ENTREVISTAS
Rita Braga
Pátio das cantigas
· 28 Fev 2007 · 08:00 ·
© Dejan Čančarević
Rita Braga é também conhecida como Blue Bobby, mas esta entrevista é conduzida tendo em conta o seu nome de nascença. Ela é a dona de uma jovem voz que começa a ganhar o seu espaço, que nos últimos tempos se tem feito ouvir de forma mais evidente. A sua interpretação de temas de outros tempos (de décadas passadas) e a escrita de algumas canções próprias têm chamado a atenção de algumas pessoas; atenção essa reforçada pelas actuações ao vivo, especialmente com outros músicos (como Norberto Lobo, recentemente) - Rita Braga gosta confessamente dessa interacção. Em tempos actuou em bandas rock, mas actualmente o seu companheiro habitual é o ukelele que usa para acompanhar canções doces, de um imaginário quase fantasista. Aquilo que canta hoje é de certa forma influenciado pelos sons que ouviu até hoje, pelos seus estudos na música e pelas suas experiências noutros países. Por enquanto existe apenas uma maquete quase anónima com alguns temas mas em 2007 as coisas prometem mudar – e muito. Em entrevista ao Bodyspace, Rita Braga confessa, entre outras coisas, que planeia lançar dois discos já em 2007.
Antes de mais começava por perguntar-te acerca do teu nome artístico, digamos assim. Estamos entre Rita Braga e Blue Bobby, sei que até há uma história com o nome Blue Bobby. Em que ficamos? Se editasses hoje um disco que nome aparecia na capa?

Ainda bem que perguntas isso. Tem sido uma confusão com o nome. Blue Bobby foi um nome que criei para uma personagem imaginada com um lado de performance, inspirada em sci-fi, com uso de sintetizadores, etc., que não é o que ando agora a tocar e a gravar. Mas como gravei um álbum caseiro há um ano com esse nome na capa, começaram a reproduzi-lo e a aparecer em catálogos, sites etc., mas o que estou a tocar é enquanto Rita, é uma recolha de músicas tradicionais tudo acústico por isso acho que agora se editasse um disco em princípio apareceria o meu nome e não Blue Bobby.

A partir daqui, pedia-te que nos contasses a tua relação com a música até aos dias de hoje. Como é que tudo começou, como é que tudo evoluiu...

Bem... Já passei por diversas fases das cassetes que a minha irmã me deu quando era pequena com o Chico Buarque, depois a fase do rock de Seattle, depois o rock dos anos 60/70 dos The Who, Led Zeppelin, depois o folk americano, algum blues mas hoje em dia ouço de tudo, ando-me inclusive a interessar por música contemporânea de compositores a partir de meados dos anos 60, como Maurício Kagel que ando a aprofundar e também muito jazz dos anos 20 e 30. Há muitas coisas em paralelo Devo, etc., há muitos muitos nomes.

© Joana Linda

E em termos de tocar música. Como é que tudo começou? Sei que tocaste piano, que tiveste em bandas rock...

Sim. Tive aulas de piano durante 6 ou 7 anos, até aos 15 nessa altura estava a começar a dedicar-me mais à guitarra enquanto autodidacta, e poucos anos depois o ukulele. Passei por uma banda de rock mas tivemos poucos ensaios. A partir daí comecei a fazer gravações sozinha e a tocar com diversas colaborações que é o que continuo a fazer

Como entra em cena o ukulele? Sei que é um instrumento que tem grande importância no teu trabalho actual enquanto Rita Braga...

Sim... De facto desde que ouvi o som do instrumento da primeira vez adorei, e não descansei enquanto não encontrei um. O ukulele também me levou a investigar o repertório da altura, em que no início do século passado foi extremamente popular em músicos amadores, por ser fácil de tocar e dar bom acompanhamento à voz. Tenho andando a "coleccionar" algumas dessas músicas, mas também de outros sítios (França, Portugal, Sérvia) e a adaptar ao ukulele.

Que nomes é que encontraste então nessa pesquisa? E que canções já agora?

