Top Discos Portugueses 2012
· 18 Dez 2012 · 00:03 ·
© Sofia Miranda

Pode parecer masturbador mas, acreditem, até nem é: não deixa de ser incrível a quantidade de música produzida anualmente num território com as dimensões de Portugal. Está dito. Mais: não deixa de ser surpreendente a quantidade de músicas distintas produzidas e editadas neste país de Janeiro a Dezembro. Havia muito para dizer acerca dos motores deste boom musical português, dos seus agentes e propulsores, dos fenómenos locais e hábitos nacionais, mas o melhor é guardar isso para outras ocasiões: o que importa aqui mesmo é celebrar aqueles que são para nós os dez melhores discos portugueses do ano. Sem mais demoras. André Gomes

10
Bro-X
Beyonce
Quando Beyoncé foi disponibilizado para download gratuito, alguém comentava ser necessário escrever um texto sério sobre o mesmo, já que, citamos, «raramente a música consegue captar / cartografar / comunicar a realidade de uma geografia física e/ou mental desta forma». Certo. Mas, por outro lado, desvirtuaria todo o conceito Bro-X, espécie de kayfabe do hip-hop que gerou malhas tão fascinantes e potenciadoras de memes quanto "Bun Bomba" ou "Karla Puta". Assim sendo: IxTuH Ñ Eh PrA PeNxArEm Mt YaH?!?! BrOxIs É bRoXiS e Ñ mErDaX p BeTuX iNdIeS. PrOpS p O mEu PpL dU XaNgAi, TaMuX CnVoSkO, oNe LoVe!1! KoNtInUeM a DaRLhE FoRtE! BtW oNtEm TvA K oX mEuX kAmAx N bAiRrUh E pAxOu A KaRlAh LOOOOOOOOOOL, tDa FuDiDah!!! Paulo Cecílio
9
Diabo Na Cruz
Roque Popular
O Diabo Virou! a página durante a criação deste Roque Popular. Ainda há ecos de fachadismo ao longo das dez faixas, é certo, mas a toada tornou-se mais intensa e trepidante. Para o comprovar, temos logo uma “Bomba Canção” na abertura e outros temas, como “Baile na Eira”, que fazem da energia uma arma de arremesso implacável. Mas o que torna este disco fascinante é o facto de formar um todo ultra-coeso por via de canções com força (as referidas atrás), lirismo (“Luzia”, “Fronteira” ou “Memorial dos Impotentes” servem de contra-peso perfeito) e apelo dançante – como é que “Chegaram os Santos” ainda não se tornou o hino oficial das festas populares?! E o cimento que conduz a este sentido de unidade estética vem de uma alquimia rara: às letras e instrumentais certeiros junta-se o cruzamento de linguagens tradicionais e contemporâneas, rurais e urbanas, sejam elas musicais ou orais. Siga a rusga, meus senhores! Hugo Rocha Pereira
8
Filipe Felizardo
Guitar Soli for the Moa and the Frog
O silêncio existe de diversas maneiras. Quando se quer erudito, beija o génio de John Cage e perpetua a lenda de 4'33''. Quando se quer comercializável e cançoneteiro ao estilo pop, agarra-se às guitarras e aos beats dos The XX. E quando se quer contemplativo, pessoal de uma forma que possamos dizer este silêncio é dele, mas é igualmente meu, toma a forma de alguém como Filipe Felizardo. Guitar Soli... não é um belíssimo disco: é um belíssimo poema. Tanto que apenas outro poema o poderá descrever: «Escuto na palavra a festa do silêncio. / Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se. / As coisas vacilam tão próximas de si mesmas. / Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas. / É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma». Leia-se, então. Paulo Cecílio
7
Capicua
Capicua
