As melhores canções de 2010
· 01 Fev 2011 · 22:18 ·

© Teresa Ribeiro


Est�o cada vez mais por todo o lado e com r�dea solta; criam adi��o, criam v�cio, destroem lares. Toda a gente conhece casos assim e n�o existem grandes leis que defendam os Homens delas. N�o tardar�o nada a ser estudadas pela Universidade de Wisconsin pela profunda capacidade de dividir e ao mesmo tempo unir os povos e pelo contributo para a cria��o de um patrim�nio mundial invis�vel de grande valor emocional. S�o ao mesmo tempo geradoras e destruidoras de sonhos, forma e estilo de vida. Falamos obviamente das can��es que, ano ap�s ano, veiculam mensagens pol�ticas, anal�ticas, amorosas, tenebrosas, pol�micas, end�micas; frases que circulam de blogue em blogue, de post de Facebook em post de Twitter, trauteadas pela rua na mais bonita liberdade. Feitas em est�dio recorrendo �s mais modernas t�cnicas de produ��o, sa�das do quarto gra�as � jun��o de esfor�os de um solit�rio sonhador. Mas feitas, sobretudo, para usufruto de quem quiser dedicar-lhes algum tempo da sua vida. Cada vez mais misteriosas, cada vez mais importantes. As seguintes, fizeram desta redac��o uma redac��o mais feliz e com motivos para recordar 2010 como um ano de v�cios saud�veis.

André Gomes Bruno SilvaHugo Rocha PereiraNuno Catarino
Nuno LealPaulo CecílioPedro RiosRafael Santos Simão Martins



André Gomes

 

1

Caribou
"Sun"

O Sr. Caribou n�o lan�ou s� um dos melhores discos do ano; foi tamb�m respons�vel e culpado por gravar e � que lata � mostrar ao mundo algumas das can��es mais incendi�rias e sensuais que 2010 teve para contar. � s� luxo, sedu��o: � aquele extra necess�rio de confian�a para arriscar um flirt com a mi�da que est� ao fundo da sala com olhares arriscados. � um escape: foi tudo o que 2010 precisou por vezes para parecer, aqui e ali, menos merdoso. Tanta sumptuosidade merece ser celebrada vez sem conta.

2

Broken Social Scene
"All to All"

Pode parecer exagero mas "All to All" � provavelmente a can��o que faria um juri salvar os Broken Social Scene se estivessem num tribunal em defesa de acusa��es graves pun�veis com pena superior a 25 anos. � uma can��o que tanta gente poder� ver como redentora. N�o de uma carreira, porque estes canadianos deram-nos sempre coisas boas, mas de algo bem maior, algo que s� pode ser contado e testemunhado por quem deu de caras com ela. N�o tem grande explica��o: mas h� ali qualquer coisa no ar que faz deste mundo um s�tio melhor para se viver.

3

Ariel Pink's Haunted Graffiti
"Round and Round"

Houve quem se apressasse a pensar que o norte-americano Ariel Pink tinha vendido a alma ao diabo quando anunciou que ia assentar arraiais na 4AD. Nada mais errado, nada mais afastado da verdade. Before Today est� apinhado de boas can��es que, mantendo o esp�rito lo fi, colocam finalmente Ariel Pink no s�tio que merece. Como capit�o de todas as pequenas grandes can��es que nascem tortas mas cedo se endireitam, lembrando outras d�cadas mas sobretudo chamando a aten��o para o melhor que esta pode ser.

4

Menomena

"Killemall"

Se o muito entusiasmante Mines confirmou os Menomena como uma das bandas a ter debaixo de olho nos pr�ximos anos (e muitas d�vidas havia), "Killemall" confirmou-os, no pequenomundo deste disco que tantas e t�o diversas op��es oferece, como construtores de can��es com a geometria suficiente para deixar transparecer um turbilh�o de sensa��es que alimentam esta can��o � beira de um precip�cio emocional mas sempre segura das suas qualidades. Um verdadeiro mimo em forma de can��o, um espa�o para aprender a respirar.

5

Gayngs
"The Gaudy Side Of Town"

Se � verdade que "The Gaudy Side Of Town" nada tem que ver com o resto do disco de estreia do supergrupo Gayngs, tamb�m n�o � mentira que a mesma can��o n�o tem nada que ver com o resto do mundo. de uma sensualidade que n�o existe (e por isso foi inventada), "The Gaudy Side Of Town" cria um espa�o pr�prio para si como quem reinvindica na sua pr�pria casa um estado independente do pa�s em que se encontra. N�o tem a ver com nada. E, se calhar, nem existe e isto � tudo imagina��o.

6

Julian Lynch
"Mare"

Est� no sangue dos Lynchs. Criar imagens onde julgamos n�o existir espa�o para as ver nascer. Julian Lynch constr�i can��es com pouco; de tal forma que � dif�cil perceber se s�o mesmo can��es. Vivem naquele delicioso limbo da arbitrariedade, da liberdade de n�o haver refr�es, da autonomia para ser muito mais do que uma can��o. Quando falamos em Julian Lynch falamos em transcend�ncia: em enfiar mil e uma imagens em duas ou tr�s ideias simples. A palavra "sonho"- ler "fantasia" - foi inventada para servir can��es assim.

7

Avi Buffalo
"What's In It For? "

Pontos para a Sub Pop, que at� andava a precisar deles. Dentro do disco surpresa dos Avi Buffalo h� um espa�o gigantesco para sonhar e, entre outros motivos para rejubilar, existe "What's In It For?" uma can��o que, tal como o seu v�deo oficial, oferece todas as cores poss�veis no mundo e uma luminosidade que vem das guitarras tanto como vem da voz imposs�vel de Avigdor Zahner-Isenberg que � um livre-passe para sonhar acordado. �s tantas a luz � tanta que n�o nos resta sen�o colocar as m�os � frente dos olhos e deixar que os ossos aque�am num dia como qualquer outro.

8

El Guincho
"Soca Del Eclipse"

Num disco cheio de bons motivos para celebrar, "Soca del Eclipse" ajuda, no m�nimo, a perceber que o que Pablo D�az-Reixa conseguiu em Alegranza! n�o era apenas uma miragem mas sim o princ�pio de bons tempos; no m�ximo, "Soca del Eclipse" � uma viagem low cost a tudo o que � sol e luz, divers�o. Pop que de negra tem pouco ou nada, com um cheirinho a praia e a mar. L� ao fundo est� Pablo D�az-Reixa com os p�s enfiados na areia e as m�os no ar como quem faz o convite. Ser� que Pop Negro sobrevive at� ao pr�ximo ver�o?

9

!!!
"The Hammer"

� como um pequeno terramoto. Come�a de forma quase t�mida mas quando a batida se imp�e finalmente leve tudo � frente, sem d� nem piedade. Esta podia ser a descri��o de toda e qualquer can��o dos inevit�veis !!!, mas em Strange Weather, Isn't It? � o caso mais evidente de injec��o de sangue na mais entorpecida das veias. � funk, � negro, � sexo distribu�do como quem acabou de o descobrir e o quer partilhar com muita gente. A urg�ncia de sempre, bola inteira em for�a que podia ser ins�pida mas n�o �: tem classe a que os !!! nos habituaram.

10

Delorean
"Stay Close"

Se um certo indie espanhol precisasse de mais cr�ditos para se afirmar como fonte de criatividade, os Delorean, amados e odiados, poderiam ajudar a tirar as d�vidas entre um mojito e um mergulho no mar. Tal como o compatriota El Guincho, os Delorean assentaram arraiais na praia, perto do mar, e n�o t�m medo de se mostrar demasiado felizes. Deram o bra�o � m�sica electr�nica, convidaram uma sereia para as backing vocals e lan�aram-se em busca de uma pop tropical que tem validade o ano todo. Um entusiasmante regresso ao futuro.


Bruno Silva

 

1

Cassie
"Skydiver"

Todo o backlash contra a Cassie circa 2006, veio a dar origem a um culto crescente em meios mais subterr�neos (remixes de gente como Deadboy ou Brackles, devo��o de How To Dress Well, samplagens da "Me and U" por Four Tet e Kingdom, e acto cont�nuo, um artigo sobre tudo isso no Guardian), que podendo n�o ter quaisquer resultados pr�ticos para que Electro Love venha a ser uma realidade (a especula��o toma contornos de Smile e Chinese Democracy), n�o deixam de fazer incidir uma nova luz sobre ela, proveniente de universos tendencialmente suspeitos. Claro que toda esta admira��o carrega muitas das vezes o seu qu� de tr�gico, com conversas c�clicas em torno das suas fragilidades vocais a traduzirem-se num tend�ncia fetichista que teima em ignorar uma capacidade �nica de fazer convergir emo��es de um modo idiossincr�tico. Como se fosse a faceta g�lida de "Me and U" e "Long Way To Go" (apesar de brilhantes) tudo aquilo que ela representa, quando coisas como "Just One Night", "Is It You" ou "Ditto" conseguem atingir um patamar de revela��o quase inating�vel pela sua transpar�ncia, numa ant�tese para com a exuber�ncia vocal que permeia muito do r'n'b enquanto recurso estil�stico para a resson�ncia emocional. "Skydiver" surge num cont�nuo de leaks basicamente superiores a tudo aquilo que tem vindo a ser editado formalmente e que j� revelou p�rolas como "Thirsty" ou "Summer Charm". Coadjuvada de modo irrepreens�vel pela escrita do James Fauntleroy e por uma produ��o densa, mas cristalina de Chris & Teeb, "Skydiver" ecoa toda a vulnerabilidade de uma persona absolutamente singular que cedo viu fechadas as portas para o estrelato, mas tem vindo a persistir na invisibilidade de um modo admir�vel.

