Orelha Negra
Grande Auditório do CCB, Lisboa
16- Jan 2016
Há um sentimento ambíguo que nos perpassa a alma mal começamos a descer as escadas do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém rumo ao nosso lugar marcado. Por um lado, é perfeitamente justo - e faz, aliás, todo o sentido - que um grupo como os Orelha Negra actuem num palco assim, tão sofisticado quanto o é a sua música, onde pequenos pedaços de soul, funk e hip-hop se unem numa maravilhosa colagem e revelam canções maravilhosas. Por outro, esta máquina de groove aparentemente improvisado, qual banda de jazz em que cada elemento detém um papel essencial na composição, não é para ser vista de rabinho sentado na cadeira, mas sim de corpo cedendo a toda a loucura que a música merece.

© Vera Marmelo

E merece-o porque há poucos conjuntos, e não só em Portugal, tão despudoradamente negros que colocá-los num pedestal por oposição a um baile de bairro é prestar-lhes um mau serviço. Merecem este palco mais do que muitos outros; mas mereciam que os tivéssemos dançado mais do que essa honra. Ao invés, nesta que foi a apresentação do seu terceiro álbum, ainda sem nome mas que promete marcar a actualidade musical nacional ao longo de 2016. Para deter essa certeza, bastou ouvir o teclado de João Gomes logo na primeira canção, como um sonho a derreter-se na selva urbana...

© Vera Marmelo

Começam cobertos por um véu onde se vislumbram as sombras de cada um, e acabam à vista de todo um público que esgotou a sala e que não se coibiu de aplaudir mas que, talvez por desconhecimento, talvez por alguma preguiça, ficou na sua grande maioria quieto - nem um abanar de cabeça, nem uma boca tremendo de felicidade - excepto quando o concerto passa para o campo do familiar. Tal aconteceu quando, no meio de um disco-funk borbulhante e completo com bolas de espelhos em palco, se escutou o primeiro verso de "Juicy", do lendário Biggie Smalls, e daí se passou para Kendrick Lamar ("Bitch, Don't Kill My Vibe") e "Hotline Bling", de Drake, num momento em que nos passou pela cabeça que uma noite BADBADNOTGOOD c/ Orelha Negra seria daquelas que ficariam para sempre; e aconteceu, claro, no encore, quando ao contrário do que disse Fred Ferreira à BLITZ os Orelha Negra se atiraram a três dos seus temas clássicos - "961919169", "Throwback" (já sem ninguém indiferente nos seus lugares) e, como não podia deixar de ser, "M.I.R.I.A.M.", a doce Miriam, aquela que nos envolve num longo e sensual beijo sempre que temos o prazer de nos cruzarmos com ela. Os Orelha Negra estão prontos para 2016: estará o ano pronto para os Orelha Negra?
· 18 Jan 2016 · 22:08 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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