DISCOS
B Fachada
B Fachada
· 18 Dez 2009 · 00:22 ·
B Fachada
B Fachada
2009
Edição de autor / Mbari
Sítios oficiais:
- B Fachada
- Mbari
B Fachada
2009
Edição de autor / Mbari
Sítios oficiais:
- B Fachada
- Mbari
B Fachada
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2009
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2009
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Soberbo manifesto baladeiro do herdeiro de Zeca, Vitorino, Paião, Godinho, Cid e Variações.
Aqui há uns tempos já tínhamos avisado. E este segundo disco baralhou mesmo as contas de quem já fez (demasiado cedo) o balanço anual. No top do Bodyspace o Pónei Dourado de Fachada ainda conseguiu cavalgar, mas este novo homónimo era coisa para trepar uns degraus mais acima. Porque este é, talvez, o melhor disco de canções pop(ulares) em português gravado desde, hum, desde que Sérgio Godinho gravou Coincidências. Ou desde que Vitorino gravou Eu que me comovo por tudo e por nada. Ou desde que António Variações gravou Dar e Receber. Ou desde que José Cid editou o último best of. Perdoe-se o eventual exagero, fruto do excesso de audições consecutivas, na procura de uma explicação para o magnetismo deste disco.
Vamos embora, ao que interessa. Finalmente Fachada produziu um disco bem gravado (o Pónei foi uma aproximação), com um som límpido, instrumentação impecavelmente certeira. E desta vez mostrou-se mais focado nas letras, deixando de lado a sátira excessiva, concentrado no seu talento principal, a faceta baladeira. Em dois ou três minutos, e meia dúzia de versos, Fachada constrói histórias de amor e desamor através de múltiplas personagens, fascinantes figuras multi-dimensionais, qual Chico Buarque de Hollanda lusitano (e diz ele que prefere o Caetano, vá-se lá perceber).
A primeira faixa, “Responso para Maridos Transviados”, é morna no seu tempo melancolicamente lento. O disco propriamente dito arranca no tema nº 2, onde nos é explicado o sentido do mundo: “a Lulu quer o que quer qualquer mulher, que o amigo a abrace bem e que a faça rir também”, isto por cima de um constante murmúrio vocal. Segue-se o “Desamor”: “fomos à Escócia e voltámos, loucos por ficar a sós, fomos mas nunca chegámos a sair do meio de nós”, levando-nos a uma permanente falsa esperança. Viagem à “Velha Europa”, com homenagem a Vitorino (melodia e parte do refrão elegantemente pilhados/reciclados da velha “Queda do Império”): “perguntei ao vento se trazia um cabelinho teu e até ao momento o raio do vento não me respondeu”. Ficamos depois a saber que “é bom ter má fama, dá para ter vazia a cama e nesta solidão de Kant ser tido um grande amante” e, assim sendo, sobra-lhe tempo para cantar (nós agradecemos).
Esse bloco fecha com a trautetante e assobiável “Estar à espera ou procurar” - sim, este é o melhor bloco do disco, sequência incrível - as restantes canções do disco são óptimas, mas é impossível encontrar outra sequência de canções tão boa como esta. Pouco depois vem “Só te falta seres mulher”, impressionante balada ao piano, o título diz tudo – se tivéssemos de escolher um só tema para a eternidade teria de ser este. E não podia faltar a clássica disputa fraternal por causa de uma “bela Helena”, que a mulher é o diabo - não há que temer a eventual heresia, a ligação à Flor Caveira já faz parte do passado.
O piano é o instrumento central do disco, é nele onde crescem as canções. Há mais instrumentos, claro - a instrumentação de cada canção está cuidadosamente trabalhada, primorosa em cada detalhe, e Bernardo Fachada trata de quase todos os instrumentos - mas é o piano que melhor reflecte o classicismo destas canções, que não são coisa de um 2009 demasiado poluído por discos, são músicas que poderiam viver noutra época qualquer. Certinho na construção instrumental que nunca falha, confirma-se o baladeiro que sabe agarrar o ouvinte em cada inflexão melódica. E a veia lírica é quase genial, uma coisa fora de tempo e simultaneamente moderna, multi-referencial e onírica, levemente irónica e romântica como só os parvos, pós-surrealista e pós-Cesariny (homenagem no “Kit de Prestidigitação”), pós-qualquer coisa, pós-tudo.
