DISCOS
Machinefabriek
Kruimeldief (Remixed)
· 20 Dez 2007 · 08:00 ·
Machinefabriek
Kruimeldief (Remixed)
2007
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Machinefabriek
Machinefabriek
Kruimeldief (Remixed)
2007
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Machinefabriek
Enigma de urgente resolução na área da mais abrangente electrónica estimula teses de reconstrução absolutamente impressionantes.
Tudo aponta para que o grande ensinamento a reter ao ano de 2007 seja um qualquer que frise a obrigatoriedade de serem esgotadas todas as hipóteses possíveis quando toca à resolução de um mistério imenso que, por arrasto, se torna apaixonante. Sobre o enigma Machinefabriek sabe-se muito e muito pouco. Contudo, percebe-se, após uma intercepção deste universo, que, no caso crescentemente sonante de Machinefabriek, cada solução terminal é um gremlin que se mutiplica em três novas interrogações (sintoma esse que se descobre frequentemente aos estetas que se entretêm em fazer da sua obra um labirinto de referencialidade). Não admira pois que a investigação pericial da peça “Stofstuk”, o original de Machinefabriek também incorporado na colectânea, mereça a intervenção de um conjunto de nomes incontornáveis do estudo exaustivo da genética sonora. Deve a audição colocar-se em sentido para avaliar o contributo de mestres como Kim Cascone, Alva Noto ou Pita, que, tal como os outros nomes, actuam sob o pretexto da remistura de um mesmo tema, embora o resultado transcenda em grande parte dos casos as restrições normalmente associadas a esse método.

Mas antes de ser feito o levantamento das “remisturas”, importa saber mais aprofundadamente o que leva o holandês Rutger Zuydervelt a reunir tamanha atenção (ou até mesmo devoção) em torno da sua identidade Machinefabriek. Tendo isso em mente, refira-se que, além do tal mistério que aguça a engenhosa inspecção de terceiros, o autor que serve de mote a Kruimeldief representa na perfeição um daqueles fenómenos de produtividade que atrai fascínio, sem quebrar com a simetria entre qualidade e o tempo exigido para a obtenção da mesma. Sendo que não haverá mais flagrante prova disso que a dupla compilação Weeler, lançada este ano para bem dos interessados em recuperar a quantidade avultada de (esgotadíssimos) 3” polegadas acumulados por Machinefabriek em poucos mais de três anos.

A qualidade compreensiva das 22 faixas incluídas em Weeler serve idealmente ao estabelecimento de contacto directo com um trabalho que persiste em não conhecer repetições – anulando essa hipótese por meio de drones sustentados além do que determinaria o sentido prático da escassa paciência (mergulhe-se na titânica “Leif”), activando conjugações à partida descabidas (escute-se “Chine Unpopular Song”), explorando as mais diversas ambiências a partir dos mais improváveis recursos (atente-se a como pode ser benigna a rugosidade de algumas texturas deturpadas em Weeler). É muita fruta. Compreende-se que muitas sejam também as mãos prontas a colhê-la e outras tantas as dispostas a oferecer as melhores condições ao seu cultivo (a Type e a Root Strata esgotam-se em elogios ao prodígio que também editam).

Embora impossibilite quaisquer prognósticos relativos às remisturas que lhe são dedicadas, a peça-base “Stofstuk”, sem ser particularmente surpreendente, contém uma fértil base de dados sonoros propícios à reutilização: uma minúscula irritação glitch cresce em paralelo a um som contínuo até à chegada de uma série de sons tubulares espaçados. A partir daí, tudo é bem-vindo na sua imprevisibilidade. Cedo ficamos a saber que, aparentemente e desde que lançou Leise, não deve andar muito estável a vida familiar de Freiband, tal é a massividade do seu ataque de glitch em forma de arma branca. Por sua vez, Jgrzinich isola “Stofstuk” em câmara de sons mínimos ampliados, ao jeito claustrofóbico do vizinho de alinhamento Kim Cascone, colaborador habitual de David Lynch, que aproveita o ruminar às paredes de um cenário lynchiano para manter um segredar incomodativo apenas abalado pela interferência de um drone que mói como um frio invernoso que corta. O contributo de Greg Haines, que antecede ao do ocasional parceiro Xela, corresponde firmemente a narrativa autónoma blindada por um relevo sinfónico que nada tem de circunstancial (e em muito excede o que se espera da remistura tarefeira). Os pesos pesados provam porque continuam a ser nomes de topo: Alva Noto constrói um relógio de cuco hipnótico a partir da utilização pendular dos tais sons tubulares, Pita renasce das suas cinzas ruinosas para frisar a capacidade elevatória dos sons contínuos da peça original. Há também brinde novelty na quase dançável subversão de Oh No (o conterrâneo que - reveladoramente - tem como amigos de My Space a Ghostly International e Ed Banger). Embora se verifique também o ocasional “vacilo” (tratam-se, afinal, de 26 faixas), Kruimeldief traduz-se numa montra de talento firmado e por firmar à electrónica que não se acanha de renovar imaginativamente formas estabelecidas.

Deduz-se que a abundância presente em Kruimeldief procure, de alguma forma, prestar homenagem a alguém que, com um fôlego olímpico, não cessa de lançar música experimentalmente pertinente e susceptível de provocar fome de mais (a generosidade do tributo estende-se às faixas cedidas gratuitamente em: http://www.machinefabriek.nu/kruimeldief/). Acaba a compilação por ser também esta colossal compilação uma resposta que gera três questões subsequentes. Onde termina o imparável Machinefabriek? Qual é afinal a definição exacta de remistura? Em que direcção ruma tão impressionante conjunto de criativos? Mesmo que não sirva às interrogações colocadas, a resposta que importa é toda aquela que destaque ao presente ano o nome de Machinefabriek e as conspirações por ele geradas.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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