(Risota geral.)
Rui Mata - Espero que não.
Edgar Leito - Isso foi a sério?
R.M. - Depende dos grafiteiros.
Como chegaram até Up on the Walls?
R.M. - Chegámos até aqui após mais de um ano de composição, concertos, ensaio, músicas boas, partes boas, outras menos boas, beras.
Quim Albergaria - O conceito chegou praticamente no fim. Ou seja, depois de encontrarmos um fio condutor que conseguisse atar tudo o que tínhamos feito nesse ano e sentíamos coeso como um todo.
E.L - Neste disco temos alguns temas com quase dois anos e outros com apenas seis meses.
R.M. - As coisas ganharam forma depois de conseguirmos olhar para as músicas "a partir de fora".
Q.A. - O conceito da comunicação criminosa do graffiti, no sentido mais abrangente do termo, tem tudo a ver com a nossa música e connosco. Desde as carteiras da escola até aos posters dos nossos concertos, que comunicamos e nos exprimimos para uma possível audiência da mesma maneira que os situacionistas ou os militantes da Comuna de Paris ou o Homo sapiens faziam - nas paredes.
É, portanto, um disco de condição marginal?
Q.A. - Sim, para nós sim.
Aquele “bring it on” da primeira faixa tem um alvo?
Q.A. - Tem, os putos. Youth uprise, putos ao poder, se o futuro é nosso reclamemo-lo já!
E.L - Tens aí uma potencial letra.
Q.A. - Já fiz para aí umas 8 a espremer esta teta.
R.M. - (Risos.) Senão mais.
Q.A. - Acho que ainda ninguém bebeu desse leite, no entanto.
Quando vi o símbolo de Black Flag no booklet, pensei logo em "Spray Paint”. Essa faixa não vos passou pela cabeça?
E.L - Já equacionámos fazer uma cover dessa faixa.
R.M. - Passa todos os dias.
E.L - Definitivamente.
Q.A. - É uma das covers que queremos gravar no nosso tributo a Black Flag com Day of the Dead [n.r.: que, entretanto, se vincularam à State of Mind para em breve lançarem o muito aguardado A New Healing Process].
Fala-me disso. Em que ponto ficou?
R.M. - Antes do zero.
Q.A. - É um projecto dormente, mas não morto. Está em banho-maria.
Que outras faixas recuperariam aos Black Flag?
E.L - “Black Coffee”, ”Jealous Again”.
Acreditam nuns Vicious Five além da marca dos cinco minutos? Tipo Black Flag em algumas das faixas de Slip it in...
R.M. - De momento não me parece.
Q.A. - Agora não, mas a mim não me é difícil ver um disco de prog no nosso caminho.
R.M. - O nosso attention span não seria suficiente.
Q.A. - Não mesmo...
R.M. - Pelo menos para mim.
E.L - Olha que não sei...
R.M. - Eu sei.
Q.A. - Não digo que não.
E.L - Sim, é isso. Logo se vê.
R.M. - As músicas de cinco ou mais minutos normalmente têm elementos que não fazem lá falta nenhuma.
Os Vicious Five podiam fazer um disco conceptual em torno de um vagabundo de Lisboa que ganhou cicatrizes?
Q.A. - Acho que a apostaríamos mais no cenário do pós-apocalíptico radioactivo contra o exército do Reagan-mutante.
E.L - Sim, mas acho que não iremos além dos 4 minutos. Isso para nós já é épico.
R.M. - Quatro minutos e cinquenta e nove segundos.
Q.A. - No máximo. Ultrapassar essa marca não faz sentido.
Que ideias ficaram à porta do "Up on the Walls"? Falem-me daquela capa com as setinhas em todas as direcções [n.r.: que chegou a constar da página My Space da banda].
Q.A. - Isso foi mais um plágio nosso. Desta vez a um anúncio da Olivetti lançado por volta de 1967. Promovia umas máquinas de escrever.
R.M. - Isso tinha a ver com outro artwork por si só.
Que factores atrasaram a saída do disco?
R.M. - Saiu a horas.
Q.A. - Exacto. A necessidade e a preguiça obrigaram-nos a optar por outra ideia.
R.M. - Acho que foi mais a logística aliada ao tempo.
Q.A. - Sim, alinhámo-nos para a rentrée. Com um trabalho simples e significativo, punk rock e namoradeiro.
Porquê os Beatles junto ao texto (manifesto?) “Follow the Litter” [n.r.: que pode ser encontrado no centro do booklet]?
Q.A. - Eu sou fã.
E.L - Nós somos fãs. Todos, acho.
R.M. - Eu também.
Q.A. - Eles já são lixo reciclado do imaginário pop.
R.M. - Foi uma espécie de piada tornada homenagem.
