a pensar ir lá, andámos a ver vários sítios; acabou por ser um misto da flexibilidade que permitia, por ser no centro do Porto, por ser um amigo - o João Brandão no fundo é um amigo, portanto há muitas facilidades em trabalhar com ele -... acabou por ser um misto dessas consequências todas.

RF: Fomos lá gravar a "Time To Go" e só depois é que decidimos lá gravar o resto do disco. Acabou por ser natural, havia já montes de gente antes de nós que foram lá gravar, os ALTO! já lá tinham gravado... e é um sítio que fica em conta porque é no Porto. [Há] um monte de razões para termos lá parado.

O som mais pop do Leeches não é uma traição ao Rock Sem Merdas?

NR: Não! Primeiro: não fomos nós que inventámos o Rock Sem Merdas, não sabemos quem foi, no próximo disco vamos lançar uma busca mundial pelo inventor do Rock Sem Merdas... nós nunca dissémos que isto era Rock Sem Merdas, ficámos lisonjeados com o título e identificámos-nos, mas nunca o dissémos...

Aquele último momento Elton John não é nada rock sequer...

NR: Bah! Porque é que não é? Eu até acho que é bastante rock... É o momento mais rock do disco, é o momento em que uma banda que toda a gente acha que é uma banda de duas guitarras, um baixo e uma bateria a tocar a cena mais simples do mundo tem um gajo a tocar piano e acaba por estar sozinho - se isso não é arriscar, então diz-me tu o que é que é!...

Porque demoraram dois anos a escrever um disco de vinte minutos?

NR: Porque somos uns preguiçosos do caralho.

Mas vocês diziam que o tédio era um motor, por isso calculo que não tenham andado entediados nestes dois anos.

RF: Não, nem por isso. Andámos a fazer bué merdas... ele foi para a Holanda, por exemplo...

NR: Basicamente houve várias coisas a sucederem-se que fez com que [o disco] se atrasasse. Ficámos sem sala de ensaios em Barcelos e tivemos de procurar uma nova, eu tive na Holanda a viver meio ano...

RF: E entre 2011 e até ele ter ido para a Holanda tivemos sempre a tocar. O Building Waves, na altura, abriu-nos imensas portas e houve uma possibilidade de passar mais tempo a tocar do que a ensaiar.

NR: E para nós é sempre complicado ensaiar, porque temos de ir todos a Barcelos ao mesmo tempo; se vamos tocar já não dá para ir a Barcelos, se vamos a Barcelos é para ir tocar ou é para ir ensaiar, então como decidimos passar 90% do tempo a tocar e só 10% a ensaiar acabámos por ensaiar só para os concertos que tínhamos para dar.

E surgiu alguma canção do Leeches nesses ensaios?

RF: Sim, a "Time To Go", mas já foi muito depois.

NR: Já o Building Waves tinha rodado por todos os lados e estávamos naquela fase do "ok, se calhar é melhor começarmos a fazer umas músicas novas". Mas nunca foi uma preocupação... nós achámos engraçado a cena do "prepara o caminho para o segundo disco" e não sei quê, não sei que mais... desde quando é que isto é carreira?

Mas o Rafa disse que o sonho dele era tocar guitarra e ganhar dinheiro...

RF: Aí fui vítima de uma entrevista completamente fora do contexto... o que ele me perguntou foi: "e se pudesses viver da música, eventualmente?", e eu obviamente disse-lhe que isso era altamente...

E como esperas ganhar dinheiro quando o Nuno me deu o disco de borla?

RF: [Risos] Mas tu ganhas dinheiro é com os concertos... não há ninguém que faça dinheiro com os discos.

NR: As bandas do nosso calibre, [pelo menos]... Vêm cá os Bon Jovi, os gajos venderam cem milhões de discos no mundo todo... é claro que se eu vendesse cem milhões de discos no mundo todo não dava era concertos, 'tava-me a cagar para os concertos, só dão trabalho!

Isso quer apenas dizer que em vez de imitares o Elton John devias imitar os Bon Jovi.

NR: Mas olha que o Elton John também deve ter vendido uns bons milhões... mas foi mais a fazer as músicas para a Princesa Diana.

Andar outra vez pela Europa, volta a ser uma possibilidade, com o novo disco? Ou só vão ficar por cá?

