Ter 17 anos é uma boa oportunidade para fazer investimentos sérios. Arranjar uma namorada, por exemplo, ou começar uma colecção de discos (ou continuar a do pai que entretanto se deixou dessas coisas), fazer a primeira viagem pela Europa, iniciar uma biblioteca onde constem alguns dos nomes mais pertinentes da literatura mundial, plantar uma árvore e começar a pensar seriamente em escrever um livro ou arranjar alguém que o escreva um dia em jeito de biografia. Ter 17 anos é até uma boa idade para se deixar de escrever o próprio nome em tudo o que é caderno, quadro, ou maços de tabaco. Para alguns é ainda idade de escrever com k, para outros ainda altura de lançarem um disco depois de se terem metido numa cave – a cave da casa dos pais, claro está – e escrever e gravar um disco de estreia a solo. Para Khonnor é tempo das duas últimas (pelo menos). Alguns vão dizer “ai, no meu tempo não era nada disto, o miúdo devia era aplicar-se nos estudos se ainda quer ser médico”, e vão deixar passar Handwriting, atirando-o para o esquecimento. O que é uma pena. Parece quase incrível dizê-lo, mas o puto não começou a fazer música ontem, pois já em 2002 e 2003 mostrou trabalho assinando como Grandma ou I, Cactus, (lançados apenas na Internet) mas recuso-me – por razões óbvias – a enumerar aquilo que se pode fazer com, por exemplo, 15 ou 16 anos.

Não se sabe muito bem qual a colecção de discos que Connor Kirby-Long possa ter, mas estaria quase disposto a apostar em como já ouviu Loveless dos My Bloody Valentine. Isso e alguns discos essenciais da chamada folktrónica. E é precisamente assim que Handwriting (que demorou dois anos a ser trabalhado) soa: ao meio caminho entre ambas as estéticas: a folktrónica e o shoegaze. Em “Daylight and Delight”, por exemplo, a voz quase desaparece por entre as paredes sonoras (alguma electrónica, alguma guitarra acústica, entre outros elementos) até que a certa altura se torna quase impossível distinguir qualquer um dos instrumentos – a génese musical do shoegaze. O vírus benéfico alastra-se por temas como “Megans Present” (que mais ou menos a meio é entrecortada por alguma electrónica mais upbeat) e “The Stoned Night” (onde os sopros humanos e só humanos se demonstram arrepiantes) e a outras tantas faixas. Connor Kirby-Long parece sentir a necessidade de preencher os seus temas da maneira que melhor lhe convém.

Curiosamente (e curiosamente tendo em conta o seu titulo), “Dusty” é clara e limpa no seu desenvolvimento essencialmente feito na guitarra acústica, e por isso aconselhável a quem possa achar Handwriting enjoativo ou diabético. Mas para aqueles que optem por essa dieta, as alternativas não são muitas. A meio caminho entre essas duas realidades está “Screen Love, Speace, and the Time Man”, aquela que é uma das melhores faixas deste disco (ao lado de “Daylight and Delight”, “Megans Presence” e, vá lá, “An Ape is Loose”) e uma das que melhor resumem aquilo que Khonnor aqui conseguiu (embora o tema de abertura – “Man from the Anthill” - também possa servir na perfeição para cumprir essa tarefa).

Agora a parte má de toda esta história. Khonnor esqueceu-se de que o miolo do disco tinha de ser interessante (e unir na perfeição as duas admiráveis extremidades). “Kill2” e “Phone Calls from You”, por exemplo, são duas faixas verdadeiramente inconsequentes. Por outro lado, Handwriting acaba por ser um pouco vitima de aprisionamento no xelindró da repetição estilística (situado num bairro perigoso, claro está), mas a verdade é que quem aos 17 anos lançou um disco destes aos 71 pode ser uma estrela. Pode não ser o disco revolucionário (e não é de certeza) que todos gostaríamos de ver em Khonnor (e o facto de Connor Kirby-Long ter apenas 17 anos quando lançou o disco aguça ainda mais essa vontade), mas é ainda assim um disco de profunda beleza.