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Marem Ladson
Rookie of the year


Se o dito popular “filho de peixe sabe nadar” se concretizasse, hoje não estaríamos a falar da artista Marem Ladson mas de uma possível base da selecção espanhola de basquetebol. Filha de um lendário basquetebolista americano da equipa da sua cidade natal, Ladson cedo percebeu que os seus “dribles” e “lançamentos” seriam outros. Com pouco mais de onze anos compõe a sua primeira música, um tema em que canta o bullying de que foi alvo nos primeiros anos de colégio.

A necessidade de transformar pesadelos em música começava a ganhar uma forma ritual que, aos 15 anos, tornaria a dar sinais mais concretos com a “adolescente” “All My Storms”. Foi com essa adolescência a escapar-se às mãos de Cronos que a jovem Marem Ladson entra em Madrid pela porta do curso de Relações Internacionais e sai com um contrato discográfico que lhe permite concretizar o sonho de um álbum de estreia que acaba por ser pretexto para o concerto com que brindou o público presente no último Gaia Todo o Mundo. Eleita no nosso draft, eis a rookie Marem Ladson em discurso directo em 3, 2, 1…
Apresentaste-te pela primeira vez em Portugal há relativamente pouco tempo. Como é que correu o concerto no Gaia Todo o Mundo e o que é que levas dessa experiência?

Tocar no Gaia Todo o Mundo foi uma experiência inesquecível, nunca tinha dado um concerto em Portugal, o público foi muito amável e acolhedor. Levo uma recordação muito bela da cidade e das suas gentes.

Como é que chegaste a “All My Storms”? Como é que este tema que, de certo modo, inaugura a tua carreira, se criou em ti? Cansaste-te de escrever para ti e decidiste ser tempo de partilhar a tua música com os outros ou é bem mais complicado do que isto?

Escrevi “All My Storms” quando tinha 15 anos e vivia em Houston, Texas. Creio que, como todo o adolescente, passava por uma fase de grande revolta emocional que acabou por confluir nessa canção. Continuo a escrever para mim mas isto não é, de todo, incompatível com partilhar a minha música com os outros.

Tudo parece ser muito autobiográfico na tua carreira até ao momento, desde “All My Storms” até o álbum de estreia Marem Ladson. É uma mera opção ou é uma forma criativa de exorcizar o Passado?

Não é uma opção. Quando componho tento ser fiel a mim mesma, tenho que me desnudar sentimentalmente perante tudo aquilo que me provoca emoção. Não sei fingir, se o fizesse as canções não seriam autênticas. Quando começo a escrever uma canção sei que estou a abrir feridas do passado porém, quando estou prestes a fechar a letra, sinto que encerro um capítulo ainda que isso signifique que vou tocar a canção mil vezes em público, e senti-la de cada vez que o faça, mas isto é a minha forma de superar as dificuldades.

Entre os teus músicos favoritos contam-se nomes como Bob Dylan, Fiona Apple ou Regina Spektor, todos artistas que, de uma forma ou de outra, transcrevem para a música o seu lado mais introspectivo/sombrio/doloroso. É isto que te agarra neles?

Claramente. Gosto de cantautores introspectivos que se abrem totalmente nas suas composições e te fazem pensar. Aspiro a isso, mas sempre á procura de fazer evoluir a minha sonoridade.

Pegando um pouco na pergunta anterior. Começaste a tocar aos 9 anos e a tua primeira composição musical versava sobre o bulliyng que sofrias. Acredito que não tenha sido fácil ser filha de uma estrela de basquetebol da equipa da tua cidade natal…

Não era nada fácil…era uma miúda negra num colégio de gente branca. Sempre me custou muito integrar-me porque não aceitava as minhas particularidades, não aceitava aquilo que me fazia ser uma pessoa diferente e especial. A cor da minha pele, o meu sentido de humor, a minha forma de pensar e expressar…nunca fui como as outras raparigas do colégio. Quando és pequeno a única coisa que queres é sentires-te parte de algo ainda que isso signifique fazer parte de uma massa uniforme que veste da mesma forma e frequenta os mesmos sítios. A minha mãe nunca me comprava a roupa que estava na moda nem me dava a ouvir a mesma música que os meus colegas… Só a partir do momento em que me aceitei tal como era, ao descobrir que ser-se verdadeiramente único é brilhar de uma forma distinta das restantes pessoas, é que entrei em sintonia comigo mesma e com toda a gente que me rodeava.



O vídeo que acompanha “All My Storms” (apesar de escrita nos Estados Unidos) apresenta paisagens da província de Ourense. Ourense representa, de algum modo, tempestade interior?

No momento em que escrevi a canção sim, a minha cidade natal representava, para mim, uma tempestade. Os meus pais tinham acabado de se divorciar, eu estava a experimentar a minha primeira desilusão amorosa e eu só queria fugir de tudo isso para, com distância, poder reconciliar-me com todos esses sentimentos.

Tens dupla nacionalidade, espanhola e americana. Acreditando que o teu coração se encontre dividido, a tua música parece pender claramente para o lado americano. É assim?

Sem dúvida. A minha música é claramente influenciada pelo folk americano, é o meu género, é nele que me sinto mais confortável desde que comecei a sentir curiosidade pela Música.

Entre a tua primeira canção e o lançamento do primeiro single decorreram 10 anos e uma adolescência que te dividiu a vida entre Espanha e Estados Unidos. E a Música? Em que ponto ficou a Música no meio de tudo isto?

A Música sempre me acompanhou como mais uma parte de mim. De uma forma ou de outra, sempre precisei dela para me poder conhecer melhor e crescer.



Como é que surges a estudar Relações Internacionais em Madrid e a ganhar o concurso BDCODER para bandas emergentes no Dcode em 2017?

Quando terminei o secundário não queria ficar em Ourense, queria continuar a estudar a nível universitário. Relações Internacionais pareceu-me um curso interessante para aprender um pouco de tudo e saber, de uma forma geral, como funciona o mundo. Em paralelo, ao mudar-me para Madrid apresentou-se a oportunidade de assinar um contrato discográfico e torna-me profissional da Música. Ganhar o concurso BDcoder permitiu dar-me a conhecer. Desde que gravei o disco que ando em digressão com a minha banda e estou muito agradecida pelo acolhimento que estou a ter.

E eis que, no horizonte, surge a oportunidade de abrir o concerto de Cat Power em Madrid. Como é que tudo aconteceu?

Admiro muito a Chan Marshall, é uma compositora incrível e uma das melhores vozes que jamais ouvi. Quando me disseram que ia a ser a convidada especial no seu concerto de Madrid comecei a chorar. Significou muito para mim. Para que isto aconteça, acredito que é importante sabermos rodear-nos de pessoas que acreditam e apostam em ti e por isso agradeço a toda a minha equipa por todo o apoio que me têm prestam.

What’s next? Dueto com Dylan, um Nobel…? Depois de Marem Ladson ainda sobra muito de ti para contar?

Hahaha. De momento vou continuar a digressão de promoção do disco e, paralelamente, continuar a compor material novo.


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
10/12/2018