Q.A. - E a coisa não foi muito pensada. Foi mais uma reacção.
E.L - Uma homenagem à nossa maneira.
R.M. - Que, no fundo, resulta bem com o texto.
E.L -...e com o artwork.
Não é também uma provocação aos direitos de cópia?
R.M. - Exacto. Foi mais uma reacção surgida no brainstorm que gerou o artwork.
Q.A. - Sim, o todo não reflectiu o processo e é exactamente por isso que estás a fazer essa pergunta.
© Ana Sofia Marques |
Até há um tempo era sagrado não samplar os Beatles [n.r.: mais precisamente até Danger Mouse ter conjugado no seu Gray Album o White Album dos quatro de Liverpool e o Black Album de Jay-Z].
Q.A. - Podes crer.
E.L - Tivemos umas conversas sobre isso...
E vocês agora metem-nos ali como pintados numa parede.
Q.A. - E descobrimos que se deturpares mais de 60% da imagem ‘tás limpo.
R.M. - Conversámos sobre isso, mas mais sobre os direitos fotográficos do que sobre os Beatles.
Q.A. - (Risos.) Desculpa aí, Jacko.
R.M. - Isso dos 60% só funciona para a Internet, mas...
E.L - Inserir os Beatles no artwork foi consensual, mas os direitos fotográficos preocuparam-nos de início.
Q.A. - Pouco importa. Já está feito.
Um dia ainda acordam com o Michael Jackson ou a Capitol a bater-vos à porta...
E.L - Quem me dera...
R.M. - Ficam com os discos. Não há mais que isso.
Em qual das vossas faixas convidariam o Michael Jackson para cantar?
Q.A. - “Fallacies and Fellatio”.
E.L - Eu convidava-o para cantar a “Fallacies and Fellatio”.
Q.A. - Calhava bem com os falsetes.
Temos consenso…
R.M. - Para cantar o “HO HO HO”.
E.L - Ele também se safava na “Suicide Club”.
Falem-me de falsetes. É possível que um dia venhamos a ver os Vicious Five a entrarem na Zé dos Bois de mota?
E.L - Não nos tentes. Eu gostava de entrar de Harley, com um par de calças cabedal e uma cobra ao pescoço.
Q.A. - Eu gostava de utilizar mais o agudo da minha voz. Tem uma projecção forte. Mas há partes em que gostava de explorar um falsete amaricado.
E que acharam da comparação ao Zack de La Rocha [n.r.: constante de artigo no jornal Blitz]? Nunca o ouvi a cantar em falsete...
Q.A. - Nunca percebi, a não ser talvez pela divisão rítmica de alguns trechos...
E.L - Não percebo a comparação com o Zack de La Rocha... Não entendo mesmo. O Zack é um MC. O Quim não é um MC.
R.M. - Edgar.....
E.L - É verdade.
R.M. - Basta ouvires o Quim a cantar as partes menos “cantáveis”.
E.L - Ele não canta uma frase. Apenas fala.
R.M. - Isso de ser ou não um MC não interessa.
Por falar em MC, agora que gravaram pela Loop, encontram afinidades com o hip-hop?
Q.A. - Sempre tivemos.
R.M. - Eu sempre encontrei.
E.L - Como ouvintes, sim.
Q.A. - Public Enemy, Run-D.M.C., Body Count, Dead Prez…
R.M. - NWA. Straight Outta Compton!
Q.A. -...ou mesmo Kris Kross. “Will make you jump”.
Para quando a simulação de tiroteios em concertos ou o assassinato do Gazela encenado numa farsa?
Q.A. - Por altura do álbum de remisturas que vai começar com um discurso do Gazela que dita a morte aos falsos punk rockers.
Em "The Smile on Those Daggers", o Quim quase parece o Malcolm X num daqueles discursos muito efusivos. Identificam-se com a atitude dele?
Q.A. - Não. Eu não. Respeito e admiro, mas não me identifico porque a nossa experiência não tem nada a ver com a dele.
R.M. - Eu identifico-me.
(Entretanto o vocalista viu-se obrigado a ausentar-se por momentos.)
Como foi para vocês gravar na Valentim de Carvalho? Presumo que tivesse sido uma experiência inédita para todos ou não?
R.M. - Sim, inédito. Eu acho que foi uma experiência excelente, apesar de termos uma pressão absurda.
E.L - Foi uma óptima experiência.
R.M. - Foi em todos os aspectos muito, muito bom.
E.L - Mas tivemos pouquíssimo tempo para gravar, o que não foi necessariamente mau.
R.M. - Entrámos lá com a intenção de sair com a bateria gravada e conseguimos gravar todo o instrumental.
