ENTREVISTAS
Youthless
A Odisseia da Telepatia Sónica
· 23 Nov 2009 · 00:21 ·
Depois dos muitos anos dedicados ao híbrido reggae-dub-rock-hardcore dos Three and a Quarter, Alex Klimovistky e Sebastiano Ferranti, dois estrangeiros que não vivem sem a costa portuguesa, encetam uma segunda juventude sónica nos Youthless e aí está o primeiro EP Telemachy para quem quiser ouvir. Com o incentivo de dois sobrinhos e o acerto das partes inspirado num desenho-animado de culto, Telemachy nasce de uma semana em Londres, na companhia de Rory Brattwell, uma espécie de guru local do rock descarrilado praticado por combos de baixista e baterista, e outras trupes. O disco, apadrinhado por Henrique Amaro, na Optimus Discos, brinca com os mitos da Odisseia, parte loiça melódica e não desonra a boa vibração pontualmente corrosiva a que já estávamos habituados nos Three and a Quarter.

Quem já viu, diz que o duelo de ritmos faz maior mossa quando Alex e “Sab” deitam o palco abaixo como Godzilla e Mothra derrubam arranha-céus, num filme de bichos em Tóquio. A prova dos novos sucede-se no Cabaret Maxime, de Lisboa, no dia 27 de Novembro, quando os Youthless semearem tempestade, numa noite que conta também com o arrombo dos Ur MA e a animação do colectivo de DJs do Bodyspace, na apresentação dos 50 melhores singles da década e outras surpresas. Em antecipação, os Youthless navegaram nas questões do Bodyspace até ao que importa saber sobre Telemachy.
É essencial perguntar como se sucedeu a transição de Three and a Quarter para Youthless.

Sebastiano Ferranti: Não houve qualquer transição… São duas bandas completamente diferentes. Three and a Quarter foi nossa primeira banda a sério, aquela que começámos aos 15 anos e que ainda existe. Youthless é outra banda com dois membros dos TAAQ. Os dois já tocámos e participámos em muitos projectos musicais.

Alex Klimovitsky: Não queremos comparações com TAAQ, mas às vezes as pessoas gostam de ficar presas com esse tipo de coisas. E, sim, nunca acabámos com TAAQ. Há vários anos decidimos parar de tocar concertos ou editar coisas, e concentrámo-nos em escrever e improvisar música que curtimos, e acho que vamos continuar a fazer isso no futuro.

SF: Youthless começou completamente na brincadeira. O Alex queria aprender a tocar bateria e a nossa ideia original era fazer uma banda de covers de Black Sabbath, só com nós dois e sem voz... Só curtir os riffs da banda de metal original! Mas logo no primeiro ensaio escrevemos quatro originais muito diferentes e a coisa continuou a partir dali. Sendo só dois o som ficava um pouco vazio e barulhento de início, mas encontrámos uma solução, que foi tocar baixo através de vários amplificadores ao mesmo tempo com sons diferentes. Depois eu alternava entre eles com um footswitch para simular que havia mais elementos na banda, e, com esse ingrediente, o som estava completo e nasceu Youthless!

AK: Sim, assim que Sab inventou o monster bass sound!, a coisa começou a sério!

Falem-me também mais aprofundadamente da relação entre o disco e o conto inspirado na história Grega de Telêmaco? Encontra-se também nas letras?

AK: O EP conta uma história que nos criámos, e tudo no EP encaixa com esse conto, desde as letras à música, o artwork da capa, até as ligações e barulhos marrados entre as canções. O conto foi inspirado e este profundamente ligado à história de Telêmaco e aos temas psicológicos que percorrem os primeiros quatro poemas da Odisseia: rituais de passagem da infância para a idade adulta.