2

T2 ft. H Boogie
"Better Off As Friends (Lil Silva Remix)"

Por vezes, o final de uma rela��o assemelha-se ao Apocalipse. A batida nervosa desta reconstru��o da "Better Off As Friends" pelo Lil Silva (que teve um ano marcado por bangers t�o importantes como "No Hooks" ou "Night Skanker") parece anunci�-lo de modo mais do que incisivo, mas � a ponte de sofrimento resignado que faz dela um acontecimento t�o gigantesco. Paragem abrupta para a entrada de uns sintetizadores agrestes que se assume como v�rtice estrutural de uma constru��o hi-tech minuciosamente elaborada. Corta com o frenesim r�tmico no momento em que acumula toda a tens�o, para a libertar subitamente num sopro que � a constata��o de uma inevitabilidade. A voz refracta-se como se recriando o destruir de uma rela��o que n�o pode subsistir al�m da amizade. Esta, afigura-se como imposs�vel. O "la la la..." � o adeus. Arrepiar caminho.

3

Hyetal
"Phoenix"

Numa altura em toda a gente anda nost�lgica por uns anos 80 que parecem nunca ter acontecido, seria mais do que natural que tamb�m o cinzentismo da m�sica de dan�a made in UK come�asse a olhar para o presente de um modo igualmente apaixonado. Felizmente, o m�sico de Bristol deixou de lado o cabotinismo e a tend�ncia para a desola��o urbana do post-dubstep vigente, para erigir uma pe�a que agarra mesmo em t�cticas dos anos 80 sem soar minimamente revisionista. O reverb de tarola do r'n'b pr�-Timbaland (sequenciado a la "I Would Die 4 U") encontra a melancolia nocturna de "Crockett's Theme" como que anunciar a torrente emocional que a� vem. Uma linha de sintetizador estupidamente grandioso que consegue convocar todo o sentimento de triunfo, desespero, esperan�a e vazio emocional de um lifestyle urbano bipolar. Entre a hiperactividade e a apatia. Os Ultravox cantaram sobre "dancing with tears in my eyes para bonito efeito, mas isto � mais o regresso inebriado a casa.

4

Screama ft. Farah

"Kiss Me There"

Aparentemente, n�o existe nada de particularmente surpreendente em "Kiss Me There" para al�m do seu apuro formal. A produ��o do Screama pauta-se por uma estrutura r�tmica e harm�nica cl�ssica, mas � a presta��o da Farah que acaba por fazer de um delicioso exerc�cio de prazer veraneante algo bem mais envolvente. Sem for�ar qualquer tipo de virtuosismo vocal, pauta-se por uma humanidade desarmante que consegue fazer confluir todo o miasma emocional que se pretende numa narrativa sobre o desejo, de um modo bem mais intrigante e cantarol�vel do que qualquer tend�ncia acrob�tica. Al�m disso, quando � que foi a �ltima vez que se ouviu uma refer�ncia t�o �bvia ao cunilingus ser tratada com tal naturalidade?

5

Sightings
"Tar & Pine"

Por muito que tentassem contrariar essa ideia, estes tr�s pastorinhos do noise sempre esconderam sobre o ru�do bruto muito mais m�sica do que uma filosofia "vale tudo menos o lava-loi�a" poderia abranger. De uma displic�ncia aparente, apenas quem tapava os ouvidos perante o escarc�u � que caiu no embuste. "Tar & Pine" � a cristaliza��o factual dessa capacidade do trio de Brooklyn de devorar os detritos mais estrepitosos daquilo que verdadeiramente interessa (que n�o necessariamente do rock) para os regurgitar numa personalidade singular. N�o deixa de ser uma can��o rock, que pedindo me�as a alguma electr�nica experimental da Raster Noton no in�cio, rapidamente encarreira numa batida profunda e baixo martelado com a voz pregui�osa de Mark Morgan a fazer as hostes. Generic no fundo de um po�o de siderurgia, num fluxo sonoro laboriosamente estruturado. J� n�o estamos no campo da impenetrabilidade de "I Feel Like Porche", mas antes num campo onde cada particularidade harm�nica tem o seu lugar definido. Atente-se numa que guitarra tanto incorre num riff embriagado como se expande para o ru�do branco final, mas nunca se auto-destr�i. Nem c�rebro, nem colh�es, antes o meio-termo que vale (mesmo) a pena.

6

Drake ft. Alicia Keys
"Fireworks (Deadboy's T€ARJ£RKING Slo-Mo House Edit)"

O Paulo Cec�lio foi bastante assertivo quando afirmou que "Fireworks" na sua forma original era "uma bela merda mesmo com presen�a da Alicia Keys". Ou seja, o brilhantismo desta revis�o est� exactamente no facto de n�o ter mantido qualquer ponto de contacto com essa mesma. Como �nico elemento presente, at� a voz da Alicia Keys foi transmutada (via pitch bender) ao ponto do anonimato, para se assumir como o elemento central que amplifica todo aquele limbo entre euforia e tristeza que o piano anuncia. Est� tudo no subt�tulo : A batida a solu�ar com eleg�ncia em c�mara lenta, o baixo pl�cido, e, acima de tudo, um verdadeiro tearjerker.

7

Ward 21 ft. Tifa
"High Come Down"

No meio de tanta choradeira e auto-tune, subtilmente o Dancehall parece estar-se a fragmentar at� a um ponto em que se torna quase imposs�vel encontrar um cont�nuo de tend�ncias. Disparando um pouco para todo o lado, como se o afastamento da realidade p�s-Mavado fosse a �nica premissa base. "High Come Down" � uma dessas anomalias. Uma aquosidade sonora contaminada por sons rasteiros. Fantasia er�tica que flutua numa dimens�o et�rea, conduzida por teclados suspensos, deixa no ar uma falsa batida, quando na verdade � o baixo que lhe confere a cad�ncia necess�ria para o movimento lascivo. Sem precisar de repetir pussy o maior n�mero de vezes poss�vel para fazer passar a mensagem de que foder � mesmo a melhor coisa mundo, numa feliz analogia com estados mentais alterados. Isto �, o mais pr�ximo que existe para o comum dos mortais de faz�-lo no espa�o.

8

Illmana ft. Tazmin
"Kiss You"

Apareceu logo no início de 2010 acompanhada pela sua gémea confrontacional "Ready Fi De War" (com a presença da Stush) e acabou sem rival no campo da dança perigosa com voz luxuriante (apesar de coisas tão boas como a "Stupid"). Transportando a ameaça subliminar do Grime para ambiências marcadamente mais misteriosas, numa transversalidade entre a entropia sensual de algo como a "I Wish" de X5 Dubs com a Teresa e a opressão rítmica da soca a 130 bpm`s. Quando a Tazmin canta <i>"I wanna kiss you 'till you fall in love"</i> é como se esse amor fosse a merda mais sufocante de sempre, e não as habituais borboletas no estômago. Paradigma de um certo desespero dançável na UK Funky que me parece, tantas vezes, a melhor coisa do mundo, sem que precise de recorrer a grande raciocínio analítico.

9

The Diplomats
"Salute"

Portanto o n�cleo duro dos Diplomats (aka Dipset) decidiu deixar de lado as quez�lias que levaram � "dissolu��o" da crew de Harlem em 2005 e planeia um regresso "bomb�stico" com o terceiro Diplomatic Immunity l� para 2011. Como cart�o de visita, "Salute" n�o ter� sido aquilo que os f�s de longa data estariam � espera, acabando por ficar patente em in�meros blogs a ideia de uma semi-desilus�o. Liricamente, as diferen�as nem s�o not�rias, com a faceta mais aggro do Cam'ron (com uma inevit�vel refer�ncia a True Blood) a ter contraponto com a maior suavidade do Juelz Santana no �ltimo verso. Ter� sido ent�o, a produ��o densa de aarabMUZIK a servir de instigador para a desconfian�a. Por aqui, � uma das suas mais valias. Aquele sintetizador alarme a indicar um ritmo fren�tico (espera-se algo na senda do crossover entre a soca e o grime da "Message Is Love") que nunca chega a acontecer, com a batida profunda a impor um mid-tempo flutuante que carrega tudo aos ombros. Em passadas vigorosas.