E.L - E as condições do estúdio são excelentes, as melhores que já tivemos. Foi excelente trabalhar com um produtor como o Luís Caldeira que entendeu desde o início o que queríamos para o disco.
R.M. - As condições eram excelentes, o Luís Caldeira sabia o que estava a fazer e só isso foi meio caminho andado para um bom desempenho.
Não acham que está um pouco datada aquela ideia de que um disco de alma punk está sempre impedido de ser gravado num meio sofisticado?
R.M. - Muitos discos são produzidos sofisticadamente para soarem "mal".
E.L - Acho essa ideia absurda.
R.M. - Têm todo o meu apoio.
Que tipo de intervenção teve o Luís no disco? Ele trouxe pornografia ou filmes gore para o estúdio?
R.M. - Porno.
E.L - Algum porno, sim, e umas fitas softcore para descontrair.
Agora que têm cá fora um “valente” disco, não equacionam encarar o primeiro EP como uma maquete, pois não?
R.M. - O primeiro disco sempre foi uma maquete. Foi concebido como tal.
Eu amo aquele primeiro EP.
R.M. - Foi feito um CD, depois de ouvido o resultado final, simplesmente por uma questão financeira.
Até onde se manteve o D.I.Y. [n.r. o Do It Yourself, desde sempre associado ao punk] desse primeiro EP no álbum?
R.M. - Em tudo. Não houve nada que não fosse D.I.Y..
A TKO [n.r.: loja de roupa que patrocinou o disco] e Loop foram então quase mecenas, certo?
E.L - Bem... Em relação à TKO, só soube disso quando vi o artwork do disco pronto. A Loop foi quase uma bênção, pois estávamos a ficar relativamente "frustrados" por nenhuma editora mostrar interesse em nós. Apesar de já sermos relativamente falados, pelos concertos que dávamos e pelas boas críticas ao EP. E de repente surgiu a Loop com esta oportunidade e não tivemos grande dificuldade em chegar a um consenso entre todos com vista ao melhor para nós. Apesar da estranheza inicial de ser uma editora de hip-hop.
Sentiram o convite como uma recompensa pela iniciativa total do Electric Chants of the Disenchanted [n.r.: título do primeiro EP que conhece resenha nesta casa]?
R.M. - Talvez. Nunca tinha pensado nisso assim.
E.L - Sim, um pouco.
R.M. - Acho que se aperceberam de que sabíamos o que estávamos a fazer e decidiram apostar em nós.
E.L - Acho que sentir que o nosso trabalho deu frutos foi muito importante para nós.
R.M. - Além de que ganhou variedade o espectro Loop [n.r.: que lança o disco na Off-Loop – a ramificação dedicada aos discos alheios ao hip-hop].
E.L - Nós começámos do nada e fizemos um EP sozinhos. Para nós é gratificante uma editora como a Loop ter revelado interesse. A Loop proporcionou, antes de mais, a possibilidade de gravar num estúdio bom, com bom material e em analógico. Sugeriu também o Luís Caldeira para trabalhar em estúdio connosco. Tudo isto acabou por ser fundamental para o resultado final do disco, pois as músicas podem ser boas, mas não teriam a mesma projecção se fossem gravadas de outra forma!
E não sentem Renewal, Croustibat e todas as primeiras bandas como sementes que agora dão fruto mais sumarento?
E.L - Acho que sim. Alguns dos temas iniciais de Vicious Five surgiram de restos de alguns dos temas finais de Renewal.
Fala-me um pouco mais da transição Renewal / Vicious Five.
E.L - Foi, na verdade, uma transição.
R.M. - Estava directamente relacionado com a presença de vários membros de Renewal.
E.L - Os elementos que formaram The Vicious Five.
R.M. - E talvez também uma falta de direcção.
E.L - Foram as pessoas que se sentiram um pouco presas em Renewal e queriam fazer algo que não era possível nessa banda. The Vicious Five, no início, era apenas um projecto. Não era suposto ter-se tornado sério.
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Ganhou força a partir de que altura?
R.M. - A seguir à saída do EP.
E.L - A partir do momento em que nos apercebemos que era realmente bom.
R.M. - Começámos a perceber que gostávamos realmente do que estávamos a fazer...
E.L -...e que tudo aquilo nos dava imenso prazer.
R.M. - Para mim, era sério desde que me desse prazer.
(Entretanto Quim regressou ao plenário.)
Q.A. - E sentimos a confiança de um tiro despreocupado, mas certeiro.
R.M. - Sim.
Agrada-vos que os miúdos possam vir a descobrir todo esse legado mais underground através do portal Vicious Five?
Q.A. - Sim, fazia-nos bem e aos putos.
Parece-me que a T-shirt de O Gafanhoto [n.r.: o mítico colectivo cuja paternalidade é uma espécie de incógnita] se tornou uma peça de vestuário digna de um certo status de há uns anos para cá. Concordam?