NR: Não é só uma possibilidade, é mais uma obrigação...

RF: Abancar aqui nem pensar.

NR: Não me importava de voltar à Eslovénia, Hungria...

Como é que surgiu essa tour?

NR: Com Braga enquanto capital europeia da juventude. Apareceu uma plataforma que era o Link +351, que dava uma ajuda a bandas do distrito de Braga a fazer uma tour europeia. Basicamente davam a cada banda um pacote de países, por exemplo: três países em que era obrigatório passarmos. A nós calhou-nos a Itália, a Áustria e a Eslovénia e então juntou-se o útil ao agradável - já que estamos aqui perto da Europa de leste, em vez de virarmos para a Alemanha ficamos por aqui, e acabámos por fazer então a Hungria, a Eslováquia, a Croácia...

E ao Japão, vão tocar? Eu sei que a Lovers andou a fazer por lá uns negócios...

NR: O chefe máximo e o outro chefe foram lá fazer uma visita, mas andar de avião a mim não me diz nada... quando me marcarem lá um concerto pode ser.

© Nuno Miranda

Vocês foram bem recebidos, nesses países? Ou ficaram a olhar para vocês com estranheza por serem de Portugal e tocarem assim?

NR: Houve sítios em que as pessoas sabiam o que estávamos a fazer, que estão a par do que se passa - pelo menos no nosso contexto - e nesses sítios correu super bem, na Áustria, por exemplo, onde a casa estava sempre a meio gás mas os concertos correram bem, e estava lá um gajo ligado aos Staggers que dizia que nós éramos o futuro do garage rock na Europa...

RF: Mas em alguns sítios era bué esquisito - mas não no mau sentido, acabou por ser mais divertido do que ir tocar a um sítio onde toda a gente sabe o que é que estás a fazer...

NR: Na Hungria aquilo foi o caos no bom sentido, a casa estava a abarrotar e à terceira música o pessoal estava de tronco nu, a perder a cabeça... notavas que eles não sabiam o que é que se estava a passar.

Mas não vão ser tipo Moonspell em que são super lá fora e cá dentro se estão a cagar para vocês...

RF: Não me importava nada, sinceramente... de qualquer das maneiras nós cá nunca fomos uma banda super, e continuamos a não ser... se calhar somos uma banda que faz mais confusão às pessoas, às vezes tocamos para 15/20, noutras 100/200... e acho que não há mais ninguém cá a fazer aquilo que nós fazemos ou qualquer coisa do género, sequer - para mim os mais parecidos são o pessoal da Cafetra e no entanto o tipo de som não tem nada a ver.

NR: Toda a gente fica super surpreendida. "Como é que estes gajos conseguiram ser falados a tocar esta música simples, esta música de merda"... a verdade é que não há nenhuma banda de garage rock boa em Portugal-

E os Act-Ups?

NR: ...é isso que eu ia dizer! Ouves os Act-Ups, que podiam ter sido os Black Lips portugueses...

Isso são vocês...

NR: Não, claro que não somos... nós somos os Glockenwise! Os Act-Ups, eu acho, são muito mais parecidos com os Black Lips do que nós. Mas onde eu queria chegar era: tirando essa malta do Barreiro, que era uma cena engraçada mas que nunca conseguiu realmente explodir, e onde o único que continua e faz cenas do caraças é o Nick Nicotine, não há assim nenhuma banda de garage rock a par das cenas que se estão a passar agora em São Francisco e o caralho sem ser nós. Eu percebo que, para quem não gosta do género, faça confusão como é que nós estamos a conseguir e para quem gosta é do tipo "foda-se, ainda bem que estes gajos existem!", portanto nós sentimos um bocado essa cena de haver aqueles que não compreendem totalmente, os que compreendem e não gostam e os que compreendem e gostam.

RF: É uma cena de amor-ódio... há uma coisa bué particular em nós que é o de aquelas pessoas que não gostam, odeiam... ainda há pouco tempo veio um gajo ao Facebook dizer "o que é que é isto"... conheço montes de gente que não gostam de bandas mas nunca os vi a ir dizer nada.