Este disco vai abrir um sorriso para aqueles que previam o talento desde os EPs da Merzbau, para quem desde logo apostou as fichas todas. Entretanto, após esta coisa que é um disco e é um manifesto sobre a melodia e é uma declamação ingénua sobre o amor, os infiéis serão convertidos, alguns indecisos assumirão a fé. É claro que hão-de sobrar descrentes, mas milagres há que nem Deus. Como tem acontecido com a sua música, as reacções (de amor ou ódio) continuarão a ser extremadas; não é desta que o songwriter barbudo de Cascais conquista o mundo, mas vai certamente conquistar mais soldados para a sua barricada. Canta Fachada: “tenta lembrar-te dos carinhos que te dei se fores capaz e não me troques por beijinhos de rapaz”. Não te trocaremos, Bernardo.
Nuno CatarinoVamos embora, ao que interessa. Finalmente Fachada produziu um disco bem gravado (o Pónei foi uma aproximação), com um som límpido, instrumentação impecavelmente certeira. E desta vez mostrou-se mais focado nas letras, deixando de lado a sátira excessiva, concentrado no seu talento principal, a faceta baladeira. Em dois ou três minutos, e meia dúzia de versos, Fachada constrói histórias de amor e desamor através de múltiplas personagens, fascinantes figuras multi-dimensionais, qual Chico Buarque de Hollanda lusitano (e diz ele que prefere o Caetano, vá-se lá perceber).
A primeira faixa, “Responso para Maridos Transviados”, é morna no seu tempo melancolicamente lento. O disco propriamente dito arranca no tema nº 2, onde nos é explicado o sentido do mundo: “a Lulu quer o que quer qualquer mulher, que o amigo a abrace bem e que a faça rir também”, isto por cima de um constante murmúrio vocal. Segue-se o “Desamor”: “fomos à Escócia e voltámos, loucos por ficar a sós, fomos mas nunca chegámos a sair do meio de nós”, levando-nos a uma permanente falsa esperança. Viagem à “Velha Europa”, com homenagem a Vitorino (melodia e parte do refrão elegantemente pilhados/reciclados da velha “Queda do Império”): “perguntei ao vento se trazia um cabelinho teu e até ao momento o raio do vento não me respondeu”. Ficamos depois a saber que “é bom ter má fama, dá para ter vazia a cama e nesta solidão de Kant ser tido um grande amante” e, assim sendo, sobra-lhe tempo para cantar (nós agradecemos).
Esse bloco fecha com a trautetante e assobiável “Estar à espera ou procurar” - sim, este é o melhor bloco do disco, sequência incrível - as restantes canções do disco são óptimas, mas é impossível encontrar outra sequência de canções tão boa como esta. Pouco depois vem “Só te falta seres mulher”, impressionante balada ao piano, o título diz tudo – se tivéssemos de escolher um só tema para a eternidade teria de ser este. E não podia faltar a clássica disputa fraternal por causa de uma “bela Helena”, que a mulher é o diabo - não há que temer a eventual heresia, a ligação à Flor Caveira já faz parte do passado.
O piano é o instrumento central do disco, é nele onde crescem as canções. Há mais instrumentos, claro - a instrumentação de cada canção está cuidadosamente trabalhada, primorosa em cada detalhe, e Bernardo Fachada trata de quase todos os instrumentos - mas é o piano que melhor reflecte o classicismo destas canções, que não são coisa de um 2009 demasiado poluído por discos, são músicas que poderiam viver noutra época qualquer. Certinho na construção instrumental que nunca falha, confirma-se o baladeiro que sabe agarrar o ouvinte em cada inflexão melódica. E a veia lírica é quase genial, uma coisa fora de tempo e simultaneamente moderna, multi-referencial e onírica, levemente irónica e romântica como só os parvos, pós-surrealista e pós-Cesariny (homenagem no “Kit de Prestidigitação”), pós-qualquer coisa, pós-tudo.
Este disco vai abrir um sorriso para aqueles que previam o talento desde os EPs da Merzbau, para quem desde logo apostou as fichas todas. Entretanto, após esta coisa que é um disco e é um manifesto sobre a melodia e é uma declamação ingénua sobre o amor, os infiéis serão convertidos, alguns indecisos assumirão a fé. É claro que hão-de sobrar descrentes, mas milagres há que nem Deus. Como tem acontecido com a sua música, as reacções (de amor ou ódio) continuarão a ser extremadas; não é desta que o songwriter barbudo de Cascais conquista o mundo, mas vai certamente conquistar mais soldados para a sua barricada. Canta Fachada: “tenta lembrar-te dos carinhos que te dei se fores capaz e não me troques por beijinhos de rapaz”. Não te trocaremos, Bernardo.
nunocatarino@gmail.com
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