10

Eastwood ft. Veve
"Right There"

"Right There" acaba por encerrar um microcosmos daquilo que a UK Funky tem vindo a calcorrear desde o paradigma "The Cure And The Cause". Sem qualquer ponto de contacto com a House que servia de �ncora a muitas das produ��es iniciais, "Right There" faz com que um piano j� bastante desconcertante por si s�, se veja desamparado daquele broken beat inicial para ir ao encontro de uma profus�o de batidas sincopadas que parecem marchar sobre si pr�prias continuamente. Como que a unificar tudo isto, surge uma linha de sintetizador em sintonia harm�nica com o piano omnipresente, deixando espa�o para uma presta��o da Veve que se assemelha ao refutar de toda esta conjectura, sem acessos histri�nicos nem candura. Antes num fluxo sonoro capaz de envergonhar muitos mc's, sem nunca deixar de ser perfeitamente cantarol�vel dentro de um espectro pr�ximo do freestyle. No final de tudo, � intrigante como uma malha que dispara em tantas direc��es diferentes simultaneamente consegue soar t�o coesa. E, em havendo coragem, memor�vel.


Hugo Rocha Pereira

 

1

Aloe Blacc
"I Need a Dollar"

Lamento desiludir o Carlos Queir�s, que tanto apostou em "I've Got a Feeling", dos Black Eyed Peas, mas esta fica como A M�sica do ano transacto. Por v�rias raz�es. A principal � a arte com que Aloe Blacc sublima a crise, no ano de todos os perigos, pondo o mundo a pedir um d�lar � ou um euro, ou um dracma... Afinal, isso � uma coisa transversal: toda a gente precisa de dinheiro, e mesmo quem n�o precisa quer sempre mais. E Aloe Blacc f�-lo atrav�s dum beat irresist�vel, daqueles a que n�o cansa voltar. Por mais vezes que oi�amos "I need a dollar, a dollar, a dolar is what i need, hey, hey!"

2

Gil Scott-Heron
"Me And the Devil"

GSH a cantar trip hop?! Uma lenda-viva que subiu das profundezas pode tudo. E quando o faz, � melhor que ningu�m na tarefa. O cl�ssico de Robert Johnson � genial, blues cru que resulta de um pacto de sangue demon�aco. Esta vers�o contempor�nea n�o lhe fica atr�s. Tem uma intensidade e um negrume que nos leva a dar uma volta soturna pelos recantos menos aconselh�veis da cidade. E n�o sabemos a que horas regressaremos a casa, se � que alguma vez iremos descobrir o caminho de volta. Adenda para quem nunca ouviu a m�sica: na primeira vez vejam o video � este � daqueles casos em que as imagens acentuam o poder do som e das palavras.

3

PAUS
"Mudo e Surdo"

"Mudo e Surdo" � uma m�sica que n�o cabe no formato tradicional a que se costuma chamar can��o; o seu potencial revela-se sobretudo ao vivo, numa din�mica onde pode esticar a corda e bombar sem amarras � como sucedeu, por exemplo, no "S� desta vez" em que os PAUS convidaram os djs Riot (de Buraka Som Sistema) e Ride para implodirem o piso inferior do Lux. Aqui n�o se canta, vocaliza-se: e os diversos �Ohh-Ohh-Ohh!!...� (que complementam as "duas baterias siamesas, o baixo maior do que a tua m�e e as teclas capazes de te fazerem sentir coisas estranhas") ficam a martelar na cabe�a dos corpos amaciados � traulitada.

4

Massive Attack

"Girl I Love You"

"Girl I Love You" demonstra que a parceria entre o colectivo de Bristol e Horace Andy continua a dar bons frutos. � uma declara��o de amor eterno, feita por uma das vozes mais distintas do roots reggae jamaicano e uma banda que regressou ao activo com o seu melhor �lbum desde Mezzanine. O tema come�a em jeito de dub � negro e narc�tico quanto baste � para depois acelerar, descansar um pouco (sempre com uma batida a estabelecer as pontes entre as v�rias fases da lua) e voltar a subir de ritmo, antes de entrarem os metais em ebuli��o. O vibrato de Horace "Sleepy" Andy faz o resto.

5

Aloe Blacc
"Politician"

Esta vai com dedicat�ria especial. Para os pol�ticos que s�o �hungry wolves / dressed like sheep / they shake our hands / but stab our backs� - quase todos, acrescentaria eu, excep��o feita a alguns coelhos tirados da cartola. Aloe Blacc, no exerc�cio de grande eloqu�ncia verbal e vocal, embala como um proj�ctil na direc��o dos nossos esp�ritos, colectivos e individuais. Soul de boa colheita, com uma salutar consci�ncia social, na senda de manifestos e interroga��es de Marvin Gaye, um dos �cones maiores deste g�nero que regressa em grande estilo. �Politicians, you better get right / this conditions ain't no good for life.�

6

Gil Scott-Heron
"I’ll Take Care Of You"

Uma sec��o de cordas; piano. E uma voz densa � neste caso terna, contrastando com a que se ouve em "Me And the Devil", outra grande malha deste �lbum. � o bastante para Gil Scott-Heron pegar no original de Bobby "Blue" Bland e construir uma can��o de amor � sua medida. Das que se dedicam a algu�m cujo cora��o est� petrificado como um p�ssaro que n�o consegue levantar voo por ter uma asa partida. E a quem se transmite empatia e compromisso por j� se ter passado pelo mesmo processo de dor, cicatriza��o e cura. �Just as sure as one and one is two / i'll take care of you� - algu�m consegue definir melhor o romantismo?

7

Mão Morta
"Teoria da Conspiração"

Quem � que disse que a passagem dos anos amolece o andamento das bandas? Mais de duas d�cadas depois, estes bracarenses continuam a mostrar como � que se faz� rock em portugu�s t�o bem esgalhado que certas bandas com acne e a cheirar a leite bem podem corar de vergonha. "Teoria da Conspira��o" � (quase?!) hardcore. Um ritmo que n�o d� tr�guas (antes pulsa como um cora��o em fuga, atravessando a pista do aeroporto para desaparecer no bosque que a circunda) e uma letra que veste a m�sica a rigor. �Com que ent�o, conspira��o!� resume o ambiente de paran�ia e manipula��o medi�tica que Adolfo Lux�ria Canibal descreve de forma cinematogr�fica.

8

Feromona
"Desalento"

Vale a pena transcrever um excerto deste tema: �N�o tenho jeito para gerir o patrim�nio / nem sou pessoa para aderir ao matrim�nio / tenho uma voz que � mediana / e tenho sonhos / mas sei maneira de atingir / dias risonhos.� Estas s�o as palavras iniciais de Diego Arm�s. As restantes est�o ao alcance de quem quiser ouvir a composi��o, que de certa forma se distancia do grunge-rock mais associado a estes rapazes. A m�sica avan�a calmamente, permitindo que se preste especial aten��o � letra, sem distor��es nem descargas de energia. "Desalento" n�o � uma can��o de efeito imediato, mas uma pe�a de fino trato.

9

Sharon Jones & the Dap Kings
"I Learned the Hard Way"

2010 foi o ano de Aloe Blacc. Mas Sharon Jones e os fabulosos Dap Kings � que s�o bem mais do que a banda que "segurava as pontas" nos concertos de Amy Winehouse � tamb�m deram cartas. E o tema-t�tulo do �ltimo �lbum foi um dos seus trunfos. Revela todos os componentes de uma grande can��o soul. Versa sobre uma trai��o amorosa; o vozeir�o de Sharon Jones (a melhor aproxima��o feminina a James Brown � quem j� a viu actuar sabe que isto n�o � exagero) cai-lhe que nem uma luva; os coros acentuam o dramatismo da hist�ria relatada; e uma sec��o de metais vai marcando as varia��es de registo da m�sica.

10

Sade
"Soldier of Love"

No in�cio soam trombetas, fazendo anunciar a entrada no campo de batalha que sempre � o amor. Sade Adu, antes uma smooth operator, regressa com trajes de combate. Destro�ada mas viva e pronta para ir � luta. A m�sica tem v�rios sabores: um travo � pop dos 80's nos arranjos; quase trip hop na cad�ncia repetitiva e algo inebriante. O ritmo funde-se com a voz mel�flua e quente, que envelhece como um bom vinho. De acordo com Conf�cio, �o mais poderoso guerreiro � aquele que se conquista a si pr�prio�. Ao longo da can��o, Sade vai repetindo �i have the will to survive� - � uma guerreira poderosa como poucas.


