Prince Rogers Nelson (1958-2016) – Ficamos só a olhar para o palácio?
· 27 Abr 2016 · 09:29 ·
© Nandy McClean

O percurso de descoberta da obra de certos artistas pode assemelhar-se a querer arrumar uma mansão de vários hectares, à qual são constantemente adicionadas novas divisões. Mesmo que consigamos decidir por onde começar (Primeiro disco? ”Best Of”? Álbum mais vendido? Singles?), fica por saber até onde conseguiremos ir. Se não gostarmos daquilo que ouvimos, se calhar torna-se mais fácil. Mas e se adorarmos? Queremos ir além do ponto de adoração? Queremos arriscar limpar a próxima divisão, quando aquela em que estamos já está tão limpa, reluzente e acomodativa?

A resposta a esta pergunta, a julgar pela última vez que vi Prince ao vivo, num festival ao qual jurei nunca mais voltar depois da edição que se seguiu, foi, para muitos, Não. Não será caso único, sobretudo entre a comunidade melómana. O concerto em que músicas que tanto nos dizem são sistematicamente, ou ignoradas, ou recebidas pouco efusivamente, ficando os gritos e as palmas reservadas para 2 ou 3 canções. Na altura desse festival, a minha colecção de discos de Prince era ainda reduzida. No entanto, foi impossível não reparar na discrepância entre a euforia em palco, onde funk, soul, rock, disco, etc, brincavam à apanhada uns com os outros, e se divertiam como adolescentes a jogar ao quarto escuro, e uma multidão que só pareceu aguardar as interpretações de “Purple Rain” e “Kiss”.

Não se trata aqui de menosprezar tais canções. Quer uma quer outra são obras-primas. Tal como o são “Raspberry Beret”, “Alphabet St.”, “Sign O’ The Times”, e tantos outros dos seus grandes êxitos. O que está em causa é que Prince e a sua obra merecem outra dedicação. A mesma que ele, e a sua banda, exibiram nessa noite, em fantásticas demonstrações instrumentais e vocais, onde o virtuosismo – Prince era assombroso na guitarra - era colocado 100% ao serviço do ritmo, da dança, da celebração. Onde o objectivo dava todo o ar de ser, claramente, querer que o parceiro/público se divirta tanto quanto quem está em palco. E sabendo do historial do sexo na música de Prince, que não se ficava só por beijinhos, tal comparação fará ainda mais sentido.

É um risco vivido por qualquer artista que tenha alcançado um certo grau de sucesso. Às vezes é um caso de culpa própria. Ou não conseguiram nunca escrever algo que fosse tão bom, ou espremeram de tal forma um ou uns poucos sucessos, que o público já não aceita mais nada. Pode-se também ser Radiohead, e não tocar o primeiro êxito. Não por petulância, mas por achar que já não faz sentido. Noutros casos, o artista não tem controle sobre o que a rádio ou outros meios divulgam da sua obra. Só que, dê-se as voltas que der, no caso de Prince, acaba-se sempre no mesmo ponto. O tipo fazia música fabulosa. Multifacetada, arrepiante, pegajosa, e com o funk, se não assimilado e oferecido aos ouvintes, à distância minima para que pudesse ser repescado a qualquer altura.

Mesmo sem essa noite, teria continuado a procurar adicionar música de Prince à minha colecção. E a sua “mansão” tem constantemente mostrado estar repleta de divisões onde tudo pode ser uma surpresa, e ao mesmo tempo fazer aquele sentido de “Como é que este tipo se lembrou disto e saiu tão bem?” Prince tinha grande orgulho na sua obra. Isso, ao menos, torna-se inegável no meio de tanto mistério que ainda rodeia o seu pensamento e as suas ideais. Talvez o tivesse porque experimentou tanta coisa, tantos géneros, tantas combinações, e tenha tido tamanho sucesso criativo. Basta dizer que há dias, desde a fatídica notícia, que o riff de orgão de “Delirious” não me sai da cabeça. E é provável que pudesse redigir um parágrafo inteiro a enumerar todas as que já descobri na dita exploração. Talvez agora, que a mansão só voltará a crescer com o material que sobrou depois da partida dos construtores, haja a vontade de mais gente de explorar mais fundo. Mas é pena. É pena que, mesmo depois de tudo isso, saibamos que já não poderemos reagir à voz de Prince Rogers Nelson a dizer ”oh oh let’s go” (“Let’s Go Crazy”).
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com

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