(Risota geral.)
E.L - O que é O Gafanhoto?
R.M. - Não sei o que é isso.. De vez em quando falam-nos disso. Não entendo porquê.
Descobri o My Space deles há uns dias.
E.L - São uns tipos mascarados, não é?
E onde pára CAVEIRA [n.r.: o trio free-rock que Joaquim Albergaria mantém com Rita Vozone e o cada vez mais omnipresente Pedro Gomes]? Também não conhecem?
Q.A. - Isso sim.
E.L - É uma banda de stoner das barracas, não é?
Q.A. - CAVEIRA, por agora, não pára. Vamos gravar um disco novo no próximo fim-de-semana.
R: Stoner cigano, agrometal ressequido...
R.M. - Agropop sedentário.
Acham-se capazes de salvar as góticas em plena crise de identidade?
Q.A. - Não, nunca liguei muito a góticas.
R.M.: Eu curto.
Como foi para vocês o Sudoeste?
R.M. - Uma surpresa.
Q.A. - Havia pó e um McDonalds por detrás do palco.
R.M. - Mais pó do que McDonalds.
Q.A. - E havia imensas pessoas com a mesma pulseira. Foi fixe para vermos outra liga que ainda não entendemos muito bem.
Não acham que "Electric Youth" [n.r.: a faixa que encerra Up on The Walls] recupera um pouco a crueza daquele hardcore mais ríspido da década de 80? Ou até mesmo a rispidez do EP? Aquele refrão parece-me colheita de 83...
Q.A. - Sim, talvez mais 88.
Aquele período de silêncio quase equivale a: "A batata quente está do vosso lado. Isto começa aqui.”. Não achas?
Q.A. - Sim. Assim como pões a coisa, sim. Gostava muito que fosse isso que aparecesse por detrás dos olhos e entre os ouvidos de quem quer que fosse que ouvisse o nosso disco.
No EP terminavas a mandar o pessoal ir-se foder. No Up on The Walls terminas com um apelo à revolução. Isso é progresso ou mensagem apurada?
Q.A. - Primeiro insultamos, depois incitamos e depois logo se vê.
Parece-me um bom método. Onde fica exactamente a Kid City [n.r.: a organizadora de concertos que Quim Albergaria mantém e que faz parte do imaginário Vicious Five]?
R.M. - Ha ha ha!
Q.A. - Por agora está desintegrada, mas vai aparecer em breve. Vira-se à esquerda no primeiro graffiti antiparental, dá-se dois passos e uma cuspidela e estás lá.
Admite a construção de gasolineiras?
Q.A. - Não.
Manténs-te firme na luta por ter gente a dançar nos vossos concertos?
Q.A. - Sou militante. Acho indecente e um desrespeito para com os imobilizados da vida, ter-se os membros todos funcionais e escolher-se ser um mero espectador e não justificar a energia, o preço do bilhete, o esforço da banda e a oportunidade de se ir para casa acompanhado.
Achas que as coisas vão melhorar quando o público começar a ter os refrães do Up On The Walls na ponta da língua afiada?
Q.A. - Acho que sim. Vai haver um baby boom.
E.L - Assim que as pessoas conhecerem o disco, os refrães, etc., vai ser bonito.
Com qual dos filmes do Charles Bronson mais simpatizam os Vicious Five?
E.L - Bem... eu gosto daquele em que ele é justiceiro nas ruas de Nova Iorque. Sabes qual é?
Deve ser o Dez Para a Meia-Noite. A saga Deathwish.
E.L - Nem mais. Eu voto nesse. Acho que até tem a ver connosco. A cena urbana e tal.
Também acho. Ele era o último dos ossos duros de roer.
Q.A. - Completamente.
Uma pergunta de fã: os Vicious Five gostam mais do Tom Sawyer ou do Bocas?
Q.A. - Eu do Tom Sawyer.
E.L - O Tom Sawyer é clássico, mas o Bocas é insano.
Q.A. - O Joe, o índio, mudou a minha vida (risos).
E.L - Acho que voto no Tom também.
Eu continuo a achar que um desenho do Bafo de Onça teria servido como excelente capa para o Up on the Walls. Parece-vos absurdo?
(Risota geral.)
Q.A. - Um bocado, sim. Mas o que me incomoda é o facto de não perceber a ponte...
Ele parece-me o mais revolucionário dos personagens Disney.
E.L - Talvez na contracapa. E é marginal também.
Q.A. - E o Mancha Negra?
O Mancha Negra teria sido perfeito!...
E.L - Os vilões da Disney são os melhores.
Q.A. - ...à mocada com o Biquinho, o sobrinho do Peninha.
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