Lula Pena
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
14 Out 2006
Maria de Lurdes Pena levanta-se, olha-nos timidamente e sorri. Acende um cigarro, sorvendo os aplausos, efusivamente oferecidos por um público ganho à partida. Nem uma palavra. Sai de cena e já não regressa. Há já demasiado tempo que não ouvíamos o cantar de Lula Pena. Na pele, guardamos [Phados], disco que operou por via do Fado, a transmutação da canção popular e tradicional, numa coisa única, a que só podemos chamar a música de Lula Pena. Recapitulando: “Já entrou toda a gente? O meu coração está aos pulos”. (silêncio) “O que custa é o início... dizem...” Mais um compasso de espera e finalmente, a voz quente e funda de Lula Pena enche o já lotado Aquário da Zé dos Bois.

O mote é dado com “Lago”, um dos muitos Fados popularizados pela omnipresente Amália. “Desci por não ter mais forças Às águas verdes, sem fim. Mesmo que voltem as forças, não me separo de mim”. Canta, levemente rouca, vibrando. Termina e lança-se, sem parar, a “Dedo De Deus Tocou Em Mim” do pernambucano Otto. Pena, canta agora com sotaque do Brasil. De olhos sempre fechados, guitarra funcional e competente, não permite interrupções e segue com “Lágrima”, outro dos hinos da diva do Fado. A meio da música arranca em ritmo sincopado e sussurra estrofes em inglês. Vinte minutos volvidos e Lula Pena está, ainda, tensa. Mas com “Júlia Florista”, Fado tradicional cantado com sotaque brasileiro, recebe a primeira ovação. As palmas sentidas, há muito guardadas, preparam o primeiro grande momento da noite. Do primeiro disco, recupera “Senhora do Almortão”, um tradicional minhoto. A voz solta-se, finalmente. Assobia, depois arqueja ritmicamente, próxima de uma linguagem primitiva, criando uma dinâmica plena de emotividade.

Sentimos o calor e o exotismo de outros Continentes. Pensamos na origem do Fado e acreditamos na sua mestiçagem. Percutindo a guitarra, prolonga os finais das canções e envolve-nos. Gostamos dela assim. “Rosa Enjeitada” emociona-nos. A meio, interrompe com “Do You Really Want To Hurt Me” dos Culture Club, regressando depois ao Fado. As mudanças de idioma e de sotaque cortam o elo emocional. Não nos esquecemos nunca que Lula Pena canta as canções de outros. Sem parar, mais um Fado, “Fria Claridade”. Uma guitarra marialva, próxima dos “nossos” Dead Combo dá o mote. Depois, percute a guitarra, qual bombo de uma parada de bombeiros e, de olhos fechados, abanando a cabeça, chora: "Acordei, a claridade fez-se maior e mais fria. Grande, grande era a cidade, e ninguém me conhecia". Momento da noite.

Estou a morrer de calor... vou tentar acabar antes que derretamos todos”. Entre harmónios e acordes, atira “Eu Quero A Rosa Rosa”. Do português de Portugal, passa para o do Brasil e depois para o inglês. Regressa a Vinicius com um excerto de “Chega de Saudade”. Arquejando antecipa lentamente o final. Acende um cigarro.
· 14 Out 2006 · 08:00 ·
Sérgio Hydalgo
sergiohydalgo@gmail.com
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