NR: Pá, é natural que o pessoal que ouve bandas de merda, super progressivas e o caralho mas que acha estar a ouvir a melhor cena do mundo ou que ouve cenas desactualizadas tipo... "hey, man, 'tou a pensar formar uma banda de pós-rock" - meu, acorda, 2006 foi outro dia! Esse pessoal odeia-nos porque, lá está, não compreendem!

RF: Eu acho que nem é tanto por aí, Portugal continua a ser um sítio onde há aquele estigma, que não sei bem o que é...

Mas no entanto nunca houve tantas bandas boas como agora.

RF: Mas eu não estou a questionar isso. O que estou a dizer é que as bandas continuam a aparecer, e há muita coisa boa a aparecer, mas nota-se mais da parte de quem consome música - o pessoal tem necessidade de ouvir qualquer cena que soe fora do contexto, e eu não noto disponibilidade em ninguém para ouvir uma coisa assumidamente simples... um gajo vai a um concerto nosso e sai de lá a pensar "que é isto? Não há um riff, nem um solo?". Perguntam-me sempre se faço solos...

NR: É tipo "qual é a tua pedal board?". Eu não uso pedal board, meu!

Vocês são punks num mundo de heavy metal?

RF: Basicamente, acaba por ser um bocadinho isso...

NR: Eu não sei bem o que é que nós somos... somos um bocado ornitorrincos da nossa cena, nós vamos a Barroselas todos os anos, que é um festival de música pesada, e vamos para lá vestidos como eu vou no dia-a-dia, e no entanto vou lá há mais tempo do que putos de 15 anos com blusões de cabedal que se acham os maiores roqueiros deste mundo...

RF: Ao fim e ao cabo, é o que te queria explicar, é que acabamos por ser uma banda que não se enquadra em nenhuma tribo. O pessoal do hardcore não nos curte, o pessoal do punk não nos curte porque nós não somos punk, o pessoal do garage não nos curte porque nós não somos ortodoxos à anos 60... nós fugimos sempre às necessidades de cada grupo.

NR: E há uma merda que se nota cá; cá houve muito o boom das tribos urbanas. E, se no resto do mundo já há alguma miscigenação, cá não... cá os gajos do hardcore são todos iguais, os gajos do punk são todos iguais... [parece que] quanto mais homogéneos somos uns com os outros mais somos diferentes dos outros...

Portanto, não estão com paciência para incesto.

NR: Nada! Não queremos ter nada a ver com nenhuma tribo urbana. Chama-nos hipsters, chama o que tu quiseres...

RF: Repara que em todas as cenas que apareceram, sei lá... estamos a falar da do Barreiro, todas as bandas que apareceram no Barreiro eram de garage rock, punk... toda aquela onda de bandas que apareceu em Lisboa tinham qualquer coisa em comum, em Barcelos apareceu uma banda de garage, uma de stoner, uma de metal... as primeiras bandas que apareceram lá foram cenas super complexas, e a tendência natural das coisas é dez anos depois serem muito mais complexas, mas em 'Celos isto não aconteceu, não houve arrasto nenhum, as pessoas simplesmente dão-se bem...

NR: A cena de Barcelos é tão pura porque parte disto: nas cenas de todos os outros lados toda a gente vem de uma bolha cultural - vêm todos da Casa Ocupada, toda a gente ouvia as mesmas bandas, vestia as mesmas roupas, lia as mesmas revistas, etc.. Em Barcelos o que acontece é que [esta] é uma cidade completamente provinciana, não há acesso a nada e tudo aquilo que vais fazer não tem filtro cultural nenhum, por isso é que as coisas apareceram assim tão generalizadas. Apareceu uma banda de stoner porque alguém tinha em casa um CD de Kyuss, apareceu uma banda de garage rock porque "os Green Machine são engraçados mas se calhar podemos fazer isto mais distorcido"... nós não temos herança nenhuma em termos culturais das bandas dos anos noventa em Barcelos, os Kafka, os Astonishing Urbana Fall, não há ligação nenhuma... e, no entanto, nós conhecemos-los e damos-nos todos bem com esse pessoal, mas não há ligação musical nenhuma.

RF: Os La La La Ressonance ensaiavam na sala ao lado da nossa e nós no intervalo íamos fumar cigarros todos juntos... e eles curtem bué o que nós fazemos, nós curtimos o que eles fazem, e no entanto não tem nada a ver.

