DISCOS
Daniel Johnston
Hi, How Are You
· 13 Mar 2005 · 08:00 ·
Daniel Johnston
Hi, How Are You
1983
Homestead
Sítios oficiais:
- Daniel Johnston
- Homestead
Hi, How Are You
1983
Homestead
Sítios oficiais:
- Daniel Johnston
- Homestead
Daniel Johnston
Hi, How Are You
1983
Homestead
Sítios oficiais:
- Daniel Johnston
- Homestead
Hi, How Are You
1983
Homestead
Sítios oficiais:
- Daniel Johnston
- Homestead
A morbidez é a mais assumida instigadora de apostas no meio musical. Desde o falecimento de Elliott Smith que permanece suspenso uma espécie de fôlego colectivo na antecipação do próximo mito de pés gelados a ser aclamado postumamente. A julgar pela produção poética de uma série de almas amaldiçoadas, os perfilados são mais do que os que desejaríamos (não é preciso aprofundar a pesquisa). Aparentemente sereno e abstraído da inconsequente morbidez que o rodeia, Daniel Johnston permanece em zen criativo ao lado do Capitão América e bustos de mulheres voluptuosas. Sobreviveu a um quarto de século. Deveria sentir-se complexado por isso? Johnston demonstra irreflectidamente o que sente na sua música - Hi, How Are You é um dos mais esclarecedores exponentes disso mesmo. Disponibiliza a sua essência sem recorrer a filtros. O complexo pertence apenas a quem permanece perante o palácio, à medida que os pontos de interrogação se lhe brotam da nuca.
Conta The Definitive Daniel Johnston Handbook - o excelente livro dedicado à vida e obra do cantor – que Hi, How Are You foi gravado por altura do primeiro esgotamento nervoso sofrido pelo propulsionador de toda uma linhagem de artistas afeiçoados ao lo-fi. No seu conjunto, as composições – captadas por um gravador barato em toda sua glória crua e artesanal – revelam um génio obsessivamente debruçado sobre o seu processo criativo solitário, que envolveria, em anexo às composições quase sempre minimalistas, um universo mitológico interminável (Johnston inter-relaciona gatos mefistofélicos, monstros bondosos e super-heróis) e uma rede de auto-referências que se estende a todo a sua criação (a música encontra lugar nos seus desenhos e vice-versa). Talvez seja por isso que a dimensão da obra de Johnston só possa conhecer uma interpretação conclusiva quando a sua produção cessar e tudo o que permanece em arquivo (o mito leva a crer que as cassetes são às dezenas) for recuperado e escutado. Até lá, Hi, How Are You (lançado primariamente em cassete e só depois em CD, individualmente e juntamente com o inferior Continued Story) serve como peça ao intricado puzzle, mas sobressai por ser crucial e particular numa série de aspectos.
A pronto e logo através capa (representação do sapo Jeremiah – criatura que vai ganhando olhos à medida que se torna menos ingénua), Hi, How Are You revela-se representativo no que diz respeito à sonoridade dos anos mais caseiros (combinações diversas de voz, guitarra, piano, ruídos e sons pilhados a outros artistas) e clássico na abordagem que, à semelhança de muitos outros álbuns pertencentes a esta primeira fase, reclama. Falo daquilo a que se pode chamar de “caça aos diamantes no palheiro”. Sim, porque entre o lo e o fi também existe muito detrito e material acessório. Ainda assim, o refinamento da substância é abundantemente recompensador.
Já o escrevi por aqui e volto a escrever: “Walking the Cow” irradia um esplendor inoxidável (ao tempo e a detractores). A imortal faixa que, nas entrelinhas, trata das responsabilidades acumuladas na transição para a idade adulta reforça a pertinência da presença de Daniel Johnston na banda-sonora de Kids - o polémico filme que, afinal, retrata um grupo de miúdos incapazes de lidar com essa mudança. “Walking the Cow” é o “Starway to Heaven” de Daniel Johnston.