Nuno Catarino

 

1

Kanye West feat. Pusha T
"Runaway"

Escolha óbvia, sabemos bem. Do disco-monumento de Kanye poderíamos, aliás, escolher qualquer coisa ("Monster", "Power", "All of the lights", "So Appalled", etc.), mas tem mesmo de ser esta. As notas do piano, incessantemente pingadas, são o eixo desta proto-balada, onde Kanye fala sobre os problemas da vida, sobre como engatar todas as gajas que quer é um problema do caraças. A tensão cresce até que chega o brinde aos "douchebags" e a sugestão ao "interesse romântico" para que fuja para longe. Ela que se vá embora, mas nós não conseguimos sair disto. O megalómano vídeo de trinta e tal minutos faz justiça à canção. A incredibilidade está a passar por aqui.

2

Ariel Pink's Haunted Graffiti
"Bright lit blue skies"

Before Today, o grande disco do ano do Bodyspace, est� cheio de p�rolas, de temas originais e regravados, mas um dos grandes marcos desse disco do ano foi tamb�m esta repescagem, vers�o de um tema obscuro dos 60s. Ariel Pink manteve-se fiel ao original, pouco mexeu naquilo que j� era bom, e aquelas guitarrinhas nervosas alimentam uma efici�ncia pop que desemboca num refr�o simples. A can��o � luminosa e o geniozinho de L.A. tomou-a como sua, para fazer de 2010 um novo 1966 � e, pelo menos naqueles dois minutos e meio, tudo funciona na perfei��o. O calorzinho do ver�o passou por ali.

3

Papa Topo
"Lo que me gusta del verano es poder tomar helado"

Vindos de Espanha, com selo da recomend�vel Elefant Records, os Papa Topo s�o um duo de Adri� e Paulita (e, sim, ainda s�o adolescentes). Ainda nem t�m meia d�zia de can��es, mas este single bastou para nos deixar viciados. Combinando os universo indie/twee com a magia a�ucarada das can��es da Eurovis�o (descobertas no youtube, claro), estes Papa Topo fazem can��es com um incr�vel sentido pop, como se vivessem num gen�rico de um desenho animado. Doce e na�f, como tudo o que interessa na vida: "chocolate, fresa y nata, stracciatetla y naranja, de vainilla o after-eight, el helado es el rey". Ainda falta muito tempo para o ver�o e o regresso dos gelados, mas podemos sempre ir ali � Santini.

4

Vijay Iyer

"Human nature"

A solo, o pianista Vijay Iyer d� mais um passo em frente, depois do excelente Historicity do ano passado. Servindo-se de poucos recursos, mas aplicando-os com magn�fica intelig�ncia, Iyer desenvolve uma m�sica feita de detalhe, de tens�o, de sobriedade. Reinventado a bel�ssima composi��o de Jackson, Vijay espreme-lhe a gordura, deixando-a nua na sua ess�ncia, trabalhando depois � volta da melodia de forma obsessiva. A isto chama-se eleg�ncia.

5

Panda Bear
"Last night at the jetty"

Uma das grandes desilus�es do ano que passou foi o sucessivo adiamento da edi��o do prometido Tomboy. Sem disco pronto, Noah Lennox compensou com o lan�amento de um conjunto de singles, cada um melhor que o anterior, que nos deixaram a salivar pelo disco que nunca mais sai � � o Chinese Democracy da nossa gera��o (� Pedro Rios). Um desses singles � este "Last night at the jetty", melodia �pica que vai crescendo at� chegar ao refr�o delirante (e isto poderia ser Animal Collective, a melhor banda da d�cada que passou). Mesmo sem �lbum, sabemos que podemos sempre contar com o nosso panda.

6

Gil Scott-Heron
"I'm new here"

O regresso de Gil Scott-Heron foi um acontecimento enorme e uma surpresa para os f�s dos seus discos dos 70s - que h� muito o julgavam perdido para sempre. Foi um regresso aos discos, aos concertos (grande momento na Aula Magna), � vida. E seria dif�cil escolher outro tema que fizesse tanto sentido como esta vers�o de Bill Callahan (retirado da obra-prima A River Ain't Too Much To Love). Scott-Heron rouba a m�sica com a sua voz grave, gasta, e por cima da guitarra dedilhada parece que est� a contar a sua pr�pria hist�ria, de algu�m que viveu muitas vidas (mais vidas do que devia) e no regresso ao mundo este parece-lhe desconhecido.

7

El Guincho
"Bombay"

Foi um dos vencedores do melhor festival do ano � o Milh�es de Festa, claro. Pablo D�az-Reixa, AKA El Guincho, fez a festa ao vivo em Barcelos e voltou a convencer com Pop Negro. Com este disco voltamos a ser invadidos por aquela irresist�vel pop tropical, cumprindo as expectativas deixadas com Alegranza (2007). Este "Bombay" � a melhor colheita deste novo �lbum e o v�deo � um assombro, del�rio visual impar�vel. O ritmo solarengo contrasta com o drama das palavras de D�az-Reixa ("te miro desde arriba, por si, todo se termina / quiero que me recuerdes como las primeras veces"), mas essa incoer�ncia n�o interessa nada. Viva o mama�al dourado.

8

Brian Wilson
"The Like In I Love You"

O g�nio dos Beach Boys revisitou o cancioneiro de Gershwin e o resultado n�o foi memor�vel. As can��es (bel�ssimas, intemporais) receberam um tratamento gen�rico, sendo o resultado globalmente banal. Mas esta � a excep��o, destacando-se do resto. A can��o ganha pelo facto de n�o ter sido gravada anteriormente, tendo aqui o seu primeiro momento de grande exposi��o p�blica. Can��o de c�none cl�ssico, condensa uma melodia envolvente, e a letra, rom�ntica como deve ser, vive de um divertido jogo de palavras. Na voz, Wilson cumpre o seu papel. E isso basta. Estamos em 2011 e temos um aqui standard fresquinho.

9

Janelle Monáe feat. Big Boi
"Tightrope"

Foi o fen�meno pop do ano, foi o furac�o que varreu o Tivoli (sortudos aqueles que estiveram no Super Bock Em Stock). M�sica fren�tica, reverente do R&B cl�ssico mas com uma energia imensa, "Tightrope"� um dos grandes momentos do imenso The ArchAndroid. Janelle n�o tem apenas a melhor poupa da pop desde Morrissey, � tamb�m um fen�meno incr�vel que condensa os melhores ingredientes da m�sica negra (groove, alma, energia). Com justi�a, j� � uma estrela global, vai ser dif�cil escapar-lhe nos pr�ximos anos.

10

B Fachada
"Há festa na moradia"

N�o pod�amos fazer o balan�o do ano que passou ignorando o bardo barbudo, que marcou 2010 com dois discos � com a tosca can��o de interven��o de H� festa na moradia e a subvers�o infantil de � pra meninos. Sendo o segundo disco perfeitinho, o primeiro destaca-se pela rudeza daquelas can��es imperfeitas. No tema hom�nimo Fachada descreve a organiza��o de uma festa como deve ser, certamente inspirado por Berlusconi, que inclui desde "para as madames um menino a cada uma" at� "guardar a coca junto � piscina de espuma porque esta noite n�o acaba sem orgia", com o objectivo final de "tentar a sorte com aquelas vagas para a ma�onaria". As palavras encaixam naquela folk urgente, multi-referencial - ele fala em Merceneiro e Bonga, mas na verdade � uma esponja. Foi bonita a festa, p�.


Nuno Leal

 

1

Beach House
"Zebra"

Podia ser esta, poderia ser outra qualquer, o 3� disco dos Beach House � t�o enorme que cabem l� todas as grandes can��es de um ano. � aquele disco de ilha deserta, e este "Zebra" que j� mexia em Dezembro de 2009 por mares pirateados de mp3, � sem palavras. O baixo quase tirado dos CAN em "Sing Swan Song", o ritmo quase germ�nico, todos esses quase transplantados a peito aberto pela voz de cora��o na boca de Victoria Legrand, possu�da por uma Nico sem sotaque. Vozes como a dela s�o raras e h� que cuidar delas. Nos meus ouvidos pode pastar � vontade, � uma reserva protegida, um parque natural onde este "Zebra" n�o tem predadores, antes pelo contr�rio, este "Zebra" por aqui � predador, comendo volumes m�ximos e recordes de repeat durante todo o ano. � caso para dizer, "Zebra", ora bem, aqui entre n�s, preto no branco, �s a can��o do ano.

2

Caribou
"Jamelia"

Vinda de um disco com tantas can��es nota 10, Jamelia consegue destacar-se de alguma maneira inconsciente, apesar de um intenso combate e muitos sun sun sun sun sun sun, mas enfim, � assim que aqui aparece e se torna porta-voz de todas as outras, at� porque se fosse uma lista de 30 can��es, era in�til resistir, e haveria pelo menos umas 6, 7 can��es de Swim. � um futuro cl�ssico de dan�a, que nos aconchega de in�cio ao ritmo ansioso de um sucessivo "tic tac" cortado por ventos gelados de cordas e a voz do senhor Daniel Victor Snaith. Bem embrulhados no ritmo, somos cercados por cada vez mais electr�nica e teclas que se tornam rampa de cordas at� ao grande salto antes dos dois minutos. Aqui � imposs�vel algu�m n�o se perder a dan�ar (a menos que esteja a fazer sexo), De uma maneira ou outra, ao volante dos coros extasiados de Victor, chega-se aos 3:19 a um orgasmo que corta aos 3:20 para o ponto de partida. O mesmo tic tac que nos anuncia: repeat, ouve-me l� outra vez.

