Barcelos: terra de malhas, malhões e Milhões, a cidade do rock e do galo, e o improvável berço daquela que é já uma das vozes maiores do fado contemporâneo. Depois de se ter feito ouvir em casas do fado, tascas ou no Lux, ao lado de Nicolas Jaar, foi com este disco que Gisela João se estreou este ano. Impressiona como consegue apoderar-se de palavras que não são suas e fazer com que não pertençam a mais ninguém. De Ary dos Santos a Capicua, que surge aqui a reinventar "A Casa da Mariquinhas", são letras que vão da mais pura mágoa fadista à mais pura alegria minhota e que recebem interpretações agrestes na voz grave e carnuda de Gisela João. Entre feridas em carne viva, lábios sem beijos, viras e bailaricos, é um disco com muito para chorar e bailar. Gisela é fiel ao fado clássico na sua forma mais crua e poderosa, sem corantes nem floreados, e consegue cravar-se facilmente nas canções, sem abandonar as suas raízes nem a sua maneira espevitada. Porque há mais fado e há mais mundo para lá de Lisboa. Ana Patrícia Silva
A vida anda boa para quem se diverte a pegar em vozes que tanto devem à pop, como à soul ou r&b, e as coloca sobre elementos da larga tradição da música de dança. Quer dos EUA, quer no Reino Unido. Tal como Jessie Ware, AlunaGeorge, Inc., Rhye, The XX, James Blake, etc., nomes relativamente recentes, que em comum têm pertencer a gente talentosa , os Disclosure juntam-se a essa vaga linhagem. “Settle”, o disco de estreia dos irmãos Lawrence, retira as suas bases do “velhinho” 2-step. Mas retirando-lhe a ostentação que nunca lhe ficou bem, e aumentando a carga house. Junte-se as vozes de convidados tão ilustres como Jamie Woon, Jessie Ware ou AlunaGeorge, e temos uma “fórmula” que lhe dá pernas para dançar onde quer que seja. Nem é preciso muito. O que se houve, para lá das vozes, é basicamente ritmos mais um sintetizador, e uma ou poucas mais frases simples. Apenas tudo se encontra no ponto certo. Bom antídoto para quem gosta de pop e está farto da Treta-Guetta. Nuno Proença
Não diríamos que os Gramme são um caso único. Nem sequer a sua sonoridade. A banda, formada antes do início do novo milénio, de olhos postos na herança das derivações pós-punk nova-iorquinas, tem vindo a ver adiada a edição do disco de estreia, entre zaragatas e edições sob a alçada da Output, editora de Trevor Jackson. Mas ao fim de mais de uma década, podemos dar graças pelo lançamento de Fascination, disco de estreia dos veteranos. O mais fascinante nisto é mesmo a conjugação duma sonoridade já que reconhecemos nos Liquid Liquid, influência óbvia, com o legado mais recente da DFA e seus discípulos – também eles com raízes no som dos Gramme – embrulhando teclados, baixos à Chk Chk Chk, uma bateria não menos aguçada e uma voz sempre repleta de delays. "Too High", malha direita à veia e primeiro single do disco, é o exemplo perfeito desta identidade, com sujidade q.b., o baixo a borrar-se todo e os sintetizadores, num descompasso singelo, a comandarem a melodia. "Fascination", malha que dá nome ao disco, é mesmo o momento mais relevante de todo o alinhamento. De tal forma, que podíamos facilmente ter o Paul Simonon a pegar no baixo e a fazer tal e qual, com a mesma pinta e groove. Imaginem só. Simão Martins
Demorei anos a experimentar ouvir Uncle Acid & The Deadbeats. A culpa foi sempre da minha inércia e do nome da banda. Pensava eu, do alto da minha presunção e ignorância, que uma banda com este nome não poderia ser boa. Dei uma oportunidade aos britânicos com péssimo nome aquando do lançamento do mais recente álbum, Mind Control. Fiquei abismado. Será o álbum que mais repeti nas listas de escuta em 2013 e parece-me o disco perfeito para o Verão deste ano, em que a meteorologia anda desencontrada com as férias. Psicadelia à moda antiga consegue ser refrescante. É olhar para a chuva que cai quando devia estar sol com outros olhos. É escolher aproveitá-la em vez de lamentar que ela existe. Confesso ter dificuldades em explicar porquê. Mais do que ser refrescante é a ligeireza da música que fazem que os torna diferentes. Destaques para “Evil Love” e “Mt. Abraxas”, a primeira a banda sonora ideal para o caminho até à praia, a segunda o som perfeito para estar numa esplanada ao fim da tarde. Na praia. Ou à chuva. Na praia. Há ainda um pequeno pormenor que dá outro impulso a um dos melhores discos do ano: vão estar no Porto para a terceira edição do Amplifest. Tiago Dias
Nós, de um país que tem um verão à séria, às vezes não damos o devido valor ao tesouro climático que nos abençoa. Por vezes para aproveitarmos este nosso sol maravilhoso precisamos de gente fechada num estúdio que nos acorde. Gente fechada no estúdio porque chove lá fora e nem faz assim tanto calor como isso, como é normal no verão deles. O verão escocês. O estio nórdico caprichoso que torna a McMalta do malte em especialistas de verão, verdadeiros adoradores da época, de tudo o que ela representa de bom, até porque o inverno deles também é muito mais chato que o nosso. Essa reverência, carinho e amor estivais ajudam ainda mais a fazer canções como as deste novo Slow Summits, recheadas de melodias com sabor a verão, como Check My Heart (hino oficial da estação), Summer Rain, Night Time Made Us, Illuminum Song, entre outras num regresso em força de Stephen McRobbie “Pastel”, Katrina Mitchell e companhia, gravado na cinzenta Glasgow com a produção do americano John McEntire, presente em todos os arranjos que dão o seu maravilhoso aroma de The Sea and Cake a esta banda já de si maravilhosa, não fossem eles os “pais e mães” sonoros de tanta coisa boa e adorada que vem da Escócia como Belle and Sebastian ou Camera Obscura. Sim, ainda nem havia a palavra “indie” e já cá andavam os enormes The Pastels que nunca fizeram um mau disco e este não é exceção. (Ufa, um ponto final). Para terminar, como bónus, a banda partilhou uma playlist fantástica com o som que andaram a ouvir enquanto faziam o disco. Dá para o verão inteiro. Nuno Leal