NR: Nunca viste em Barcelos aquela cena do "vou tocar a um festival grande, vou levar os meus amigos de todas as outras bandas de Barcelos"... isso é a cena mais ridícula do mundo! Lá está, não há essa bolha cultural, não há essa cena de cool... RF: Se reparares nunca houve essa cena em Barcelos de... sei lá, eu quando estou a dizer isto não quero dizer que veja algum tipo de problema nisso, ou maldade, seja o que for, mas por exemplo a malta da Coronado: tinham todos uma cena mais ou menos a ver, juntaram-se, mas tá-se tudo a cagar... não há sequer vontade da parte de ninguém de tentar levar a coisa mais além, do "vamos fazer isto para ver quem é que nós somos"... não há [ali] vontade de se exporem como se fosse uma cena, nenhuma. Acabaram por ser reconhecidos porque saíram boas bandas de lá, não foi um vídeo ou uma merda qualquer que fez daquilo fixe ou menos fixe, as coisas saíram. No fim disto tudo o que te queria dizer é que não há nenhuma sequência musical por trás das bandas, desde os anos noventa quando apareceram os Astonishing há agora os Killimanjaro, nós, os Black Bombaim... que não têm um colhão a ver [Risos].

NR: Tu vês agora aparecerem uma série de merdas em que há essa bolha e que é transversal às bandas e aos projectos, e em Barcelos não há isso: somos todos amigos mas não há filtros.

© Nuno Miranda

Contrastando com o Barreiro: Barcelos é o novo Barreiro?

NR: Não tem nada a ver...

Em matéria de ser considerada por bastante gente a capital do rock...

NR: Isso é uma parvoíce. É o pior rótulo do mundo.

RF: Primeiro: no Barreiro tens Lisboa ao lado. Em Barcelos tens Viana e Braga ao lado, e para isso mais vale ficar em Barcelos...

Mas em Braga tens a melhor banda portuguesa de sempre.

RF: Os Mão Morta... mas os Mão Morta estão sozinhos no mundo, ali.

NR: O Adolfo em Braga tem um restaurante de sushi, não tem um bar com concertos... não há feedback nenhum, eu nunca conheci os Mão Morta, nunca conheci o Adolfo, e eles moram a 15km de mim... por isso, lá está: há logo essa diferença geográfica. No Barreiro atravessas o rio e estás em Lisboa; em Barcelos viras-te para o lado e estás em Viana, ou Braga, ou talvez no Porto que mesmo assim não é Lisboa.

Tal como vocês diziam há dois anos, continuam sem ter espaços para tocar, ensaiar e etc.?

NR: Nada, nada.

Mas a cena de Barcelos, que tem tido tanto e tão bom feedback por parte da imprensa, tanta publicidade, ainda não levou ninguém a fazer lá algo?

RF: Não dá.

NR: Tens de perceber que isto parte tudo do princípio de que Barcelos é uma cidade bué pequena, e como qualquer cidade bué pequena tem tudo a ver com políticas autárquicas... e tu tens de ver que: sair cinco notícias no Ípsilon sobre bandas de Barcelos é só para as cinquenta pessoas que o lêem em Barcelos!

RF: E o que é o Ípsilon, em Barcelos? Em Barcelos não se lê o Público, lê-se o JN...

NR: É uma cidade super industrial: se não há income não se investe... mas o Barreiro tem um background que lhe permite uma coisa diferente, vem de uma cena de esquerda, há bué associativismo, espaços para tocar, em Barcelos nem pensar: desde o 25 de Abril que passou da mesma linhagem da família Reis, PSD... Fizeram rotundas! [Risos]

Como surgiu o patrocínio da Red Bull?

RF: O ano passado fizemos uma cena com eles, o Red Bull City Game. Os gajos curtiram-nos, acharam piada, disseram que gostavam de nos dar um patrocínio e quando decidimos gravar perguntaram-nos se ainda estávamos a fim...

NR: Basicamente eles chegaram-se à frente, deram-nos uma pequena ajuda económica que ajudou basicamente a lançar o disco, e pronto.

Vou fazer de advogado do diabo do punk e chutar a pergunta cliché: isso não é venderem-se?

NR: Mas nós nunca dissémos que somos do punk...

