Uma primavera cheia de sons
· 27 Mai 2003 · 08:00 ·
No passado dia 24 de Maio Portugal participou na última edição do Festival Eurovisão, a 47ª para ser mais exacto. A nossa representação ficou a cargo de Rita Guerra, que interpretou a canção “Deixa-me sonhar (mais uma vez)”. O resultado, porém, seria desastroso e ficou-se pelo sonho, não conseguindo ir além do 22º lugar num total de 26 concorrentes. Mas já estamos habituados.

A nossa participação, que obteve apenas 13 pontos, não deixou de ser curiosa. Depois de o tema (cantado em português) ter sido escolhido pelos espectadores da RTP, não se entende porque motivo, e durante a actuação de Rita Guerra, cerca de um terço da canção ter sido interpretada em inglês. Agora, e inevitavelmente, ficará para sempre uma dúvida – teremos ou não sido beneficiados/prejudicados por essa pequena aventura em inglês? Nunca saberemos, da mesma forma que o Reino Unido ficará sem saber se ficou em último lugar e sem um único voto como castigo pela sua recente atitude pró-guerra.

Como sempre, o Festival Eurovisão parece ter ficado marcado pela habitual sombra das simpatias entre países vizinhos e votos estratégicos. Mas se calhar é por isso mesmo que tem interesse e nos diverte tanto. Com excepção, é claro, para as medíocres classificações portuguesas.

Já que se fala de música, interpretes e vencedores, não poderíamos deixar de fazer uma referência à Operação Triunfo, que na noite seguinte revelaria os três grandes vencedores de um programa onde se procuram “criar” potenciais grandes cantores. Também aqui não existiram grandes surpresas. Mal se ouviu a frase “60% dos votos foram via RTP Internacional” e logo se adivinharam dois dos vencedores. Justos? Cremos que sim. Aliás, todos saíram, e de certa forma, vitoriosos. Pelo menos aprenderam muito e têm uma oportunidade para se mostrarem, um privilégio raro nos dias que correm. Porém, não deixou de ser curioso que tenham escolhido um tema em português como segunda opção. Compreensível? Em alguns aspectos sim, mas no caso da Joana não. A versão de “Lágrima”, um tema que Amália popularizou, foi muito superior ao cansativo e desinteressante “Foolish Games”. Opções.

Para terminar poderíamos falar da presença assídua de discos portugueses nos lugares cimeiros da tabela de vendas, entrando num discurso tipo “afinal as coisas não estão assim tão mal, e eu que sempre chamei a atenção para os problemas da música portuguesa agora sinto-me um herói porque os factos falam por si”, mas não. E porquê? Primeiro porque os seis discos que fazem parte do Top 10 não são representativos do que melhor se faz em Portugal. Segundo porque quatro desses discos não trazem nada de novo. E terceiro porque apenas dois são verdadeiramente álbuns de originais, mas fruto do peso de um nome de sucesso ou de um prémio que fez mudar a percepção artística de um dia para o outro. Tendo em conta estes argumentos preferimos, e isso sim, mencionar alguns dos recentes lançamentos discográficos. Nas duas últimas semanas temos a registar os discos de estreia de David Fonseca e Mesa, dois trabalhos de grande nível que, e no caso do David Fonseca, já se ressente em termos de vendas (terá o efeito Silence4 alguma influência nesta ascensão tão rápida?). Temos ainda o excelente “Le Jeu”, do projecto Balla, e o “Carícias Malícias” dos Mão Morta, que reúne alguns dos clássicos da banda de Adolfo Luxúria Canibal ao vivo. Nas camadas jovens uma referência especial para a mais recente compilação da Bor land, que inclui temas de Bildmeister, Murangus, Tenaz e Kubik, entre outros, num total de 14 novos projectos do que melhor se tem vindo a fazer em termos de produção nacional, e uma surpresa no campo do hip hop, através de “100 Insultos”, da dupla Infamous & VRZ. Caso para dizermos que esta primavera solarenga está a fazer desabrochar muita música interessante.
Jorge Baldaia

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