ENTREVISTAS
wools
música pop desempregada
· 21 Jun 2010 · 20:55 ·
a mimi, editora que serviu de veículo a go home now?, é especializada em editar música nipónica, concebida (ou não) por japoneses. wools encontra aí algumas das suas raízes?
não. não rejeito influências e elas na minha música aparecem de todo o lado, obviamente. lembro-me de há uns anos andar muito interessado em algum shibuya-key e nas produções do cornelius. mas não me revejo nisso. a mimi, mais do que uma editora, é uma ideia gigante do fernando ogata, que por paixão à música e à cultura japonesa resolveu criar uma netlabel só de artistas japoneses e portugueses com todos os discos para download gratuito. já vai na 138ª edição, tem coisas deliciosas que precisam de ser ouvidas e que estão completamente deslocadas do "panorama". só tinha feito três músicas quando o fernando ouviu e me fez o convite para lançar um ep. foi tudo muito simples e pragmático…
trata-se de produção meramente caseira. que recursos foram usados para tornar wools algo de concreto?
técnicos nenhuns porque não os tenho. portanto, foram recursos tácticos, de produção e de camuflagem de incapacidade técnica. passei a usar uma forma de contornar as minhas dificuldades com matreirice, muita experimentação. tentei ir de encontro ao que a música me ia pedindo, criando uma forma de pôr as malhas e as atmosferas a funcionar pelo seu todo. instrumentos usados: um laptop software de gravação e produção baixo vermelho de 40 euros, um casio ctk emprestado, uma placa de som que não sei a marca (emprestada), uma viola dada pelo meu avô, uso o assobio de vez em quando e a voz quase nunca.
dizias-me, em conversa, que não esperavas ser ouvido. que tal tem sido o feedback?
ainda ninguém resmungou. já me disseram coisas muito bonitas que acabam por me deixar deliciado. para mim qualquer coisa que me digam sobre o ep é do caraças porque me sentia incapaz de fazê-lo e de mostrar a alguém e porque não me levo muito a sério.
na descrição do ep que encontramos no site da mimi, lemos que tudo surgiu com naturalidade após “uns meses às voltas de software de produção musical, uns toques num teclado, num baixo, numa viola”. é esse o sustentáculo da tua música?
é verdade, essa parte, mas atenção que o tipo que escreveu isso é meu amigo. é um tipo completamente suspeito e apesar de saber que é um jovem honrado, desconfio que nem ouviu o ep antes de escrever isso. ele é o pai de nós todos. faz música de baixos recursos à sua maneira no seu quarto há sete anos e tem coisas deliciosas. é o quit. uso isso, mais dois ou três brinquedos que tenho cá para casa, uso toques de telemóvel e faço uns samples.
parece-me que a tua sonoridade vai buscar alguns elementos a oneothrix point never (não sei se concordas), mas nota-se que gostas de um ritmo bem distorcido e ao mesmo tempo embalador. é por aí que planeias marcar a diferença?
não conheço. já apontei aqui o nome e vou ouvir de certeza. eu gosto de fazer melodias simples, com cinematografia, camadas atrás de camadas, experimentação de pequenas distorções e ruídos…baixos elásticos, tem que haver ali névoa e espuma e há sempre uma certa infantilidade e nostalgia. é a forma que encontro de descrever o que faço. sinceramente não planeio nada, apenas fazer melodias simples, adocicadas com erros e repetições e mel se possível. é MPD.
fala-nos disso (MPD) – que descreves na tua página do facebook como crença religiosa.
o MPD, enquanto sigla, significa música pop desempregada. é um movimento criado há um tempo por músicos de quarto, quase todos ligados a coimbra, de alguma forma, que partilham as suas músicas, o seu humor e outras coisas. os fundadores assinaram com sangue o manifesto da música pop desempregada que tem onze pontos e acordaram entre todos uma forma de criar e editar música que será acompanhada por outras estratégias de manifestação que não passam só pela música. isto já foi feito noutras áreas. há o exemplo notável do dogma 95 e há uma inspiração clara dos dadaístas e do ready-made nisto tudo. por outro lado e enquanto manifestantes, tentamos alertar as pessoas para meia dúzia de situações que não concordamos. há pessoal a fazer coisas incríveis: o joão carlos costa gonçalves fez o melhor ep português do ano: chama-se "calorama" e assina como spinning beach ball of death. é uma coisa incrível e que devia ser ouvida todos os dias. outro projecto dele é o lancil, que é fortíssimo. não vejo ninguém a fazer o que ele faz. é genial. o quit anda a fazer musicões há sete anos dentro dum quarto, fez a palomino creek que é um tema soberbo. o strobe tem temas lindíssimos. o elite athlete, o anders blickmann, o chuck tailore e o once upon a time there was a beautiful castle, todos eles com discos editados em netlabels. o MPD está quase a ter residência, vida e actividade visível. neste momento está numa fase de criação para posterior exibição… há que impedir as nossas crianças de ouvir andré sardet, por exemplo. tanta gente preocupada com o futuro das crianças e ninguém se lembra do mau que é para as gerações futuras as canções do andré sardet passarem no canal panda o dia inteiro.