Um que me marcou foi a cantora Annette Hanshaw, que é quem conheço melhor depois há muitos nomes soltos. Um dia encontrei um arquivo de uma rádio online, a wfmu, só com discos de ukulele da época, nomes totalmente esquecidos, mas o facto é que há medida que vou ouvindo mais as mesmas músicas repetem-se muito, toda a gente gravava os mesmos "hits" à medida. [risos] O músico mais conhecido de ukulele era provavelmente o Cliff Edwards, que apareceu em muitos filmes e tinha um lado cómico, mas confesso que não conheço muito dele. Ah, quanto a canções, tinha-me esquecido na pergunta. Para dizer alguns nomes, alguns tornaram-se standards de jazz - "I can't give you anything but love -, outras não voltaram a ser tocadas - "Ho hum", "Little white lies" - que são umas que ando a treinar. Devo também dizer que comecei por tocar originais, mas a dada altura fiquei muito motivada a aprender o repertório que se tocava na altura... Gosto muito das músicas.

O que é que te atrai tanto nesses sons de outras décadas bastante passadas? Passadas no bom sentido, claro…

Não sei bem. Por um lado talvez serem simples, com pouca produção, mas eficazes, para os meus ouvidos pelo menos e muitas tinham um som muito alegre, mesmo que tenham uma letra triste ou até melancólica. Não tenho muita paciência para músicas "depressivas". Não desfazendo o que se faz hoje em dia, acho que a maioria das músicas populares dessas alturas eram bem enérgicas, mas acho que não consigo desenvolver o porquê, é simplesmente uma atracção por este tipo de som. Também ouço bandas contemporâneas, senão não iria a concertos!

Assim de repente quais foram os últimos três concertos a que foste?

Hmmm. Se puder começar pelo próximo, vou amanhã ver o Felix Kubin em braga…

Já tive a oportunidade de o ver ao vivo na Casa da Música e é muito bom.

Eu também o vi na casa da música! Gostei imenso. Ultimamente por acaso tenho ido a poucos, com a época de exames, os últimos que vi foram mesmo as bandas espanholas que cá vieram tocar no São Jorge na mesma noite que eu - Flow e Prin la la, e o português Yesterday também tocou nessa noite.

© Joana Linda

Dizias há pouco que tens desenvolvido várias colaborações com vários músicos. O que procuras nessas colaborações? E já agora, com quem é que tens colaborado ultimamente?

Nas colaborações procuro algo que se distancie do que faço sozinha, e receba influência do músico com quem toco de modo a que cada uma seja diferente... No fundo tudo o que toco têm sido experiências com alguns músicos... Ao vivo ando a tocar com o Tiago Albuquerque, que me acompanha no baixo acústico há pouco tempo. Houve até uma colaboração espontânea com o Fernando Vacas, o líder dos espanhóis Flow, na Radar. Também emprestei a voz para um original dos anos 80 do Jaime Salvadinho, essa mais rock com guitarras eléctricas desconstruídas e improvisei umas coisas em harmónio com o Carlos Andrade, que também colabora com o Jaime na banda Arreptícios. Quando passei o verão na sérvia também colaborei com diferentes músicos de lá. O Vuk Palibrk com os nossos pequenos casios, o Bane Tubachin que tem sido uma revelação lá, com o bandolim... São tudo colaborações pontuais, não se voltaram a repetir.

Ia perguntar acerca das tuas experiências noutros países… Como foram em termos humanos e musicais? Que influências trouxeste dos locais por onde estiveste? Sei que estiveste na Polónia…

Sim, na Polónia passei 6 meses, mas fiz pouca coisa ao nível musical. Às vezes apresentava alguma música tradicional ou Zeca Afonso na guitarra para eles conhecerem. Mas uma boa coisa que aconteceu foi quando umas raparigas polacas me ensinaram uma música tradicional que toda a gente conhece lá se toca muito em festas, a "Sokoly". É uma das que costumo agora tocar que muita gente tem preferido.
A sérvia é que me marcou muito, em todos os níveis. Houve uma grande troca com os locais, em termos de histórias e experiências, e depois também na banda desenhada e na música. Foi um país que me mudou, e por alguma razão senti-me lá em casa desde que cheguei.

Foste estudar para lá?

