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A Revolução Vai Ser Amplificada - Guitcho
· 29 Abr 2011 · 01:12 ·


O actual vocalista dos Blasted Mechanism improvisou, em plena manifestação na Avenida da Liberdade, em Lisboa, um refrão que seria repetido como um mantra durante o trajecto até ao Rossio.

Que papel consideras que a música desempenha nas transformações sociais e políticas?

Se a música reflecte o que acontece na sociedade no dia-a-dia e as coisas que nos afectam, é muito normal que seja uma voz muito forte tanto das coisas boas como do descontentamento que sentimos. Acaba por ser um canal para extravasar essa insatisfação. E a música é algo muito directo, está sempre presente, é um motor quase subliminar.

Qual é a tua opinião sobre a manifestação de 12 de Março em Portugal e o seu impacto?

À partida foi a concentração de muita gente que saiu à rua, e isso só por si é a concentração de muita energia concentrada no objectivo de mostrar o descontentamento pela situação que estamos a viver e, ligado a isso, uma vontade de mudança para uma coisa mais justa, sem partidos, sem cores políticas. Um patamar se calhar não tão ligado ao material, que é o que nos tem pregado a rasteira constantemente. Cada vez precisamos mais de coisas que não estão ligadas ao material, como amigos reais. Enquanto impacto, no dia a seguir o IVA do golfe baixou para os 4% (risos). Senti um bocado que foi um tiro de vaporizador. Tirando a noção de que podemos mobilizar as pessoas para causas sociais que não são o futebol, não foi um tiro certeiro porque não houve um target específico. Vejo um bocado como um primeiro passo, mas precisamos de outro tipo de iniciativas mais dirigidas.

Como é que surgiu a ideia do “Puxa Pra Cima!� Primeiro veio o refrão e só depois o resto da letra?

Aquilo foi um chavão que ficou dum processo de estúdio, durante uma jam session em que entrei num mega-buraco e a única forma de sair dali para fora era essa frase. Normalmente, durante o processo criativo fazemos mini-rituais de entrega a coisas maiores, e nesse processo abriu-se um vórtex duma energia mais esquisita que me sugou. E essa foi a única coisa que me conseguia fazer sair desse buraco. Na manifestação a coisa colou automaticamente porque foi exactamente esse o espírito. Temos que sair daqui, e só podemos fazer isso se puxarmos a nossa energia para outro nível mais elevado. Cantei isso quando estávamos a tocar o “Athom Bride Themeâ€, não tinha propriamente uma música. E o pessoal agarrou naquilo. No dia seguinte fomos para o estúdio, escrevi uma letra – que não precisou de ser muito extensa porque a frase do refrão já diz muito – e fizemos aquilo a título de descarga da manifestação dia anterior.

O que achaste de ver músicos de diversas gerações (Homens da Luta; Vitorino; Fernando Tordo; Kumpania Algazarra...) unidos numa mesma manifestação?

É uma coisa que não costuma acontecer muitas vezes, os músicos abraçarem uma causa, sem cachet. Mas os músicos são responsáveis por ajuntamentos de pessoas. E por que não tê-los numa questão social, juntando músicos de diversas gerações? Foi com muita felicidade que vi isso. Foi um dia muito especial, também por isso.

Tiveste conhecimento do que o músico Ikonoklasta fez em Angola, convocando durante um concerto uma manifestação contra o regime de Eduardo dos Santos, tendo sido detido nessa mesma manifestação? Qual a sua opinião sobre esses factos?

Vi as notícias e soube que ele depois foi detido, nessa manifestação. Acho que se pagam determinados preços por determinadas posições que tomamos. Mas isso é que dá pica à coisa. Se não tomarmos esses partidos, a nossa vida e a nossa carreira vão ficar mais pobres… se não formos capazes de vestir a camisola da mudança. O punk foi uma das coisas que me fez tocar e está lá essa energia. É por aí o caminho, não vejo o artista desligado desse papel. É nessas lutas de transformação que a nossa consciência muda.

Qual é a tua opinião sobre o facto de cidadãos de vários países, não só na Europa como em Ãfrica, Médio Oriente, etc, estarem a vir para a rua gritar contra os respectivos regimes políticos? E o que pensa de algumas dessas manifestações estarem a ser inspiradas ou convocadas por músicos?

Acho que estamos a ser varridos. Alguma coisa maior nos está a fazer acordar, e rebenta com padrões e dogmas. E nós não vamos ficar à margem disso. Nem as sociedades nem os regimes que estão estagnados. Vamos ter que evoluir. Se calhar, os artistas, pelo tempo livre que lhes é disponibilizado para reflectir sobre as coisas que os rodeiam, têm uma certa responsabilidade em devolver de alguma maneira as conclusões e pensamentos a que vão chegando de alguma forma. O Jello Biafra, no concerto de Guantanamo School Of Medicine, esteve todo o tempo entre as músicas a colocar dedos na ferida. Boa parte do meu conhecimento foi-se abrindo através da música, que me fez levantar determinadas questões e rasgar horizontes.

Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net

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