crias sons espontaneamente ou compões por antecipação, prevendo cada mudança de acorde, harmonia? há um ou outro apontamento em que se nota que não era bem o que querias fazer e decides reescrever a estória…
há ali muita obra do acaso, muita sorte em encontrar certas coisas que acabam por soar bem. aí nem lhes mexo mais. no entanto, com o decorrer do tempo, comecei a perceber como alcançar isso, principalmente no espaço ambiental e na forma de trabalhar os sons de guitarra. de resto, tento criar repetição de forma a que mudança seja um culminar lógico ou não do que se passava na repetição. as músicas têm muitos erros e alguns estão lá intencionalmente. eu não quero que soe perfeito. nunca vai soar perfeito obviamente. procuro apenas que esteja a soar bem.
como encaras a distorção – desta vez nos sintetizadores, em instrumentos melódicos, por assim dizer, um pouco à semelhança de wavves? consideras-te noisy?
penso que um noisy mais do lado de grouper e khonnor (isto é claramente insultuoso para ambos) do que de wavves. não tenho vida para tocar muito rápido, no entanto encaro a distorção como um forcado encara um touro. só que com menos técnica…
que inspirações te vêm à cabeça como sendo as mais óbvias?
o quit, o lancil, o spinning beach ball of death, grouper, bandas sonoras de filmes eróticos dos anos oitenta, my bloody valentine, os enzos (o scifo e o francescoli), o l'apocalypse des animaux do vangelis, o ducktails, a type records, o r. stevie moore, o washed out, a fase inicial do ariel pink, o cabelo do armando gama, o bibio, os stereolab, música muito romanticada de 1962 a 1989, richard clayderman a tocar o screamadelica numa manhã de nevoeiro, roxette, mau tempo, e fuck buttons. por esta ordem.
há mais música para vir? que cartas trazes nas mangas?
tenho aí umas 80 músicas agora, quase todas elas fracas. tenho outro ep pronto das primeiras músicas para lançar em cassete pela magnífica awesome tapes of granja, uma espécie de trinco do MPD, um tema (bubba smith) numa compilação deles, um outro ep quase pronto de coisas mais recentes dum outro estilo e cerca de dez músicas postas de parte para um disco. de resto vou fazer música com o emanuel num duo altamente inspirado na pop brasileira romântica dos anos 90, em young marble giants e whirlwind heat chamado sensible soccers. de wools há-de sempre sair muito MPD. houve também uma conversa com o fua da lovers & lollypops que não está esquecida… é fazer música p’rá frente e logo se vê…
wools é um projecto pro bono, por assim dizer. que tipo de mensagem carrega esta tua atitude?
só penso em compor, gravar, produzir, mostrar, publicar e assim sucessivamente. de resto carrega uma mensagem muito semelhante à do papa. responsabilidade, amor, honestidade, liberdade. essas coisas bonitas que também podem ser ditas pela miss alabama.
como é que isto será colocado em versão live?
já se pensou nisso e é muito complicado. terá suporte de vídeo porque não consigo imaginar isto sem uma cassete de vídeo que um tio meu quando regressou da venezuela gravou em 1991 com a família toda num aniversário do meu avô. tenho que dar uso a esse vídeo porque as pessoas merecem ver a permanente da minha mãe em 1991. eu gostava de dar concertos mas não vou sozinho. se o emanuel e o jccg e o carlinhos vierem comigo eu vou porque quero e tenho vontade. acho que naturalmente isso vai acontecer e com poucos meios.
o que é isso da indietronica?
sinceramente não sei bem. o que te posso dizer é que wools é MPD ou então se preferires unemployed pop.
