Listas dos melhores 2006
· 28 Dez 2006 · 08:00 ·

Top álbuns 2006 · Top álbuns portugueses 2006 · Momentos 2006 · Tops ilustres

© Teresa Ribeiro

Ao contrário daquilo que se possa afirmar, o top de discos portugueses não é algo discriminatório. Antes pelo contrário. Não serve para os afastar do top geral de discos (se nenhum disco português marca presença no top principal não foi por os termos afastado de lá, mas sim por falta de votos), mas sim para lhes dar destaque superior – principalmente aos que se perderiam definitivamente no meio do top principal. Feitas todas as contas, será certamente seguro dizer que 2006 foi um ano rico para a música portuguesa em todas as suas áreas – o top final do Bodyspace é a prova disso mesmo. Há por aqui pop, hip-hop, pós-rock, electrónica vanguardista, alguma portugalidade, música periférica e urbana. Perante o top 10 que se segue, quem disser que 2006 foi um ano negro para a música feita em Portugal arrisca-se a levar com cada um destes discos na cabeça e a seguir ouvi-los todos um por um. Obrigações de quem possa eventualmente andar ainda distraído à produção nacional. Chega de conversa, protagonismo a quem o merece. André Gomes


10: 
Loosers Otha Goat Head
Ruby Red

Os Loosers podem muito bem ser a banda mais importante a surgir nesta década em Portugal. Inspiraram uma comunidade de bandas com uma atitude alinhável em espírito ao que se passa a um nível subterrâneo noutros países, com destaque para os Estados Unidos; passaram de uma mera banda porreira, no dealbar do neo-pós-punk, para autores de uma das mais interessantes e imparáveis discografias feitas por cá (só este ano há quatro discos, todos valorosos). Otha Goat Head, duplo CD-R lançado no selo do grupo, é o documento maior desse percurso e sintetiza vários aspectos que já conhecíamos deles: jams semi-improvisadas, abertas ao ruído, aos drone monásticos, às músicas dos cinco continentes. Transe, imersão e ritmo são palavras de ordem no léxico musical alargado e imprevisível do trio, alinhável em espírito com os No-Neck Blues Band e os Sunburned Hand of the Man. Os Loosers já são grandes, mas têm tudo para ser ainda maiores. Pedro Rios
9: 
Frango Aneboda
Searching Records


É difícil ser-se concreto quando respeita a um disco de Frango, tanto mais quando a camada que cobre por inteiro Aneboda evidencia uma fertilizante espessura que torna incógnito e quase místico o conjunto de instrumentos e respectivas aplicações que adensam a massa textural do intrigante cd-r lançado pela Searching. Por maior que seja qualquer familiaridade desenvolvida com a “coisa”, esta escuta-se sempre como se fosse um agravamento psíquico por sanar após diagnóstico concreto (quando falta âncora além do irredutível feedback), como um sobranceiro debate entre texturas onde uma sempre sabota a subida definitiva do todo à superfície. Aneboda é mais um daqueles óvnis que adoramos ver a cruzar a galáxia Frango e toda a via galáctica do Barreiro. Miguel Arsénio
8: 
Nuno Prata Todos os Dias Fossem Estes/Outros
Turbina

Fossem todos os dias como estes e Nuno Prata, o músico portuense outrora responsável pelo baixo dos extintos Ornatos Violeta, não teria motivos para desanimar. Pese embora todas as dificuldades que sentiu para que o seu primeiro trabalho em nome próprio visse a luz do dia, o resultado final valeu o esforço. Nuno Prata garante a visibilidade merecida às composições que foi arquitectando desde os tempos da sua antiga formação. Todos os Dias Fossem Estes/Outros deixa transparecer inspiração nas criações de Sérgio Godinho e Chico Buarque, mas revela sobretudo uma apetência para a escrita e composição passível de sobreviver à ausência de músicos de suporte. O disco inclui mesmo assim arranjos habilidosos nomeadamente percussão q.b., por um lado, e colaborações nas vozes incluindo a de Manuel Cruz, por outro. Uma estreia assinalável. Eugénia Azevedo
7: 
CAVEIRA Quebranto
Rafflesia

O termo Quebranto era de comum aplicação na prosa de Camilo Castelo Branco. Nem parte a associação do facto de se intitular “Mundo Romântico” o feroz freak out que abre desenfreadamente o disco ao vivo que recupera aos CAVEIRA uma memorável prestação no Festival Sonic Scope. Apesar do desuso a que foi sendo votada a palavra “quebranto”, esse é o termo ideal para descrever o limiar clínico em que persistem assentar os concertos do trio lisboeta. “Quebranto” para assinalar o desfalecimento a espaços que afecta sobretudo a guitarra de Pedro Gomes. “Quebranto” como ameaça do vácuo langoroso e mortiço que arriscam os CAVEIRA se não se interceptarem entre si. “Quebranto”, sobretudo, enquanto palidez que se esbate sobre um corpo sónico quando vê as suas entranhas fendidas de alto a baixo (por duas guitarras de dente afiado e uma bateria sempre decidida a retardar a cicatrização). Posto isto e porque Camilo é eterno, pode bem ser este o verdadeiro amor de perdição. Miguel Arsénio