Há já muito tempo que a música portuguesa precisava de alguém como Capicua. Estão lá os instrumentais certos – Sam The Kid com a bravura que se lhe conhece, D-One a afirmar-se como um dos mais interessantes produtores nacionais. Está lá o flow – combativo quando é preciso, suave e terno quando as rimas o pedem. E estão tão lá as palavras. Nisso não há como não se render, Capicua escreve como poucos e encontrou no rap a forma ideal para se exprimir. Isto é um disco de coração aberto – as rimas, com ressonância em sentimentos colectivos, mas também o corpo das canções, formatadas com a empatia de quem quer ser ouvida. Seja com armadura de guerrilheira ou a expor as feridas, as palavras são cuspidas sem papas na língua, por vezes com nós na garganta. “Maria Capaz” é uma malha, “Medo do Medo” é um manifesto, “1.º Dia” é um hino, “Casa no Campo” é um sonho desmaiado nas nuvens. É música dona do seu nariz, do Porto de corpo inteiro, para quem já teve o coração pisado e para quem já sentiu a sodomia de forças políticas e laborais – mas ainda com esperança de construir um futuro (numa casa que cheire a flores e frutos / gomas e sugus / doces e sumos ♥). Ana Patrícia Silva
6
Gala Drop
Broda
Na verdade, não é caso estranho discos de colaboração acabarem por ser bastante mais fracos do que a soma das suas partes faria supor. Seja pela fuga apressada para fora da zona de conforto ou pela comunhão estrita de adaptação às suas particularidades, parece haver sempre um terreno demasiado frágil para que todas as suas parte se façam sentir de igual modo. No caso de uma banda como os Gala Drop, mestiça por natureza, e da capacidade infinita de bem Chasny se inflitrar pelos mais variadas linguagens, essa proposição não fazia grande sentido a priori. E felizmente, em Broda não existiram quaisquer concessões de parte a parte: tanto o quarteto lisboeta como o mago das seis cordas se enredaram numa mesma narrativa mutante, com aquela saudável noção de risco para que tudo isto faça sentido. Andamentos dub, percussões macumbeiras, sintetizadores espectrais e guitarras em espirais de eco e distorção, todos a caminho de terreno não calcorreado com a segurança dos grandes. Broda é daqueles poucos discos que ainda me fazem acreditar que a ideia de uma jam band não tem necessariamente de ser perniciosa. Bruno Silva
5
Norberto Lobo
Mel Azul
Depois de Pata Lenta em 2009 e Fala Mansa em 2011, o músico lisboeta volta a provar, em, Mel Azul, o por quê de ser um dos melhores compositores portugueses da actualidade. Pondo de parte as nuances de experimentalismo que deixara transparecer no segundo disco, Norberto Lobo volta a apresentar-se a solo como guitarrista puro e duro. E bem. O dedilhar mantém-se genial e genuíno e a fonte de influências riquíssima. Neste disco ouve-se Lisboa, ouve-se o Mississipi, ouvem-se devaneios orientais e suspeitam-se zumbidos brasileiros. É de notar a extraordinária capacidade de construir narrativas sonoras através de um só instrumento e de modo que não se tornam monótonas. A versatilidade de Norberto fica comprovada não só pela variedade de géneros e estados que abarca ao longo do disco mas no interior das próprias canções. Não há uma linha estável a seguir, as composições são imprevisíveis e tudo pode acontecer. É essa a sensação que nos percorre quando ouvimos Mel Azul. A de que é quase um improviso. E como todos os bons improvisos, preparado eximiamente. Alexandra João Martins
4
B Fachada
Criôlo