Simão Martinsnão. não rejeito influências e elas na minha música aparecem de todo o lado, obviamente. lembro-me de há uns anos andar muito interessado em algum shibuya-key e nas produções do cornelius. mas não me revejo nisso. a mimi, mais do que uma editora, é uma ideia gigante do fernando ogata, que por paixão à música e à cultura japonesa resolveu criar uma netlabel só de artistas japoneses e portugueses com todos os discos para download gratuito. já vai na 138ª edição, tem coisas deliciosas que precisam de ser ouvidas e que estão completamente deslocadas do "panorama". só tinha feito três músicas quando o fernando ouviu e me fez o convite para lançar um ep. foi tudo muito simples e pragmático…
trata-se de produção meramente caseira. que recursos foram usados para tornar wools algo de concreto?
técnicos nenhuns porque não os tenho. portanto, foram recursos tácticos, de produção e de camuflagem de incapacidade técnica. passei a usar uma forma de contornar as minhas dificuldades com matreirice, muita experimentação. tentei ir de encontro ao que a música me ia pedindo, criando uma forma de pôr as malhas e as atmosferas a funcionar pelo seu todo. instrumentos usados: um laptop software de gravação e produção baixo vermelho de 40 euros, um casio ctk emprestado, uma placa de som que não sei a marca (emprestada), uma viola dada pelo meu avô, uso o assobio de vez em quando e a voz quase nunca.
dizias-me, em conversa, que não esperavas ser ouvido. que tal tem sido o feedback?
ainda ninguém resmungou. já me disseram coisas muito bonitas que acabam por me deixar deliciado. para mim qualquer coisa que me digam sobre o ep é do caraças porque me sentia incapaz de fazê-lo e de mostrar a alguém e porque não me levo muito a sério.
na descrição do ep que encontramos no site da mimi, lemos que tudo surgiu com naturalidade após “uns meses às voltas de software de produção musical, uns toques num teclado, num baixo, numa viola”. é esse o sustentáculo da tua música?
é verdade, essa parte, mas atenção que o tipo que escreveu isso é meu amigo. é um tipo completamente suspeito e apesar de saber que é um jovem honrado, desconfio que nem ouviu o ep antes de escrever isso. ele é o pai de nós todos. faz música de baixos recursos à sua maneira no seu quarto há sete anos e tem coisas deliciosas. é o quit. uso isso, mais dois ou três brinquedos que tenho cá para casa, uso toques de telemóvel e faço uns samples.
parece-me que a tua sonoridade vai buscar alguns elementos a oneothrix point never (não sei se concordas), mas nota-se que gostas de um ritmo bem distorcido e ao mesmo tempo embalador. é por aí que planeias marcar a diferença?
não conheço. já apontei aqui o nome e vou ouvir de certeza. eu gosto de fazer melodias simples, com cinematografia, camadas atrás de camadas, experimentação de pequenas distorções e ruídos…baixos elásticos, tem que haver ali névoa e espuma e há sempre uma certa infantilidade e nostalgia. é a forma que encontro de descrever o que faço. sinceramente não planeio nada, apenas fazer melodias simples, adocicadas com erros e repetições e mel se possível. é MPD.
fala-nos disso (MPD) – que descreves na tua página do facebook como crença religiosa.
o MPD, enquanto sigla, significa música pop desempregada. é um movimento criado há um tempo por músicos de quarto, quase todos ligados a coimbra, de alguma forma, que partilham as suas músicas, o seu humor e outras coisas. os fundadores assinaram com sangue o manifesto da música pop desempregada que tem onze pontos e acordaram entre todos uma forma de criar e editar música que será acompanhada por outras estratégias de manifestação que não passam só pela música. isto já foi feito noutras áreas. há o exemplo notável do dogma 95 e há uma inspiração clara dos dadaístas e do ready-made nisto tudo. por outro lado e enquanto manifestantes, tentamos alertar as pessoas para meia dúzia de situações que não concordamos. há pessoal a fazer coisas incríveis: o joão carlos costa gonçalves fez o melhor ep português do ano: chama-se "calorama" e assina como spinning beach ball of death. é uma coisa incrível e que devia ser ouvida todos os dias. outro projecto dele é o lancil, que é fortíssimo. não vejo ninguém a fazer o que ele faz. é genial. o quit anda a fazer musicões há sete anos dentro dum quarto, fez a palomino creek que é um tema soberbo. o strobe tem temas lindíssimos. o elite athlete, o anders blickmann, o chuck tailore e o once upon a time there was a beautiful castle, todos eles com discos editados em netlabels. o MPD está quase a ter residência, vida e actividade visível. neste momento está numa fase de criação para posterior exibição… há que impedir as nossas crianças de ouvir andré sardet, por exemplo. tanta gente preocupada com o futuro das crianças e ninguém se lembra do mau que é para as gerações futuras as canções do andré sardet passarem no canal panda o dia inteiro.