Basicamente o conto relata a história do filho de um navegante heróico, um aventureiro como o próprio Odisseu. O filho cresce sem pai, mas a ouvir as histórias das aventuras do pai. Eventualmente, o miúdo decide ir procurá-lo e navega sozinho por todo o Oceano Pacifico. Ao fazer isso, converte-se lentamente num viajante e aventureiro, igual ao pai que ele procura. Primeiro, ao seguir os passos dele, e, depois, ao construir o seu próprio percurso. Eventualmente (tema 5), ele chega ao fim do mundo e atravessa-o. É aí que ele encontra uma terra de crianças, e também encontra o pai dele agora convertido num miúdo como ele. Eles tornam-se amigos e constroem um lar para ambos nesta terra nova.

Em vez de narrar a história, as letras são mais tipo um “diário de bordo” psicológico do protagonista durante a viagem. Acho que o disco ficou coerente, mas também aberto. Assim dá para ouvires e interpretares de outra maneira completamente diferente. Foi por isso que não escrevemos o conto no livrete e deixámos as interpretações em aberto.


O nome da banda e da música “Golden Age” apontam para o cancioneiro de Beck. Existe alguma relação especial com Beck ou é pura coincidência

SF: Foi pura coincidência. Lembro-me de fazer pesquisas na net e aparecer só resultados de Beck. [risos]

AK: Ya, pura coincidência mesmo. Por acaso eu adoro o álbum Sea Change de Beck. É aquele que tem a música “Golden Age”. Mas ainda nem ouvi a música “Youthless”. Pura preguiça da minha parte…


Calculo que o percurso de Three and a Quarter tenha sido a certa altura mais irregular devido às distâncias, não? É mais fácil conciliar as disponibilidades para Youthless, quando são apenas dois?

AK: Eu moro cá em Lisboa, em Alfama, a quinze minutos a pé da casa do Sab. A distância não é assim tão grande. Eu sou de Nova Iorque, mas vim para cá aos 14 anos e fiquei até aos 18. Depois voltei para lá para estudar, mas depois, em 2003, voltei para viver cá. Ainda passo muito tempo em Nova Iorque, porque a minha família e grande parte de meus amigos residem lá. Mas eu passo a maior parte do ano aqui. Gosto muito de Portugal.

SF: Eu sou inglês, mas nasci cá e também moro cá, só que estudei na Inglaterra, onde vive quase toda a minha família. Com TAAQ, houve vários anos em que cada um de nós estava a estudar num país diferente, e, assim, tentávamos fazer digressões e gravar nas férias da Universidade. Isso foi um pouco difícil, mas sempre arranjávamos maneira.

O Telemachy parece-me um EP muito espontâneo em termos da formação das canções e da gravação. Foi realmente assim? Aquela semana em Londres foi o que bastou?

SF: Sim, aquela semana em Londres, além dos dez dias aqui em Lisboa, antes de partir. Dez dias que passámos a escrever, a planear e a fazer demos. Por acaso o processo todo foi bastante tranquilo em Londres e aqui. Na pré-produção, íamos à praia quase todos os dias e acho que o Alex até escreveu a letra de "Out There" dentro de água enquanto surfávamos. À tarde fazíamos demos das músicas para entendermos as estruturas. Foi nessa semana que os meus sobrinhos, Sebastian e Rosita, as crianças que aparecem nas faixas 6 e 7 do disco, assistiram às gravações das demos. Eles dançavam na sala e cantavam juntos nos takes. Aproveitámos as vozes deles e mais uns feedbacks, que gravámos na sala, e depois usámos isso tudo com o Rory, em Londres. Esses dias com eles foram mesmo essenciais para o nosso espírito e para colocar tudo em perspectiva.

AK: Sim, o EP foi uma combinação muito fixe de premeditação, improvisação e sorte. Uma vez que tínhamos o conceito, tudo começou a encaixar tipo os Transformers, ou, se calhar, mais tipo Voltron: cada ideia e peça tem a sua própria vida e mérito, mas também é uma peça de uma história muito maior que constitui o EP. Como os 15 veículos do desenho animado que podem juntar-se e formar o robot gigante Voltron! Ou tipo o Wu-Tang Clan. Os sobrinhos do Sab actuaram como a cabeça do Voltron, ou como o RZA no Wu-Tang: estabeleceram as prioridades e puseram-nos no bom caminho.