3

Best Coast
"When I'm With You"

Recordar o ver�o de 2010, durante estes dias de inverno rigoroso, n�o � f�cil. Quer dizer parece que n�o, mas �, basta ouvir uns segundos do single e faixa b�nus do disco da banda de Bethy Consentino para 30� graus imediatos, ver�o espont�neo e inst�ntaneo na mistura "beach-bitch" onde esta "riot-girl" cavalga como poucas. Tanto ela, como o namorado dos Wavves, casal ef�mero ou n�o, representaram o ver�o eterno de 2010 que atravessar� qualquer ano seguinte, d�cada, gera��es, porque quer se queira, quer n�o, quer se ame, quer se desdenhe, este "When I'm With You" tem a eternidade de um cl�ssico das Ronettes. Porque enquanto houver adolescentes, dos 13 aos 80, can��es destas encaixam como uma luva nas m�os que entram de imediato em regime "air guitar" mal ouvem acordes deste calibre.

4

Avi Buffalo

"What's In It For?"

Outra grande canção de 1969, perdão, 2010. Outros putos que ainda não eram nascidos quando as Rickenbackers e os Fender Rhodes destilavam feitiçaria, putos que se calhar gostaram dos mais recentes Beachwood Sparks, putos que enfim têm no seu DNA a génese Americana de rock psicadélico. Melodicamente perfeita, estruturalmente pensada para nos fazer perder em viagens (então os coros finais a la Amon Duul II, ai não!), "What's In It For?" responde-se sozinha e tem a varinha de condão do xamanismo rock, felizmente ainda não perdido neste mundo de hip-hop e electros e gostos ainda mais duvidosos. Retro a rebentar das costuras, 2010 foi Grateful Alive.

5

Gala Drop
"Rauze"

Como portugueses deviam-nos orgulhar do nosso passado explorador e destemido, enzimas algo perdidos no DNA de gerações de lusos com jeito para a música (nem falo dos outros). Contudo, há excepções e mesmo dentro delas, há excepções melhores que outras. Gala Drop é das melhores excepções. Este "Rauze" é um portentoso tapete voador, entre Vasco da Gama, Harmonia e Cluster, que nos levita em segundos e por deliciosos minutos, pelos continentes onde demoravamos longos meses a chegar de caravela. É um daqueles temas que entra de rompante, uma viagem sem destino certo mas destinada à consagração além-fronteiras, porque contém a genial globalidade que a livra de preconceitos geográficos (para quem os tem). É música do mundo, aliás de outro planeta, e espero sinceramente que aos poucos, por este 2011 fora, caia o mundo, aliás o universo a seus pés.

6

Arcade Fire
"Ready to Start"

"i dont know why but this song gave me strengh to ask the girl i liked a long time to the school dance". Este � um coment�rio numa p�gina youtube com esta enorme can��o. E ningu�m duvida do seu potencial. Tem esse poder, essa for�a, o toque que torna estes Arcade Fire ourives das melhores j�ias de mainstream que h� por a�. Porque sim, eles j� t�m milh�es de f�s, j� subiram a fasquia at� aos big bucks dos pavilh�es e est�dios cheios, por enquanto, sem perder (apenas alguma mas quase nada) da sua qualidade genu�na. O seu 3� disco foi ainda um grande disco, e Deus lhes d� talento, para entre a correria das tours e o ass�dio mau conselheiro da alta costura musical, continuarem assim. E neste momento estou a fazer contas, na d�vida se deveria antes ter escrito sobre Spawl II (Mountains Beyond Mountains). Deve ser um empate t�cnico, 200 plays vs. 200 pays no combate das duas.

7

B Fachada
"Cantiga De Amigo"

Sobre a m�sica portuguesa sopra actualmente uma lufada de ar fresco em termos de criatividade/quantidade, � verdade, mas B Fachada n�o � uma lufada, � uma ventania de ar fresco que sopra o mofo para longe e nos faz redescobrir como portugueses. Proveniente de um disco que surgiu no encerro de 2009, "Cantiga de Amigo" � uma das p�rolas que explodiu em todas as direc��es durante 2010, para o bem ou para o mal (dir�o alguns). � m�sica que nos enche os ouvidos com palavras do vocabul�rio que usamos para pensar e sonhar. A famosa l�ngua de Cam�es, Saramago, Gon�alo M. Tavares, Zeca, S�rgio Godinho, Palma, bem tratada, bem metricada, bem rimada, bem usada. Porque essa do "portugu�s n�o d� para fazer grandes can��es" j� tinha barbas. E curiosamente � com barbas que surge um talento destes, capaz de comp�r o hino de um qualquer filme mental de polaroids de 2010. Para alguns de n�s, onde me incluo, s� nos resta agradecer.

8

Zola Jesus
"Sea Talk"

Podia chamar-se �mile Cristo mas � Zola Jesus, a promessa de 2009 que se cumpriu no ano transacto, pessoalmente, entre outras grandes can��es, a bordo deste navio-fantasma de som. "Sea Talk" tem aquela "vibe" de uma can��o perdida da Siouxsie com uns The Cure entre a f� e a pornografia. S�o alguns minutos de sintetizadores frios, qual cordas geladas a cobrirem de �gua benta em solidifica��o, a caixa de ritmos emprestada pelos Death In June enquanto tocam para o recolher obrigat�rio. � uma can��o t�o profunda como o oceano, em cujas �guas afinal prova-se haver sereias g�ticas que concorrem ao Festival da Can��o pela Atl�ntida.

9

Zoo Kid
"Out Getting Ribs"

Uma can��o genuinamente de 2010, algures perdida no myspace de um mi�do de 16, 17 anos que h�-de marcar 2011, pelo menos para uma imensa minoria que espera j� ansiosamente pelo seu disco, sendo que esta enorme can��o j� tem um 7". Minimal, espartano, assente unicamente na voz e guitarra por vezes hesitante, outras vezes dedilhada em caleidosc�pio, um sopro de C-86, na realidade longe da m�tica cassette, o mi�do ainda nem era nascido. Mas se calhar � uma reencarna��o, quem sabe? � o visual, � a maturidade do seu talento musical, suportada num outro talento brutal: a voz. E que voz, vozeir�o vivido, que mais parece lip-synch para quem o v� e ouve num dos videos mais maravilhosos do final de 2010, que vai acrescentando diariamente milhares de views no youtube.

10

Women
"Heat Distraction"

Primeiros seis segundos: baixo que nos recorda de imediato a nave Silver Apples. A seguir, explos�o Rickenbacker que nos leva para a The Byrdsfera acima das 8 milhas de altitude. Segundos antes de passar um minuto, paragem na cor da anima��o estrobosc�pica para uma folha em branco e uns rabiscos com as cores dos Red Krayola at� chegarmos ao ponto de ebuli��o desejado: a voz embebida em reverb e nostalgia psicad�lica de Patrick Flegel anuncia que estamos a ouvir os canadianos Women. 4:05 de dura��o, m�sica dois do alinhamento do seu segundo �lbum do transacto 2010, Public Strain., no geral um dos grandes discos do ano, em particular talvez o melhor disco esquecido do ano que acabou de passar. Ideal para quem procura remo�nhos de eri�ar p�los, acalmar comich�es cerebrais e impedir que a cera do ouvido nos conven�a, uma vez no 13� piso, a ir de escadas em vez apanhar o elevador.



Paulo Cecílio

 

1

The Tallest Man On Earth
"King Of Spain"

Kristian Mattson, senhor n�rdico, quer ser rei de Espanha. Ser� pelo clima? Pelas paisagens? Pela conquista do mundial? N�o: � pelas touradas, pelas se�oritas, pelo flamenco, � porque n�o precisa de ter estado num pa�s para dele sentir saudade. O homem mais alto do mundo ensina em "King Of Spain" como se faz uma can��o capaz de puxar um sorriso, daqueles miscigenados em que a joie de vivre se junta a uma terna melancolia. Mais: mostra ter a for�a necess�ria para alcan�ar o seu sonho. Acautela-te, Juan Carlos.

2

Beach House
"Norway"

Ao quarto ou quinto "ah" com que a can��o inicia j� nos apaixon�mos. Pela reminisc�ncia eighties, pela guitarra sonhadora, pelo ritmo. Porque pelos Beach House h� muito que estamos apaixonados; eles que abandonaram agora o lado mais lo-fi e fizeram de Teen Dream uma coisa muito s�ria. Podia perfeitamente aqui estar "Zebra", "Used To Be" ou "Lover Of Mine" que o romance seria igual. Fiquemo-nos por "Norway", n�s que gostamos de fiordes, de mulheres lind�ssimas e de black metal.