6: 
Sam the Kid Pratica(mente)
Edel

Eis a confirmação: Sam The Kid é agora o grande senhor do hip-hop tuga. Pratica(mente) revela uma consistência invulgar num género que em Portugal teimava em não revelar todo o potencial. Consciente da sua verdade e da sua poesia, Samuel recorre ao sampler para erguer a verve melódica urbana contemporânea sobre beats seguros e obstinados. Expõe sem constrangimentos a sabedoria de quem cresceu na rua e nela aprendeu a destituir o bem do mal. Sem ambiguidades e sem receio de experimentar, o passo seguinte foi dado, elevando-se agora a fasquia da qualidade para futuros intervenientes. A brincadeira casual terminou. Agora devem entrar os profissionais e todos aqueles que não tenham medo de correr riscos. A produção nacional 2006 não podia ter terminado de melhor forma. Rafael Santos
5: 
Sérgio Godinho Ligação Directa
EMI

É sem dúvida redundante apelidar um disco de Sérgio Godinho de sólido, mas é exactamente isso que apetece dizer de Ligação Directa. Emergindo de um estatuto de unanimidade intergeracional, o cantautor portuense deu mais um passo na construção de canções cristalinas e que parecem cada vez melhor articular um passado de canção popular e de intervenção com uma faceta pop mais depurada e moderna. Ou talvez devêssemos esquecer isso e apenas dizer que Godinho está mais próximo da canção perfeita. Claro está que também é redundante dizer que se contam pelos dedos de uma mão os autores que escrevem em português como ele. João Pedro Barros

4: 
Rafael Toral Space
Staubgold / Flur

No princípio eram os drones e a transposição para a música electrónica de um certo rock planante (My Bloody Valentine à cabeça). Space, disco integrado num ambicioso e calculado Space Program, não é nada disso: configura uma nova abordagem de Rafael Toral perante a música. É jazz e electrónica sem ser jazz ou electrónica como os conhecíamos até aqui. É, com efeito, uma obra sem paralelo nas linhagens dos dois géneros (o músico descreveu-o acertadamente como "jazz em electrónica"). Com Space, Toral sedimenta o lugar de excepção que tem na música experimental mundial da forma que se exige a quem detém tal título: desafiando os seus próprios limites e pré-conceitos e, no processo, os dos ouvintes. Pedro Rios
3: 
Linda Martini Olhos de Mongol
Naked / Musicactiva

Em 2005, foram a banda revelação da música portuguesa, dando a conhecer pelo MySpace a sua maquete (depois transformada em EP). Nada ali era novo (havia pós-rock facção Mogwai, canções que carregam a escola hardcore às costas), mas a forma como as referências se cruzavam em algo único entusiasmava. A espera foi grande mas Olhos de Mongol não desiludiu. Tem menos impacto às primeiras audições, mas revela-se mais complexo e menos denso do que o EP. Alguns exemplos: José Mário Branco a surgir num sample que leva "Partir para ficar" para outro nível, "Dá-me a tua melhor faca", a ir do rock à melodia de um xilofone, e "Cronófago", potente tema rock escola Sonic Youth. Confirma-se: os Linda Martini deixaram de ser uma promessa e tornaram-se uma das melhores novas bandas portuguesas. Pedro Rios
2: 
Dead Combo Vol II: Quando a Alma Não É Pequena
Dead & Company

Pode parecer tarefa difícil mas Pedro Gonçalves e Tó Trips conseguiram em Vol. 2: Quando A Alma Não É Pequena pelo menos um disco tão admirável e com tanta qualidade como Vol. I. E isto não é dizer pouca coisa. Os Dead Combo, na sua portugalidade ou na sua capacidade de viajar pelo mundo, são um dos projectos nacionais mais surpreendentes e essenciais deste novo milénio. Chamem-lhe Fado Western, chamem-lhe Western Spaghetti, chamem-lhe Spaghetti Accident, chamem-lhe o que quiserem. Vol. 2: Quando A Alma Não É Pequena vale a pena ser percorrido em toda a sua longitude, mas especialmente em temas como “After Peace, Swim Twice” e “O menino, o vento e o mar”, congregação perfeita do melhor que há nos Dead Combo. Venha então o terceiro volume. André Gomes
1: 
The Weatherman Cruisin' Alaska
mono¨cromática / Edel

Esteve para chegar ainda em 2005, mas não. Chegou no dia 13 de Fevereiro e chegou para vencer. Alexandre Monteiro é o senhor por detrás do projecto The Weatherman e do poppy Cruisin’ Alaska, revisão da matéria dada pelos Beach Boys mas sobretudo pelos Beatles, o talismã da sorte do músico de Gaia, com métodos de trabalho actuais. Não é só single “People get lazy” capaz de provocar uma certa audição: canções como “One of us is the observer”, “About harmony” ou “If you only have one wish” são pérolas pop em ano de colheita reduzida. Apesar de ter raízes nos anos 60 e 70, a pop de Weatherman resulta refrescante e positiva. Sem que estivéssemos à espera, chegou e entrou em cena algo como que de surpresa – uma das maiores do ano. André Gomes

Parceiros