Depois do EP, já têm fundações para um próximo álbum?

SF: Sim, temos bastantes músicas. Gostamos muito de improvisar nos ensaios e tentamos gravar essas ideias enquanto tocamos com o meu DPS-16. De momento temos muito material fixe lá dentro. Estamos a decidir como queremos gravar a próxima coisa. Temos várias ideias e opções.


Reparei que, em relação a Three and a Quarter, o som de Youthless passa por uma maior diversidade de instrumentos. Sentem que novos pedais, sintetizadores e teclados resultam normalmente em novas músicas?

SF: Sim, resulta. Nós ensaiamos na mesma sala desde que somos putos e fomos acumulando bué tralha super-velha mas fixe. Gostamos de brincar com essas coisas. A sala e o seu conteúdo são super importantes para o som da banda. Com cada pedal novo ou instrumento novo, que experimentamos, sai uma série de canções novas. O Alex até toca cowbell com uma panela, que usámos numa viagem a Marrocos há bué anos.

Mas estamos sempre a trocar de pedais de efeitos e a experimentá-los com set ups diferentes. Muitas vezes porque as coisas vão-se partindo ou porque eram emprestados. No concerto da Vice, a minha pedaleira super-barata pifou e nos seguintes concertos toquei com um set up super-simples: distorção em cheio e muito reverb no amplificador de guitarra, e funcionou lindamente. [risos] Não há regras com o nosso som. Em Inglaterra, os sons da primeira música do EP foram feitos com sacos de plástico e garrafas de água, e os sons dos sintetizadores foram feitos nuns teclados que o Rory tinha, super-antigos e meio-partidos, mas com sons muito característicos. Se alguma coisa soa bem, porque não utilizá-lo?

Como é para ti, Alex, aliar agora a bateria com as vocalizações? Já tinhas experiência prévia nisso? Eras um bom nadador durante a tua juventude?

AK: Eu brincava na bateria de vez em quando depois dos ensaios com outras bandas, mas Youthless é a primeira banda em que toco bateria a sério (há um ano e pouco) e ainda não tenho bateria em casa, nem forma de ensaiar sozinho. Ainda estou aprender, mas o Sab é mesmo baterista e motiva-me muito, e isso ajuda! Cantar e tocar ao mesmo tempo é divertido, mas bué cansativo. Ainda estou a aprender e já tive black outs em concertos. Nós os dois tentamos surfar quando podemos e isso ajuda bué com a respiração.

Como correu aquele concerto no lançamento da revista Vice?

AK: O Sab arrebentou com os sub-graves do PA, Eu mandei a bateria abaixo na última musica e quase levei um soco do responsável, porque era uma bateria alugada. Também dei um discurso, muito bêbado, entre as músicas, sobre os perigos do coke dick. Aquilo que acontece a alguém que cheira tanta coca que não consegue ter depois uma erecção. E o Sab tocou baixo de um modo tão forte que fez um buraco no seu polegar. Mesmo! Tudo isto para dizer que foi lindo. VICE Magazine e bar aberto é uma combinação letal.

Em conversa, há sempre um amigo que refere a dificuldade em encontrar determinada música de Three and a Quarter surgida num filme de surf ou bodyboard. Ainda houve muita coisa que ficou fora dos discos?

SF: Sim, há muita coisa por aí. E ainda há imenso material para gravar, mas tudo no seu tempo. As últimas gravações que fizemos foi ao vivo, na nossa sala de ensaio, para o documentário Sounds of Waves de Luke Thorpe. Ele filmou-nos a tocar ao vivo com duas câmaras de HD e captámos o som com duas máquinas de 6 pistas e 8 pistas, em simultâneo. O filme é muito louco mesmo e até gravámos uma música em Digital 5.1 Surround Sound. Assim, algumas das nossa músicas ficaram super tripalhocas. Vai a Monumental Enterprises para mais informações sobre o filme. E há um vídeo no You Tube com essas gravações.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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