Na pirâmide de carisma, sucedem-lhe “Poor You” – um tratado poético sobre a rotina, cantado “a capella” -, “Big Bussiness Monkey” – ataque frontal ao poderio yuppie da década de 80 – e “Running Water” – a lenga-lenga que transforma o processo natural da água em material poético digno de ser glosado. Como se tudo isto não fosse suficiente, sobra “Desperate Man Blues” para coroar Johnston como o “crooner” da nação Prozac.
Qualquer um dos discos pertencentes à fase caseira do songwriter deve ser auscultado em vez de escutado, à direita do peito assimilado e não racionalizado. Hi, How Are You é um convite em forma de saudação trivial. Tão trivial como todos os pretextos minúsculos que Daniel Johnston parece interpretar como ninguém.
Miguel ArsénioConta The Definitive Daniel Johnston Handbook - o excelente livro dedicado à vida e obra do cantor – que Hi, How Are You foi gravado por altura do primeiro esgotamento nervoso sofrido pelo propulsionador de toda uma linhagem de artistas afeiçoados ao lo-fi. No seu conjunto, as composições – captadas por um gravador barato em toda sua glória crua e artesanal – revelam um génio obsessivamente debruçado sobre o seu processo criativo solitário, que envolveria, em anexo às composições quase sempre minimalistas, um universo mitológico interminável (Johnston inter-relaciona gatos mefistofélicos, monstros bondosos e super-heróis) e uma rede de auto-referências que se estende a todo a sua criação (a música encontra lugar nos seus desenhos e vice-versa). Talvez seja por isso que a dimensão da obra de Johnston só possa conhecer uma interpretação conclusiva quando a sua produção cessar e tudo o que permanece em arquivo (o mito leva a crer que as cassetes são às dezenas) for recuperado e escutado. Até lá, Hi, How Are You (lançado primariamente em cassete e só depois em CD, individualmente e juntamente com o inferior Continued Story) serve como peça ao intricado puzzle, mas sobressai por ser crucial e particular numa série de aspectos.
A pronto e logo através capa (representação do sapo Jeremiah – criatura que vai ganhando olhos à medida que se torna menos ingénua), Hi, How Are You revela-se representativo no que diz respeito à sonoridade dos anos mais caseiros (combinações diversas de voz, guitarra, piano, ruídos e sons pilhados a outros artistas) e clássico na abordagem que, à semelhança de muitos outros álbuns pertencentes a esta primeira fase, reclama. Falo daquilo a que se pode chamar de “caça aos diamantes no palheiro”. Sim, porque entre o lo e o fi também existe muito detrito e material acessório. Ainda assim, o refinamento da substância é abundantemente recompensador.
Já o escrevi por aqui e volto a escrever: “Walking the Cow” irradia um esplendor inoxidável (ao tempo e a detractores). A imortal faixa que, nas entrelinhas, trata das responsabilidades acumuladas na transição para a idade adulta reforça a pertinência da presença de Daniel Johnston na banda-sonora de Kids - o polémico filme que, afinal, retrata um grupo de miúdos incapazes de lidar com essa mudança. “Walking the Cow” é o “Starway to Heaven” de Daniel Johnston.
Na pirâmide de carisma, sucedem-lhe “Poor You” – um tratado poético sobre a rotina, cantado “a capella” -, “Big Bussiness Monkey” – ataque frontal ao poderio yuppie da década de 80 – e “Running Water” – a lenga-lenga que transforma o processo natural da água em material poético digno de ser glosado. Como se tudo isto não fosse suficiente, sobra “Desperate Man Blues” para coroar Johnston como o “crooner” da nação Prozac.
Qualquer um dos discos pertencentes à fase caseira do songwriter deve ser auscultado em vez de escutado, à direita do peito assimilado e não racionalizado. Hi, How Are You é um convite em forma de saudação trivial. Tão trivial como todos os pretextos minúsculos que Daniel Johnston parece interpretar como ninguém.
migarsenio@yahoo.com
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