3

Neil Young
"Love And War"

N�o ter Neil Young num top de melhores can��es num ano em que edita um disco seria crime. O disco � Le Noise, e "Love And War", uma maravilha ac�stica tocada com os dedos em sangue, prossegue essa toada; � um tema anti-guerra cl�ssico, � uma auto-cr�tica velada (I sang in anger, hit another bad chord...), � poesia, � Young. Acima de tudo � uma confirma��o (mais uma, mais uma...) de que velhos s�o os trapos e de que quem lhe pressagiou a morte n�o sabe do que fala.

4

B Fachada
"Memórias De Paco Forcado, Vol. 1"

N�o � preciso explicar, apenas citar: Eu vou ser o puto Abrantes / Eu vou ser o Panda Bear / Entrar onde eu quiser / Entrar onde eu quiser. Chuva de elogios ap�s chuva de elogios, B Fachada chega ao final do ano com dois (enormes) discos editados e outro na calha, concertos por todo o lado e uma apari��o na gala da Causa Maior onde at� Jo�o Bai�o se tornou f�. Senhores da Sonae, se estiverem a ler, a Popota tem de cantar uma vers�o disto no ano que vem.

5

M.I.A.
"Born Free"

O videoclip � uma tentativa aborrecidamente arty de tentar chocar os mais incautos, de criticar a sociedade capitalista e consumista, de chamar a aten��o para o racismo ainda vigente - enfim, essas coisas todas que os RAtM faziam melhor. Por�m, elogie-se "Born Free"; n�o s� pega num sample da melhor can��o de sempre dos gigantes Suicide, transformando-o por completo num cocktail molotov destinado a eg�pcios e anarquistas v�rios, � das poucas coisas interessantes que se retiram da meia-desilus�o /\/\ /\ Y /\. Com o copyright de Gustavo Sampaio: n�o se lhe poderia exigir muito melhor.

6

Caribou
"Kaili"

Porque "Sun" vai figurar nas listas de meio mundo e h� quem tenha a pretens�o de ser diferente. V�-lo arrancar com esta no Lux estampou de imediato um sorriso na cara e lan�ou o mote para o grande concerto do final de ano. E, v� l�, admita-se: aquele som sintetizado que se espalha ao longo da faixa � qualquer coisa, como uma p�rola escondida entre a soberba. Caribou, diz-me tu, quantas malhas tens tu...

7

George FitzGerald
"The Let Down"

Eu, pobre, me confesso: salvo a excep��o Burial, n�o estou por dentro daquilo a que coloquialmente se chama dubstep e poucas vezes consigo distingui-lo das suas ramifica��es, assim como n�o distingo o jungle do drum n� bass. Mas h� de quando em quando faixas que chamam a aten��o de uma forma semelhante � hist�ria do amor � primeira vista. Assim � "The Let Down"; aquele in�cio parece sacado de uma transi��o comercial na SportTV, mas depois desenrola-se e mostra um beat fant�stico, samples de vozes carregadas de emo��o e algo que ajuda a dan�ar q.b. para numa discoteca nos ro�armos sem parecer estranho na loira boazona de copo na m�o.

8

The Drums
"I Need Fun In My Life"

J� se sabe: s�o uma c�pia, n�o s�o originais, t�m ar amaricado, s�o hipsters, e s� s�o conhecidos porque o assobio da "Let's Go Surfing" � viciante ao cubo. Mas todas estas descri��es s�o nada mais que preconceito. O hom�nimo �lbum de estreia pode n�o ser aquilo que muitos procurem para se sentirem felizes, mas h� l� um tema indispens�vel (porque o outro do assobio j� tinha sido editado antes e s� aqui se encontra para encher chouri�o): "I Need Fun In My Life" � t�o bonita e fenomenal na sua meninice pop que uma pessoa s� se pode sentir impelida a perdoar todos os pl�gios.

9

The Black Keys
"Never Gonna Give You Up"

� sempre arriscado incluir uma vers�o como uma das can��es do ano, mas, foda-se, s�o os Black Keys. E os Black Keys pegam neste tema soul dos finais de sessenta e, com uma qualquer qu�mica estranha, tornam-na ainda mais emotiva. Dedos m�gicos, os de Auerbach e Carney. � verdade que em vez de uma vers�o podia perfeitamente ter-se escolhido qualquer uma das outras maravilhosas can��es em que consiste Brothers, mas esta � uma lista pessoal, que, como todas, � fal�vel.

10

Les Savy Fav
"Lips 'N Stuff"

O regresso dos Les Savy Fav aos discos era qui�� um dos mais aguardados de 2010. E valeu a pena? Com certeza. Root For Ruin � novo tratado pop hardcore para mi�dos de dezasseis anos com pretens�es de terem vinte e quatro, ou vice-versa. Daqui retira-se "Lips 'N Stuff": um riff en�rgico o suficiente para nos levar a ficar por perto at� explodir no coda final: Let's pretend we're innocent / We're just friends with benefits. O hino adolescente de 2010, que também é grande em formato acústico.


 

Pedro Rios

 

1

Kanye West ft. Rihanna, Kid Cudi, Elton John, Alicia Keys, et al
"All of the Lights"

Megal�mano, gigante, com mais convidados do que manda a racionalidade econ�mica (chamar Elton John para tocar piano numa can��o em que o piano nem � assim t�o importante � coisa que s� Kanye, figura pop que se autocandidata a uma dimens�o maior do que os tempos actuais permitem, se lembraria). "All of the Lights" � isto e � uma bomba: bateria picadinha, sopros sintetizados a disparar euforia, Rihanna a voar sobre tudo isto e Kanye a pousar palavras sobre o estrilho.

2

Ariel Pink's Haunted Graffiti
"Round and Round"

S�mbolo m�ximo da condi��o de Ariel Pink de representante maior de uma gera��o de artistas p�s-ir�nicos (recorro aqui � feliz express�o de Pedro Gomes sobre June), p�s-noise e p�s-pop, que fazem m�sica documental (de mem�rias, impress�es, constru��es), sorvedouro de refer�ncias. A hist�ria desta gera��o est� por escrever e merece ser valorizada (Simon Reynolds aproximou-se disso escrevendo "leave chillwave alone"), mas � certo o lugar de Pink neste movimento que deita por terra separa��es in�teis entre bom e mau gosto, pop e c�rebro, massas e nichos. "Round and Round", magn�fico monumento, parece uma can��o da era VH1 descoberta apenas em 2010, com todo o brilho e o gloss das can��es pop perfeitas de Hall & Oates e companhia. Que isto venha de um rapaz que cresceu a ouvir Throbbing Gristle (e tamb�m pop) diz bem dos tempos excitantes em que vivemos - por mais que os c�nicos digam o contr�rio.

3

Deerhunter
"Desire Lines"

Disco enorme, can��es enormes, tudo incr�vel, mas, porra, topem esta, com aquelas guitarras apontadas ao c�u, vozes ao fundo a levitar, Bradford Cox incr�vel, movido a torpor, a flutuar sobre tudo isto, tudo isto a inspirar aquele estado de deslumbramento que a escola indie dos bons tempos sabia fazer, ainda por cima com uma coda final que tem entrada directa no comp�ndio dos melhores crescendos-de-guitarras-que-n�o-v�o-a-lado-algum (e gra�as a Deus por isso).

4

Deerhunter
"Helicopter"

� que cara�as, mas como � que eles fazem can��es assim? Esta maravilha tamb�m flutua, anestesiada quanto baste, mas debaixo de �gua. H� cordas a dissolverem-se em �gua, loops em cascata a embalarem-nos e Bradford Cox � vou repetir-me � a flutuar sobre tudo isto. Isto s�o os Deerhunter a fundirem-se com Atlas Sound - o mundo agradece.

5

Gala Drop
"Overcoat heat"

Nunca nos desiludiram, mas os Gala Drop de Overcoat Heat, sublime EP lan�ado no ano passado, s�o um caso aparte. N�o h� banda como esta no mundo, capaz de num disco ou num tema cruzar o transe krautrock, ritmos sacados a �frica e house c�smico - e tudo aquilo misturado fazer pleno sentido. "Overcoat Heat", a can��o, � o magnus opum dos lisboetas: kraut circular, som de bateria filtrado por eco, sintetizadores em arabescos psych, dom�nio total. Dura seis minutos, mas devia durar muito mais.

6

Gala Drop
"Rauze"

Poupo-vos � mesma conversa. "Rauze" abre como uma can��o dos Animal Collective: microacontecimentos em loop, camadas de felicidade, a mesma sensa��o de pr�-euforia dos nova-iorquinos. Evolui depois para algo diferente, o que diz bem da plasticidade dos novos Gala Drop, que se poderia definir como m�sica de dan�a de um quarto mundo, por inventar. Prova que os Gala Drop s�o uma incr�vel m�quina de groove, facto a que n�o � estranho terem Afonso Sim�es na bateria.