Não tínhamos quaisquer dúvidas de que B Fachada é já um nome histórico da canção nacional. Impressiona a lata com que se lança a novos sons, novos perigos, novos absurdos (batidas que podiam estar karaokes africanos?) e se safa sempre com um sorriso, uma pinta de malandro, de gajo que tem um talento descomunal e que faz o que lhe apetece. Criôlo é isso, disco que fornece material para o dançarino malandreco ("Afro-xula" ou a deliciosa "Tendinite"), melancolia bonita a favor dos costumes livres ("Como Calha"), o elogio do aninhar com teclados oitentistas que são um tratado da música pós-irónica ("Carlos T"), música popular portuguesa enrolada num charro dub ("Quem Quer Fumar Com o B Fachada?"). O cuidado que Fachada aplica na métrica e na densidade de cada palavra (qualidades raríssimas, cá ou em qualquer parte do mundo) não contradizem a vontade de dançar que emana de Criôlo. Maravilhoso. Pedro Rios
3
Pega Monstro
Pega Monstro
As Pega Monstro já são muito mais do que mero tópico lol-fi e comprovam-no com este disco homónimo. Têm a atitude punk certa ("eu sou merda mas gostas de mim") e com pouco (voz, guitarra, bateria) atiram ao tapete bandas com mais elementos e instrumentos do que boas ideias. E que, por isso, não fazem grandes malhas como estas. Doze faixas, quase como se este número pré-adolescente fosse uma metáfora para o que afirmam em “Carocho” (do ”não quero ir à escola” ao ”hoje em dia tudo faz tão mal / não comas peixe nem carne nem vegetal”), “Dom Docas” – é escusado repetir um dos refrões de 2012 – ou “Afta”. Mas as manas Reis já não têm dentinhos de leite. Desde que as vi tocar pela primeira vez, a abrirem para Glockenwise no Music Box, deram um salto tão grande que não sei onde vão parar. Músicas como “Akon” ou “Suggah” relembram-nos do que são capazes bandas que fazem dos três acordes uma espécie de Pai, Filho e Espírito Santo da música. O nosso Aleluia não chega para lhes agradecermos isso. Hugo Rocha Pereira
2
Orelha Negra
Orelha Negra
O mundo seria mais bonito se propagasse mais rapidamente o talento dos Orelha Negra do que a nossa crise económica. Enquanto isso não sucede, a banda composta por Sam the Kid, DJ Cruzfader, Fred Ferreira, Francisco Rebelo e João Gomes vai fazendo pela vida por cá. Feliz encontro de pessoas afectas ao groove, ao hip-hop e à cultura urbana, os Orelha Negra são um pequeno milagre anti-tortura. E são uma bem-aventurada mistura entre tendências actuais e reminiscências soul dos anos 70. Podia ser um desastre misturar os egos de vários músicos de créditos firmados, mas é com deleite que vemos o seu álbum homónimo, que é já o segundo lançamento do colectivo, confirmar o prodígio.Throwback é a contagiante prova do fenómeno. Talvez outras áreas/instituições da vida nacional possam colher o exemplo dos Orelha Negra: concertar esforços, medir talentos e brilhar.Este Natal renda-se à maravilha portuguesa e compre/ofereça o álbum dos Orelha Negra. Eugénia Azevedo
1
Black Bombaim
Titans
Em Barcelos acordou um gigante. Na verdade, três gigantes, e nenhum de nome fantástico como Helius, Eon ou Atlas. Estes titãs não são atenienses nem gregos; são cidadãos do mundo, profetas do psicadélico, romancistas do riff, astronautas do peso e da medida rock; uma banda, uma simples banda, mas que durante uma hora, quatro minutos e cinquenta e oito segundos, ou durante o triplo ou o decúplo ou o infinito deste período de tempo se transformam na mais obrigatória das certezas – a de que são, a milhas, a melhor coisa que poderia ter acontecido em 2012. Os ecos de Titans, disco duplo, imensidão atmosférica e bolsa de viagens por territórios ainda nem sonhados, far-se-ão ouvir até à morte final do rock n' roll (se é que esta, alguma vez, acontecerá). Aos Black Bombaim, por Titans, e pelos seus concertos sempre imperdíveis, não poderemos dirigir outra palavra que não esta: “salvé”. O ano é todo vosso. Paulo Cecílio

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