RF: Já alguma vez nos ouviste dizer que somos punk, que não nos vendemos, ou que não gostamos de fazer músicas pop? Dantes éramos o Rock Sem Merdas... os Glockenwise têm duas vertentes: a parte da execução e a da composição. O que tentámos enquanto compositores está muito para lá do que somos enquanto executantes, e isso acaba por ser a principal característica da nossa banda, o que nos leva a fazer música são as canções, não queremos fazer músicas rock...

NR: Voltamos à questão da bolha cultural: tudo o que se faz em Barcelos é totalmente apolítico e apartidário, e é ideológico precisamente porque não há cena, não há uma tribo urbana, não há nada... toda a gente faz música porque é mais fixe do que jogar à bola!

RF: Se reparares, toda a gente que faz parte de alguma tribo, por muito grande ou pequena que seja, está sempre dentro de uma bolha... e os dizem que são livres e o caralho, mas livre sou eu que vou a concertos de forró e de heavy metal! Eles passam a vida nos concertos deles, para eles... isso não é ser livre!

NR: Quanto a isso de nos vendermos... qualquer banda que queira gravar e não tenha dinheiro e se chegue alguém à frente e diz "nós ajudamos-vos a lançar o disco" ia dizer que não? Eu não assinei o contrato da minha vida, recebi uma pequena soma monetária para gravar o disco... de qualquer maneira eu gostava que as pessoas que duvidam que nós somos trve, que somos originais, que não fazemos isto pela música, eu convidava-os a passarem dois meses com os Glockenwise. A ensaiar com os Glockenwise, a ir a concertos com os Glockenwise... acho que iam passar por uma experiência engraçadíssima. Estivemos com o João Vieira, para o Primavera, e ele veio connosco ensaiar; é o João Vieira dos X-Wife, anda aí há muito tempo, já viu muita coisa, e quando entra na nossa sala de ensaios ficou a olhar e disse "vocês fizeram o disco aqui? Whoa..." Nós nem temos PA! Nós fizemos dois discos sem ouvir as vozes... não temos dinheiro nem para comprar cordas para guitarras, para os concertos já fomos bué de vezes de comboio, se essa merda não é ser independente e DIY não sei o que é que é... isso é que é ser DIY, não é teres uma merda que parece DIY, não é propagandeares que és DIY. Isso é uma treta! Seria muito mais fácil; ouvias Fugazi, ouvias Minor Threat, viste uma série de documentários sobre essa merda e agora queres ser igual a isso: não! Tu nunca viveste uma cena mesmo genuína como nós em Barcelos estamos a viver.

RF: A mim faz-me muita confusão alguém chegar à minha beira e dizer "sou X, Y"... és mesmo? Eu tenho sérias dificuldades com alguém que diz que é anarquista... "ai é, então vais ficar sem telemóvel, vamos ver a tua reacção!"...

NR: Toda a gente que é super segura de si mesmo em relação à sua identidade... isso é uma parvoíce, é uma perda de tempo do caraças...

Portanto, o vosso cartão de identidade acaba por ser não o ter.

NR: Exactamente! Nem sequer estamos preocupados com isso. Não estamos preocupados em pertencer a nenhum grupo. Fazemos aquilo que nos apetece. E sentimos-nos bué de livres a fazê-lo. Por isso é que não temos problemas nenhuns em fechar o disco com uma música ao piano; não vamos ficar a pensar que o "pessoal da nossa cena" se calhar não vai achar piada a isto... nós não pertencemos a ninguém e ninguém nos pertence a nós.

O vídeo da "Leeches": foi gravado no estádio para festejar a manutenção do Gil?

NR: [Risos] Não...

RF: Tínhamos que gravar o vídeo bué em cima da hora, e então alguém alinhou na cena connosco, tínhamos uma tarde para filmar aquilo e alguém sugeriu o estádio. Acabou por resultar bem.

Não estão à espera que, na próxima época, haja algo tipo Superbowl em que no intervalo de um jogo vos metem a tocar...

RF: Era brutal...

NR: Acho que não... Eles ficaram fodidos por nós estarmos lá, percebes?

Pergunta para o Bodyspace Vidas: quando é que resolvem o problema Tomás Villar?

RF: [Risos] Nunca... no disclosure.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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