7

Panda Bear
"You Can Count on Me"

� Noah Lennox a deixar a depend�ncia do sampler, a lan�ar-se para um novo mundo (mas totalmente ligado ao anterior) e a sacar mais momentos de g�nio. "You Can Count on Me" � uma pequena balada (dedicada ao segundo filho, nascido em Junho de 2010?) "(Know you can count on me/I'll be so up for it/Know at least I'll try"), com uma beleza que, como dizia um comentador no YouTube, lembra a banda sonora de "Rei Le�o". � por a�, mas tudo embrulhado numa produ��o dub. Panda Bear: �nico como sempre.

8

Hot Chip
"I feel better"

� obra lembrar "La isla bonita", uma can��o algo atroz de Madonna, e safar-se com estilo. Os sintetizadores balofos a abrir e o autotune p�s-808s & Heartbreak (impecavelmente usado para amplificar a carga emocional da can��o) s�o todo um programa, mas o que vem a seguir, algures entre a pop dos anos 80, a house e o eurodance de carros de choque, fazem de "I feel better" uma can��o incr�vel. Com estes ingredientes, a coisa podia ser um desastre. O facto de n�o ser mostra a grandeza dos Hot Chip de 2010, que felizmente deixaram a mania de poluir maravilhas pop com estranheza. Ficaram s� com a pop e ficaram muito bem servidos.

9

Kanye West feat. RZA, Jay-Z, Pusha T, Swizz Beatz & Cyhi the Prynce
"So Appalled"

� o momento mais austero de My Beautiful Dark Twisted Fantasy, mas � um dos mais sublimes. Partindo de um sample dos Manfred Mann's Earth Band, originalmente perdido numa can��o prog-pop de gosto duvidoso, "So Appalled" junta-lhe arranjos �picos mas sem armar ao pingarelho. Em cima, � um desfile de estrelas, destacando-se Jay-Z, Pusha T ("An arrogant drug deal of the legend I become / CNN said I'll be dead by twenty-one") e, claro, Kanye, com uma dica memor�vel ("Champagne wishes, thirty white bitches/I mean the shit is fuckin' ridiculous").

10

James Blake
"Limit to your love"

Isto transforma o original de Feist em can��o vulgar. Blake reduz o original ao piano e � sua voz (felizmente sem autotune, como infelizmente se lembrou de fazer profusamente no novo �lbum) e uma espantosa sec��o que repesca ao dubstep a chuva de graves. O m�rito de "Limit to your love" est� na capacidade de ir ao dubstep buscar apenas a c�mara reflectora de ecos e ter o feliz descaramento de cruzar isso com uma can��o ao piano, formalmente cl�ssica.


 

Rafael Santos

 

1

Caribou
"Sun"

É irresistível desde os primeiros instantes. Contagiante quanto baste, tem sol, muito calor. São camadas de som que se vão sobrepondo entre a mais estrafega house, a pop mais luminosa e um repolego swingante persistente. A poesia escrita é inexistente, as letras não vão além de três para simplesmente dizer Sol, mas nem por isso se pode ignorar a verve melódica. A voz, essa, está num constante vai e vem por entre um delírio de sintetizadores que jamais permitem nuvens negras na contiguidade de um astro que brilha com imensa intensidade.

2

Cobblestone Jazz
"Fiesta"

J� antes se tinha mostrado num EP. Em 2010 apresentou-se formalmente no alinhamento de um disco que n�o entusiasmou como desejariamos. Mas � um momentos pilar de The Modern Deep Left Quartet e est� l� algures pelo meio como estaca central que permite que a tenda n�o desabe. "Fiesta" � isso mesmo: festa. Festa s�bria que permite o col�quio entre coctails. Tem uns quantos �cidos a desfilarem por entre idiosincrassias techno e house, tudo ao natural e sem exageros. Para consumir de fato e gravata enquanto se projectam olhares sensuais para as mais encantadoras esposas dos "cornos".

3

Space Invadas feat. Jade Macrae
"Life"

Com um disco de originais intitulado Soul:Fi editado na Primavera de 2010, com uma distribui��o oficial circunscrita � Austr�lia, a edi��o � escala global foi anunciada pela BBE Records para este m�s de fevereiro. Antes, e de forma envergonhada, foi distribu�do o EP Done It Again. Contendo 3 temas do alinhamento de Soul:Fi (e umas quantas remisturas),o registo serve de apresenta��o da dita sonoridade future soul do projecto. Todos os temas t�m uma sonoridade distinta, � certo, mas na gra�a caiu este excepcional exemplo de cruzamento dos velhos ensinamentos da soul e do funk, que tr�s � mem�ria, por exemplo, os Jackson 5, e as t�cnicas de manipula��o e sobreposi��o dos samplers para uma honesta e sincopada homenagem � for�a an�mica em dias conturbados.

4

DJ Shadow
"I've Been Trying"

Um regresso aos originais em 2010 para anunciar a sua vinda em �lbum em 2011. Desaparecido desde o irregular The Outsider, Shadow come�ou por colocar dois originais no seu site em download gratuito (a modalidade de venda veio a seguir), um deles foi este encantador e s�brio "I've Been Trying"; de tonalidade soul em descarado cruzamento folk-country-psicad�lico, Josh Davis volta a montar - porque de muitos samplers inteligentemente sobrepostos se volta a tratar - uma grande can��o carregada de saud�veis nostalgias.

5

Hindi Zahra
"Fascination"

Passou despercebido. Infelizmente. Handmade, disco de estreia da marroquina (mas radicada em Fran�a) Hindi Zahra, al�m de uma muito interessante ode ao amor e �s contradi��es que o mesmo provoca, � tamb�m um intenso desfile de sensualidade folk, jazz, soul e pop no feminino. "Fascination" prova-o, n�o com impressionante originalidade mas com intrigante e fascinante convic��o vocal na interpreta��o. Passou despercebido a alguns, mas n�o deve passar sem o m�nimo de reconhecimento, restando esperan�a num futuro t�o luminoso como a sua bela voz.

6

Dj Sprinkles
"Masturjakor "

"Masturjakor" � mais uma masturba��o house de Terre Thaemlitz. Depois do excelente �lbum Midtown 120 Blues de 2009, voltou a apresentar-se ao servi�o para um acto de contri��o da sonoridade deep com os velhos tiques jack. Explora sem redund�ncias ou falsas nostalgias a vertente mais cl�ssica do som de Chicago mas sempre com uma abordagem singular e genu�na onde h� espa�o para discretos corais melodiosos ou ambientalismo rural que traz, por exemplo, o intemporal Chill Out dos KLF � mem�ria. Os melhores orgasmos house em alta-defini��o continuam, actualmente, a passar pelo nome do nova-iorquino Sprinkles.

7

Martina Topley-Bird
"Lying"

� uma descoberta recente, confesso. E nem � propriamente um tema novo. Originalmente editado em 2003 no �lbum debutante a solo, Quixotic, "Lying" ganhou nova forma recentemente. E que forma. Despido de artif�cios, reduzido a uma simplicidade r�tmica e mel�dica significativamente distingu�vel do original, esta nova vers�o, inclu�da no acolhedor Some Plae Simple, editado via Honest Jon's, � uma terna e sentida ode ao amor. A voz sobressai, ganhando nova vida. No fundo, esta recontextualiza��o � uma caminha de veludo feita de novo, lavadinha, onde nos sentimos relaxados e apaixonados, definitivamente muito bem deitados.

8

Photonz
"Aquarian Ball"

Tem som claramente anos 90. E nenhum mal vem ao mundo. Breakbeat vigoroso, promiscuidade com o rock, ambiente trance e, mais que tudo, um esp�rito rave incapaz de deixar indiferente os noct�vagos �vidos de loucura na pista de dan�a. "Aquarian Ball" � o que faz, e bem; promove loucura, hedonismo puro, na pista ou noutro qualquer local. Uma prova da vitalidade criativa dos nossos Photonz, mas tamb�m um bom exemplo de como velhos ideais que alimentaram as rave's ainda conseguem ser rentabilizados muito bem no presente. A Kaos iria am�-los.

9

LCD Soundsystem
"I Can Change"

S�o os LCD. Por a� deveria estar tudo dito. Grandes construtores de can��es, s�o um dos nomes que marcam a d�cada que h� poucos dias acabou. E nem se sabe muito bem se ainda h� alguma coisa nova a acrescentar � virtudes de James Murphy, no entanto "I Can Change" � o mais recente exemplo de um tema que marca pela mensagem. Pessoalmente marca-me pela nostalgia que provoca e pelo lembrete ir�nico da teimosia que a mudan�a provoca em todos n�s, seja no amor ou noutro qualquer n�vel da vida. Mudar deveria ser f�cil, tal como fazer sacrif�cios, e uma simples promessa deveria chegar, o problema � que s�o v�rias as vezes em que preferimos quebrar que torcer. E quando tudo termina, resta o lamento.