Não... na sérvia fui convidada para ir lá em Abril passado participar no festival de banda desenhada GRRR!, organizado pelo autor Aleksandar Zograf, que já tem vindo cá a diversos festivais, que me convidou para expor e dar um concerto lá e como gostei muito voltei no Verão e fiquei lá 3 meses. Não estava a estudar mas foi uma experiência muito rica, creio. Eu fiquei na cidade dele, em Pancevo, uma cidade industrial muito perto de Belgrado, e como é relativamente pequeno às tantas já conhecia muita gente lá, era como se estivesse em casa. Nessa altura dei lá diversos concertos.

E como foram? Como é que as pessoas reagiam? Levavas algum material português?

Correram muito bem... Sim, em português levei "A lira", uma música dos Açores, e as "Cantigas de Maio" do Zeca Afonso. Eles gostaram muito, dizem que gostam muito do som da nossa língua, acho que gostaram. E dei conta do fenómeno Mariza. [risos] Toda a gente me perguntava por ela. Para mim era tão irritante como para eles perguntarem-lhes do Kusturica!

A Mariza é muito falada por lá?

Tocou lá em Julho, pouco tempo antes de eu ter chegado, e voltou lá em Outubro, salvo erro... Vi muitos posters a anunciarem o concerto dela, toda a gente a conhece.

O que achas do fado da Mariza? Gostas do fado no geral?

Pessoalmente não gosto das interpretações dela. Não me dizem nada. Fado no geral... não tenho uma opinião muito definida. Agora tenho ido a uma casa de fados na Graça e tem sido divertido! Não sou grande conhecedora de fado. Mas acho que é uma música interessante. Há pouco tempo ouvi uma versão em fado da "Hey Jude" dos Beatles e adorei! Não sei quem a fez, mas achei genial a mistura, cómico mas bom. Se alguém souber quem fez pode-me dizer…

© Joana Linda

E todas essas experiências lá fora deram-te inspiração para escrever? Tens gravado alguma coisa recentemente?

Para escrever historias ou música?

Falava em música mas podes falar de ambas as coisas se quiseres…

Bem, tenho um blogue onde contava diversas descobertas engraçadas em poucas linhas, tal como o fascínio dos sérvios por Lisboa apesar de nunca terem vindo cá. [risos] Ouvi até muitas músicas que referem Lisboa, outra de um amigo meu era "On the way to Sintra", um álbum clássico da new wave na Jugoslávia dos Elektricni Orgazm chamava-se "As folhas caem sobre Lisboa"!

Conheço tantas pessoas de outros países que têm grande fascínio por Sintra...

Sim, Sintra é um sítio mítico.

Os espanhóis adoram Sintra, a sério. Sempre que alguém me diz que esteve em Portugal diz-me que adorou Sintra, é curioso.

Sim, de facto. Tem qualquer coisa de especial. De qualquer forma achei muito curioso, a relação que eles sentem com Portugal apesar de estarmos tão longe.

Mas bem, as canções. Se tens gravado alguma coisa. E se pensas editar um disco em breve…

Tenho gravado pouco, em época atabalhoada de exames etc., mas este mês espero fazer umas gravações. Penso editar dois discos nos próximos meses, e vou começar agora a trabalhar neles...

O que é que nos podes contar acerca desses discos?

Ainda não tenho uma coisa bem definida, o tempo o dirá. Penso convidar alguns músicos. Mas em principio dividir dois registos bem distintos que tenho feito. Por um lado as "reciclagens" com colagens de discos antigos e um som mais bizarro, como a "Stairway to the stars" e por outro lado o acústico, sozinha ou acompanhada. Tive um convite recente de várias editoras, o que me espantou por ser tudo tão de repente.

Há já hipóteses de editoras então?

A sessão no Má Fama do Sérgio Hydalgo chegou a muita gente interessada... O primeiro convite surgiu da Eureka, uma editora espanhola, do Fernando Vacas que já tinha mencionado. Há pouco tempo puseram 2 músicas minhas num CD promocional do evento Migrations com bandas de Lisboa e de Córdoba, depois foram várias editoras cá.

E como reages a toda esta atenção súbita em relação ao teu trabalho por parte do público, da imprensa e das editoras? Tens algum receio em relação a isso?