crias sons espontaneamente ou compões por antecipação, prevendo cada mudança de acorde, harmonia? há um ou outro apontamento em que se nota que não era bem o que querias fazer e decides reescrever a estória…
há ali muita obra do acaso, muita sorte em encontrar certas coisas que acabam por soar bem. aí nem lhes mexo mais. no entanto, com o decorrer do tempo, comecei a perceber como alcançar isso, principalmente no espaço ambiental e na forma de trabalhar os sons de guitarra. de resto, tento criar repetição de forma a que mudança seja um culminar lógico ou não do que se passava na repetição. as músicas têm muitos erros e alguns estão lá intencionalmente. eu não quero que soe perfeito. nunca vai soar perfeito obviamente. procuro apenas que esteja a soar bem.
como encaras a distorção – desta vez nos sintetizadores, em instrumentos melódicos, por assim dizer, um pouco à semelhança de wavves? consideras-te noisy?
penso que um noisy mais do lado de grouper e khonnor (isto é claramente insultuoso para ambos) do que de wavves. não tenho vida para tocar muito rápido, no entanto encaro a distorção como um forcado encara um touro. só que com menos técnica…
que inspirações te vêm à cabeça como sendo as mais óbvias?
o quit, o lancil, o spinning beach ball of death, grouper, bandas sonoras de filmes eróticos dos anos oitenta, my bloody valentine, os enzos (o scifo e o francescoli), o l'apocalypse des animaux do vangelis, o ducktails, a type records, o r. stevie moore, o washed out, a fase inicial do ariel pink, o cabelo do armando gama, o bibio, os stereolab, música muito romanticada de 1962 a 1989, richard clayderman a tocar o screamadelica numa manhã de nevoeiro, roxette, mau tempo, e fuck buttons. por esta ordem.
há mais música para vir? que cartas trazes nas mangas?
tenho aí umas 80 músicas agora, quase todas elas fracas. tenho outro ep pronto das primeiras músicas para lançar em cassete pela magnífica awesome tapes of granja, uma espécie de trinco do MPD, um tema (bubba smith) numa compilação deles, um outro ep quase pronto de coisas mais recentes dum outro estilo e cerca de dez músicas postas de parte para um disco. de resto vou fazer música com o emanuel num duo altamente inspirado na pop brasileira romântica dos anos 90, em young marble giants e whirlwind heat chamado sensible soccers. de wools há-de sempre sair muito MPD. houve também uma conversa com o fua da lovers & lollypops que não está esquecida… é fazer música p’rá frente e logo se vê…
wools é um projecto pro bono, por assim dizer. que tipo de mensagem carrega esta tua atitude?
só penso em compor, gravar, produzir, mostrar, publicar e assim sucessivamente. de resto carrega uma mensagem muito semelhante à do papa. responsabilidade, amor, honestidade, liberdade. essas coisas bonitas que também podem ser ditas pela miss alabama.
como é que isto será colocado em versão live?
já se pensou nisso e é muito complicado. terá suporte de vídeo porque não consigo imaginar isto sem uma cassete de vídeo que um tio meu quando regressou da venezuela gravou em 1991 com a família toda num aniversário do meu avô. tenho que dar uso a esse vídeo porque as pessoas merecem ver a permanente da minha mãe em 1991. eu gostava de dar concertos mas não vou sozinho. se o emanuel e o jccg e o carlinhos vierem comigo eu vou porque quero e tenho vontade. acho que naturalmente isso vai acontecer e com poucos meios.
o que é isso da indietronica?
sinceramente não sei bem. o que te posso dizer é que wools é MPD ou então se preferires unemployed pop.
simaopmartins@gmail.com
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