Mikal Cronin começa assim: I've been starting over for a long time / I'm not ready for another day / I fail at feeling new. E pronto, está dado o mote para um disco carregado de agruras e brutalidades próprias da eterna adolescência, canções sobre os amores que vão, e vêm, e ficam, canções para abraços ocultos ou beijos exibicionistas, frases feitas – e tão mas tão verdadeiras – sobre aquilo que se não diz ou que se diz demasiado. MCII é o segundo disco do norte-americano que já tocou com Ty Segall e, pese embora o ar carregado que por aqui paira, é um disco de verão. Surpresos? Não fiquem. Há o cunho melódico roubado à melhor pop, a energia que o punk e o filho grunge nos ensinaram, a bonomia de alguma folk e malhas que duram estes três meses, ou até mais: “Weight”, “Shout It Out”, “Change”, e as três últimas que terminam o disco em jeito de bipolaridade (num minuto Cronin pede-lhe – ou pedimos nós, vestindo a sua pele – que não o deixe partir, no outro que se vá embora, ou seja, hormonas aos saltos e coração rangendo, a adolescência tão bem caracterizada). Disco de verão porque no verão também existem amores. E por diversas vezes são os mais dolorosos. Paulo Cecílio
O guitarrista Luís Lopes tem-se apresentado em diversos contextos, entre o jazz e a improvisação, com um permanente espírito rock. Com Adam lane e Igal Foni gravou em trio What Is When (2009). Reuniu um quinteto com Joe Giardullo, Sei Miguel, Benjamin Duboc e Harvey Sorgen para gravar Afterfall (2010). Gravou o Lisbon Berlin Trio com Christian Lillinger e Robert Landfermann (2011). Mas é sobretudo ao leme do seu Humanization Quartet, que reúne Rodrigo Amado e os irmãos Stefan e Aaron González, que mais se tem notabilizado. Editou três discos: um homónimo de 2008 pela Clean Feed e duas edições da sueca Ayler Records: Electricity em 2010 e já este ano saiu Live at Madison. Em paralelo, Lopes tem-se apresentado em concertos a solo, exclusivamente dedicados à exploração noise. Este disco regista dois desses concertos na Galeria ZDB, em Lisboa, em Abril de 2011 e Janeiro de 2012. O material utilizado é simplesmente a guitarra e amplificador. Lopes diz que cada um destes concertos é “uma viagem”. O resultado é um feedback contínuo, continuamente trabalhado, direccionado, conduzido. Sempre no vermelho, é uma experiência limite, despida na sua essência eléctrica, sem a maquinaria típica do noise japonês. É uma verdadeira aventura, mas apenas aconselhável para quem não tenha medo de mergulhar no vazio. Esta música é uma imersão para fora da realidade, para lá do previsível. Nuno Catarino
Nepenthe não é um disco de Verão qualquer. É um disco de Verão para quem está de bem com a vida. É um disco para confirmar um estado de espírito e não um disco para o alterar (a não ser que estejam uma pilha de nervos e mesmo nesse caso é capaz de não fazer grande efeito). É um disco de Verão para quem precisar que este seja um disco de Verão. Nepenthe não muda muito a rota da norte-americana (ou nada): é um disco de vozes emaranhadas em mais vozes, de coros imaginários, de explorações etéreas, de um espaço amplo, de uma beleza incomensurável. É um disco para ouvir entre silêncios; para valorizar a paisagem; para encontrar forças. É um disco para descobrir entre as linhas, para imaginar canções onde não existem canções. É um disco humano como poucos. Um disco sem truques; transparente como raras vezes acontece. Sabe bem deitar sobre ele e deixar passar as horas. André Gomes
Há mais vida para The Heliocentrics após terem orbitado a quase perfeição sonora numa cápsula temporal propulsionada através da energia mutável - "ethio jazz" - de Mulatu Astatke? Parece que sim, ou pelo menos continuam a mover-se no espaço e no tempo. A formação liderada por Malcolm Catto volta à carga com um novo disco, "13 Degrees of Reality" (Now-Again, 2013), sucessor das experiências com Astatke e Lloyd Miller para a Strut Records e do mais longínquo "Out There" (Now-Again, 2007), com o qual se deram a conhecer ao mundo. Discípulos de Sun Ra, navegando por entre coordenadas funk, soul, jazz, elementos étnicos, poeiras cósmicas, o espectro de John Lurie e The Lounge Lizards, "exotica" sem acento, como num filme menor de Jim Jarmusch, cocktails na praia, chapéu de palha, camisa havaiana, óculos de sol vintage, livros amarelecidos de ficção científica, Gilles Lipovetsky, comboios indianos, o deserto do Mali, "freakpolitics", ou a banda sonora de uma geração suspensa. Em Setembro há mais do mesmo. Gustavo Sampaio |
10 discos ao vivo que pagaríamos para ter lá estado
· 15 Fev 2012 · 00:36 ·