DISCOS
Isobel Campbell & Mark Lanegan
Sunday at Devil Dirt
· 21 Mai 2008 · 08:00 ·
Isobel Campbell & Mark Lanegan
Sunday at Devil Dirt
2008
V2 / Nuevos Media


Sítios oficiais:
- Isobel Campbell & Mark Lanegan
- V2
- Nuevos Media
Isobel Campbell & Mark Lanegan
Sunday at Devil Dirt
2008
V2 / Nuevos Media


Sítios oficiais:
- Isobel Campbell & Mark Lanegan
- V2
- Nuevos Media
A versão transatlântica d’O Capuchinho Vermelho é contada pela segunda vez, sem melhorias significantes ou danos aparentes, mas resultando sempre em proveito.
O efeito hard candy apoderar-se-á de novos enquadramentos enquanto houver alguém aparentemente frágil e inofensivo que, aos olhos dos crentes nessas primeiras características, se revele mais tarde como um ser manipulativo e estrategicamente brilhante. Procurar inverter o simbolismo do vermelho tentador do Capuchinho Vermelho não representa particular novidade para Isobel Campbell, que estarreceu os mais susceptíveis corações indie ao abandonar os Belle & Sebastian, eternos académicos da pop solarenga contaminada por ironia, rumo a uma maior autonomia que, em nome próprio, viria a libertá-la para voos pop de grandeza orquestral e flirts vários mantidos com a era dourada da música americana - caprichos até aí ensaiados em família nos Gentle Waves.

Compreende-se porém que a rebeldia de Isobel Campbell procure diferentes soluções para satisfazer a sua fome. Eis que surge então em cena o lobo mau, que, em desacordo com aquele que conhecemos à história, trinca voluntariamente o isco e assim deixa o seu uivo murmurado à mercê de quem o possa utilizar para propósitos de contraste entre o celestial e o maldito. O lobo mais não é do que Mark Lanegan, sobrevivente grunge e vocalista muito solicitado para empréstimo do seu negrume áspero, e Sunday at Devil Dirt a segunda das armadilhas maioritariamente arquitectadas por Isobel Campbell (um pouco como Madonna aprisionou os mais aclamados produtores no seu mais recente álbum Hard Candy). Isobel encarregou-se então de compor a quase totalidade do disco e só depois convidou Lanegan a caminhar pela estrada de tijolos amarelos calcetada pelas preferências musicais da ex-Belle & Sebastian e abrilhantada pelo descaramento assumido na luxúria dos arranjos escolhidos que, na prática, foram potencializados em secções de cordas e sopro que parecem trajadas a rigor para uma passadeira vermelha que é desenrolada apenas em nome dos mais refinados prazeres vintage.

Revolvendo (esgotando?) as escavações vintage já visitadas no primeiro disco resultante da colaboração, Sunday at Devil Dirt torna inevitável a recuperação das mesmas analogias fabulares e das desgastadas comparações à química lendária entre Lee Hazelwood e Nancy Sinatra, porque, na verdade, não difere assim tanto do seu antecessor ou da projecção concebida pelas expectativas amenas que possa ter gerado quando foi anunciado (em simultâneo com a revelação de que Isobel e Lanegan viriam a gravar nos mesmos estúdios e não apenas unir os seus contributos na mesma mesa de mistura, como acontecera em Ballad of Broken Seas).

Mesmo assim, são muitos e convincentes os prazeres espalhados por toda a parte deste Domingo em que a pradaria serve como tribunal onde um “matrimónio de cumplicidade” é remetido a todo o tipo de questões: estejam essas presentes nos uivos ciosos de Lanegan ou na teia sedosa da voz quase mística de Campbell, no rol de momentos pré-climáticos ou nos rituais de sedução “musicalizados” com alguma teatralidade, na flutuação dos magnetismos vários em torno de uma vida a dois ou na aposta quase inconsciente de uma frase como If your love is true / Then my money is on you (o tipo de coisa que Johnny Cash podia confessar como apontamento cedente em relação à sua susceptibilidade enquanto "homem, o animal de vícios"). Adicione-se a esse lucro o obtido com duas memoráveis e fatais canções de “engate”, como “Come On Over (Turn Me On)” e a mais hipnótica “Back Burner”), e isso deve ser suficiente a que se dê por bem dispendido o dia santo nesse terreno de desejos mais ardentes que tem como proprietário o Diabo.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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