10

Scuba
"Light Out"

Num disco amado por uns, indiferente para outros, n�o se pode negar umas quantas p�rolas que flutuam no espa�o irregular (no bom sentido) do dubstep e o dub techno. "Lights Out" termina a sess�o de triangula��o que Scuba procurou para um disco de novos par�metros, tentando n�o confinar o dubstep a limites excessivamente tang�veis mas procurando, simultaneamente, manter o som longe da tend�ncia p�s-dubstep que ganha cada vez mais adeptos pela capacidade de muta��o e adapta��o a novas realidades no espectro pop. "Lights Out" � consistente, � escuro sem ser tenebroso, tem aquele ambiente enevoado de Aphex Twin e de Burial, mas tal como Martyn ou os Basic Channel tem ritmo competente para nos deixarmos balan�ar. Assim soam as madrugadas frias.


 

Simão Martins

 

1

Four Tet
"Love Cry"

Com There Is Love In You, e apesar das embara�osas revela��es do Wikileaks, sobretudo no plano diplom�tico, todos se abra�aram perante o engenho e t�cnica de sampling inquestion�veis de Kieren Hebden. � neste disco, marcado por uma electr�nica multifacetada e laboratorial, que encontramos "Love Cry", uma das malhas rom�nticas mais dan��veis de sempre, que Four Tet prolonga por mais de 9 minutos sem pedir autoriza��o. Ali�s, isto entra quase no dom�nio da intimida��o, em que quem n�o bate o p� � ovo podre. Podendo, � bater.

2

The Black Keys
"Ten Cent Pistol"

Num disco t�o bem preenchido com can��es para todos os gostos, tendo sempre na mira os ensinamentos de Hendrix, � humildemente que "Ten Cent Pistol" se ergue em Brothers. Se fosse poss�vel compilar o desespero e a f�ria feminina, sem nunca esquecer o seu romantismo inato (que jamais poderemos contornar), esta seria a can��o ideal para o fazer: a guitarra, lamechas, desenha um riff em oitavas para espelhar a emo��o da alma ferida; a bateria, em timbal�es saltitantes, ocupa-se do ritmo card�aco da pobre mulher, que com o seu rev�lver agride quem a difamou. E assim se fazem can��es do caralho.

3

LCD Soundsystem
"Home"

�ltimo disco, �ltimas cartadas, a conversa do costume. Estrat�gias de marketing � parte, havia melhor maneira de concluir (hipoteticamente) uma carreira com uma can��o como "Home"? A pergunta, que mais n�o � do que ret�rica, porque gostos s�o gostos, deixa-nos ainda assim espa�o para asseverar que, ao longo da �ltima d�cada, os LCD Soundsystem tornaram-nos pessoas um bocadinho mais felizes. Como? Entrando-nos pelos ouvidos, pela casa adentro e pelas pernas, que teimaram em n�o deixar quietas, mas fazendo-o com a maior eleg�ncia. "Home", que repete a melodia de "Dance Yrself Clean", s� bate a segunda pela saudade e melancolia que transporta, fazendo-nos suspirar por mais e mais disto. � pedir muito, Mr. Murphy?

4

The Walkmen
"Juveniles"

Fizeram-nos o favor. N�s retribu�mos. Depois de garantirem casa cheia nos concertos em Portugal at� ao fim dos seus dias, os Walkmen recebem assim o pr�mio de uma das can��es de 2010 para um dos escribas do Bodyspace. N�o � �ptimo? Depois falamos. Certo � que Lisbon, disco grande desse ainda familiar ano de 2010, tem como primeira can��o "Juveniles", mais uma dessas maravilhosas epifanias rock a que os norte-americanos nos t�m habituado. A guitarra, embora n�o como mandaria Carlos Paredes, despeja baldes de reverb e sobre ela imp�e-se a voz de Hamilton Leithauser, que nos ajuda a nunca esquecer o bem que Dylan fez ao mundo. Agora, senhoras e senhores, � a vez dos The Walkmen, donos e senhores da nossa capital.

5

Arcade Fire
"Sprawl II"

Falar dos Arcade Fire tem que se lhe diga. S�o muitos, s�o uns tipos porreiros e s�o canadianos, o que por si s� n�o quer dizer nada. O que lhes vale s�o as m�sicas, aut�nticos hinos da era indie rock em que tudo soa igual e nada, tentem de mil e uma formas, soar� a Arcade Fire. Mas, em 2010, estes provaram do pr�prio veneno e souberam, por uma vez, soar a outros. E soar pior. S� que esta malta integra o SMIC � S�ndrome de Musicalidade Inacredit�vel e Compulsiva � e demonstraram-no em "Sprawl II". R�gine Chassagne, comummente associada � destrui��o de vidra�as na vizinhan�a, � personagem de relevo nesta hist�ria e, por uma vez, faz da mesma um momento inesquec�vel: "Sprawl II" tem tudo para fazer do pior clich� um epis�dio feliz.

6

Vampire Weekend
"Diplomat's Son"

Paulo Cec�lio, escriba deste s�tio, disse uma vez que "o grupo de Ezra Koenig j� fez o suficiente para ser visto como algo de �nico". E n�o se enganou. De facto, depois de uma primeira experi�ncia africanizada no debutante Vampire Weekend, os norte-americanos reinventaram-se e, em Contra, revelaram a nova faceta do beto fixe. E, como se n�o bastasse, o apogeu dessa mudan�a � "Diplomat's Son". � que, para al�m de se basear num sample de M.I.A e de falar sobre o g�nio que foi Joe Strummer, permite-nos dan�ar sentados, baloi�ando a cabe�a para um lado e as ancas para o outro, resultando igualmente para a frente e para tr�s. Experimentem!

7

Gorillaz
"Stylo"

Ok, j� ningu�m pode com os Gorillaz e com os mil e um projectos e colabora��es que parecem infind�veis. Mal tinham acabado, j� a� estava mais um disco feito no iPad para admirar Albarn e os seus devaneios. Mas, foda-se, quem � que se farta duma faixa em que, sob a voz gritante de Bobby Womack, surge Bruce Willis, qual mauz�o s�dico, em persegui��o � bonecada animada? Isto para n�o falar de todo o stylo da malha, baixo sequenciado, sintetizadores a pairar na atmosfera nebulosa deste lado mais electr�nico da macacada � e, diga-se de passagem, bastante apelativo. No fim da est�ria, os bonecos safam-se e o Bruce, de pistola na m�o, diante da sua carrinha de caixa aberta, exibe um sorriso maroto. Impag�vel.

8

Shit Robot
"Tuff Enuff"

Fazer James Murphy gostar de electr�nica � obra. Pelo menos � o que contam de Marcus Lambkin, o humano que se esconde nos bastidores de Shit Robot, o rob� merdoso que melhor electro dance produziu em 2010, sob o selo da DFA. "Tuff Enuff" � a malha de abertura de From The Cradle To The Rave, disco de estreia do irland�s Lambkin. Em suma, receita f�cil: sintetizador a ocupar-se do tema nos graves, logo acompanhado de uma drum machine vintage (provavelmente Roland) e cordas sintetizadas para alegrar o refr�o. Nada mau para um rob� merdoso.

9

Discodeine (feat. Jarvis Cocker)
"Synchronize"

Parece uma parelha esquisita, mas j� Anthony Hegarty nos tinha alertado para tal com os Hercules & Love Affair, h� coisa de dois anos. Certo � que Jarvis Cocker, senhor de polpa e circunst�ncia, encaixa perfeitamente nos desejos e inten��es dos Discodeine, mesmo que a voz n�o esteja sempre na bolacha � e � isso que gostamos nele. O resultado � uma sincroniza��o sem precedentes, redundante, obviamente, em que o disco impera e pede para n�o ter fim. Poucas foram as noites em que Synchronize n�o fez falta quando n�o aparecia. Uma colabora��o deste calibre, capaz de nos fazer suspirar, s� pode ser louvada.

10

Cee Lo Green
"Fuck You"

N�o � para todos. Sim, j� tantos tentaram, de Joe Berardo a Lily Allen, que at� teve uma singela apari��o nesse sentido. Mas vamos cair na realidade. Se algum dia houve quem soubesse, com tanto n�vel e tanto funk, com tanta pinta, tanta cor e alegria, ironia e mestria, mandar algu�m para o caralho, esse algu�m foi Cee Lo Green. E isto aplica-se a todos. At� ao pr�prio Cee Lo Green, que fez uma vers�o soft para o �dolos, intitulada "Forget You". Fuck you, Cee Lo Green. E espero que gostem agora do groove e do swing: fu-fuck yoooou. Sabe bem, n�o sabe? S� Cee Lo Green para uma destas!


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