Sinceramente, tento não pensar muito nisso. Continuo a fazer exactamente a mesma coisa, e vou aceitando os convites por mais inesperados que sejam. Quero ter muitas experiências na música, parte daí. Ando em simultâneo com vontade de cantar qualquer coisa numa casa de fados tradicional como aceitar tocar num grande festival. [risos] Mas se receber atenção a mais acho que não vou achar muita piada, na verdade a primeira reacção com os convites não foi muito boa mas agora já passei essa fase, vou fazendo as coisas que gosto sem pensar muito no resto... Às vezes não me dou conta que as histórias pegam facilmente, e ao ler-se um texto ele multiplica-se rapidamente por outras pessoas que o rescrevem e acrescentam qualquer coisa. Agora toda a gente ficou a saber que apareci na MTV da Sérvia, mas reconheço que isso soa muito engraçado. Nem os vi, só sei que filmaram o meu concerto no festival, mas cá toda a gente adorou a história!

São os poderes da internet...

Exacto... A informação reproduz-se a um nível rapidíssimo. Receio... Não sei, não quero dar muito nas vistas, mas o certo é que gosto muito de tocar e todas estas oportunidades são muito boas, quer dizer, começar a haver reconhecimento do que faço, mesmo que tenham sido gravações em casa meio a brincar.

Quanta parte da tua vida pensas dedicar à música no futuro?

Boa pergunta... Uma grande parte, quero eu. Não só a tocar, a música esta sempre presente. Ando a tirar o curso de musicologia, e estou muito motivada a seguir investigação nesses domínios, pois a música para mim aparece ligada a tudo ou quase tudo. Confesso também que às vezes prefiro gravar em casa ou ter uma conversa descontraída na rádio e tocar lá em vez de um grande concerto ao vivo, ainda não estou completamente à vontade mas há-de passar.

Quais foram as coisas mais fascinantes sobre a música que descobriste no teu curso até agora?

No curso... Entrei no curso com a ideia da etnomusicologia, que está a ser muito interessante. Mas tenho igualmente interesse pela sociologia da música, no fundo interessa-me a música ligada ao seu contexto - os povos, os espaços, a política etc., não sei se parece uma resposta vaga. Também fez com que venha a conhecer a música erudita europeia, que é uma grande parte do curso mas isso tem vindo a mudar e se for preciso discute-se música pimba. Bem, depende das cadeiras. [risos]

© Joana Linda

Tem sido importante então o teu curso para te ajudar a explorar a música, a tocar música?

A tocar música penso que não, pois o curso é essencialmente teórico. Mas o pensamento tem-se vindo a alterar e isso trará mudanças, acho que daqui a uns anos quando tiver terminado é que me vou aperceber se alterou a forma de tocar ou não. Por exemplo agora anda-se a estudar muito o Estado Novo, acho que é interessante. O papel do fado como arma nacionalista, etc.

Pensas cantar em português nos teus dois discos?

Provavelmente vão aparecer músicas em várias línguas, que tem a ver com o que tenho andado a tocar ao vivo. Isso inclui português. Algumas podem ser até instrumentais.... Mas não creio que sejam inteiramente em português.

Tens já ideia do que podes vir a ter como título para os teus dois discos? Alguma frase ou ideia chave?

Não, ainda não pensei nisso. Apenas duas ideias quanto à capa, de duas pessoas que convidei e aceitaram. Uma delas é a francesa Johanna Marcadé, que conheci na Sérvia e tem um trabalho em serigrafia muito bom que acho que condiz com as "reciclagens" que tenho andado a gravar. Se quiseres ver o trabalho dela é http://collectomaestro.free.fr/johanna/.

Então resumindo, quais são os teus planos breves para o futuro, que é como quem diz este 2007?

Na verdade são muitos! No tempo livre quero continuar a viajar, e para além de trabalhar nos discos quero ver se organizo cá um intercambio com artistas Sérvios de varias áreas - música, vídeo e banda desenhada. Espero que isso se concretize para o final do ano. Isso não foi uma ideia de momento, estou mesmo em combinações com eles, a questão vai ser encontrar cá os apoios, mas se correr bem la para Setembro. Também não sei se vale a pena dizer. Mas em Março vou começar a aprender a 3ª língua Eslava, a juntar ao Polaco e ao Sérvio agora vem o Russo. [risos] Acabo a falar um bocado de cada.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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