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Lhasa de Sela deixou-nos, e deixou-nos alguma da tristeza mais bonita dos últimos tempos
· 04 Jan 2010 · 11:35 ·
Era jovem, demasiado jovem. A sua voz era belíssima, como a de poucos. Vítima de cancro, Lhasa de Sela deixou-nos no virar para 2010 e o mundo da música ficou um bocadinho mais vazio. Com três discos editados, estabeleceu-se como uma das maiores vozes da música que não cabe em lado nenhum, que cabe no mundo todo. Vasco Sacramento, agente da cantora nascida nos Estados Unidos mas com fortes raízes no México, deixou o seu testemunho emocionado e sentido: «ao longo dos últimos sete anos, a Sons em Trânsito tem produzido centenas de concertos com artistas estrangeiros em Portugal. Desses talentos todos, que tivemos a oportunidade de mostrar ao público português, Lhasa de Sela foi claramente a que mais me marcou. Não só pela sua voz única ou pela qualidade óbvia das suas canções e dos seus músicos, mas antes pela sua atitude desprendida e diferente do que é habitual assistir em muitos artistas».

Para Vasco Sacramento, Lhasa de Sela era uma artista distinta de todos os outros: "Lhasa de Sela não estava interessada no estrelato, na fama ou no dinheiro. Não que quem aspire a isso seja menos válido. Longe disso! São ambições legítimas. Porém, a Lhasa era diferente. Parecia que cantava apenas por imperativo de consciência, sem grandes preocupações com estratégia de mercado. Daí apenas ter deixado 3 álbuns. Após cada disco e respectiva digressão, a Lhasa tinha necessidade de desaparecer por uns tempos para fazer coisas diferentes, por exemplo, a longa temporada que passou em Marselha onde as suas irmãs têm um circo", conta.

Lhasa de Sela tinha uma relação muito especial com Portugal, onde gozava de um culto considerável: "não posso deixar de lembrar a inesquecível ligação que a Lhasa tinha a Portugal. Amava o fado, principalmente, claro, Amália, que cantou nos seus concertos em Portugal. Lembro-me das ovações em pé que a sua interpretação de “Meu amor, Meu amor†lhe rendeu. Foi emocionante. Lhasa adorava Lisboa! Bairro Alto, Alfama, mas também Sintra, Coimbra, etc. Falava-me sempre do bacalhau que gostava de comer em Xabregas, quando cá estava. E o público português sempre lhe dedicou enorme afecto, esgotando todas as salas onde a Lhasa actuou no nosso país. Foi com ela que esgotei, pela primeira vez, a Aula Magna, numa noite memorável", recorda.

Vasco Sacramento lembra Lhasa de Sela como uma pessoa autêntica: "fora dos palcos, Lhasa de Sela era simples e densa. Simples no trato, na forma como lidava carinhosamente com todos. Densa pela profundidade e maturidade que revelava, provavelmente fruto do nomadismo que marcou toda a sua vida. Parece-me que o principal atributo da Lhasa, para lá do seu evidente talento, era a autenticidade. Era isso que tocava quem a ouvia ou conhecia. Tudo soava a verdade", confessa.

Depois da edição do seu terceiro e derradeiro álbum, Lhasa, a cantora norte-americana foi forçada a cancelar uma digressão de promoção ao novo disco e, agora, obrigada a desistir de alguns projectos que pairavam na sua mente: "Lhasa de Sela vendeu mais de um milhão de discos", conta Vasco Sacramento. "Praticamente só com dois registos, dado não ter podido promover convenientemente o último trabalho. Poderia ter vendido muitos mais se esse fosse o seu objectivo, mas, como ela dizia, isso obrigá-la-ia a ser uma “operária da músicaâ€. Tenho muita pena que ela não tenha tido tempo de mostrar em palco o seu “Lhasaâ€, onde ela finalmente cantou exclusivamente em inglês, ou que não tenha podido pôr de pé o seu projecto de recriar os temas de Violeta Parra e de Victor Jara", relata.

Vasco Sacramento termina dizendo que Lhasa "partiu como sempre viveu. Sem grandes alaridos. Partiu livre. Como sempre viveu". Para que seja possível confirmar a liberdade com que Lhasa de Sala levou a sua vida deixamos aqui "I'm Going In", uma das mais belas canções do seu último álbum:

André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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