Tudo começa com os discos da avó, com o graffiti e com uma pitada de
hardcore. Segue-se depois o hip-hop e toda a cultura adjacente ao género, e um convite para ingressar nos icónicos Da Weasel - com quem andou na estrada e gravou dois álbuns.
Prosseguiu carreira a solo, sendo o cabecilha das noites C.R.E.A.M., que têm ocupado o Lux com alguns dos nomes mais relevantes da produção nacional e mundial. E, finalmente, chegou em
Goodies, o seu primeiro EP. Eis DJ Glue, em discurso directo ao Bodyspace, na mesma semana em que se estreia nisto dos lançamentos. Certamente, não irá ficar por aqui.
Começaste no hardcore mas, à semelhança de muitos outros, acabaste por te virar para o hip-hop e a electrónica. Que há nestes géneros que te atrai?
Não diria que comecei no
hardcore, até porque o meu primeiro contacto com a música foi com os discos da minha avó, que mais tarde viria a samplar, ao mesmo tempo que começava a pintar graffiti na rua - e isso é hip-hop. Toquei baixo numa banda que misturava muitas sonoridades, e desde sempre que gosto muito de musica electrónica. Independentemente do género, o que me atrai - e o que está no meu DNA desde sempre - é o abanar a cabeça, sentir o som.
Ainda hoje, o papel do DJ é olhado um bocado de lado: "carregar no play não é tocar", "eu também conseguia fazer isso", etc., etc.. Como achas que se pode alterar este tipo de mentalidades?
O DJ não é um gajo que toca no
play e põe os braços no ar; o DJ é aquele que eleva a cultura, prepara os seus
sets, tenta aperfeiçoar a técnica tanto de
mixing como de
scratch, faz
digging diariamente, ensaia rotinas, procura exclusivos, faz os seus próprios
edits, experimenta, arrisca e educa. Achas que qualquer um consegue fazer tudo isto?
Que aprendeste durante os anos em que fizeste parte dos Da Weasel? Sentes que algum dia a banda poderá regressar?
Aprendi muito com a banda, somos todos bons amigos. A percentagem com que digo que a banda vai voltar é exactamente igual àquela com que digo que nunca vai voltar... Quem sabe, um dia, ou talvez não, ahaha.
No que toca às noites C.R.E.A.M., qual é o artista que mais te orgulhas de ter conseguido trazer ao Lux?
Já vieram às C.R.E.A.M. muitos artistas que admiro bastante, e todos eles me souberam particularmente bem. Os que nunca pensei que fosse possível foram o DJ Craze e o DJ Shadow, mas também outros, como o Mike Skinner ou o P-Money.
Apesar de já contares com uns valentes anos de carreira, "Goodies" será o teu primeiro lançamento em nome próprio. Porquê (só) agora?
Já me tinha aventurado na produção várias vezes, em algumas coisas em Da Weasel e em coisas para o Carlão, não é novidade para mim produzir. Mas senti que estava na altura de mandar cá para fora um disco só meu, para poder chegar a mais pessoas como DJ e elevar a cultura do DJing.
Que importância tem, para ti, ser o primeiro lançamento da recém-criada Parkbeat Records?
A Parkbeat Records é família, e fiquei muito feliz por quererem que o
Goodies fosse o primeiro lançamento da editora. É sempre bom saber que os teus acreditam no teu trabalho. E já dizia o velho lema:
Ride alone, die alone.
Goodies conta com a presença de vários artistas convidados. Era nestes que já estavas a pensar enquanto compunhas, ou houve alguém que ficou de fora? Não conseguiste convencer o Dino D’Santiago a falar com a Madonna?
Não gosto da voz da Madonna. Já está toda estragada, coitada, ahaha. Todas as pessoas com quem trabalhei no
Goodies são pessoas que admiro como artistas, e o processo passou por desenvolver primeiro os
beats e, depois, falar com eles para trabalharmos juntos. Tudo muito fluído e sem pressões.
O hip-hop português está a aproximar-se dos seus 30 anos de vida. Como tens visto a evolução do género em Portugal? Que MCs ou produtores novos destacas?
A cena teve uma evolução brutal, muito difícil de acompanhar até para mim. Só acho que a quantidade de atenção e crédito que dão aos rappers também deveria ser dada aos produtores. Sem os produtores, os rappers nunca teriam o sucesso que têm, e nós temos muito bons produtores a nível mundial. Não se admirem de ver Drake a rimar num
beat do Here's Johnny ou do Lhast. O talento dos produtores cá é enorme e em várias áreas. Posso-te destacar os que convidei para a minha curadoria no Alive este ano: Here's Johnny, Fumaxa, SP Deville e o Dead End.
Há dias, o Wynton Marsalis disse que o rap e o hip-hop "são mais danosos" que as estátuas a homenagear líderes da Confederação, nos EUA. Em causa está o uso de calão - niggas, bitches, hoes, etc. Que pensas sobre este tipo de afirmações? Sentes que o hip-hop perdeu algo enquanto catalisador de mudanças na sociedade, ou este tipo de discursos surgem apenas por desconhecimento e/ou discriminação para com o género?
Sim, penso que é apenas por desconhecimento. Tens hip-hop de festa, só para curtires e te divertires, que não faria sentido se tivesse dicas muito
deep e fosse liricamente rico. Na cultura hip-hop há espaço para tudo, continua a haver educação e
knowledge mas também parvoíce. O hip-hop está mais forte que nunca e muda ainda mais coisas com essa força que ele tem. O Wynton Marsalis sempre foi um músico polémico, e parece-me que está muito na cena dele, não acompanhando exactamente o que se passa no mundo do hip-hop. Parece-me ressabianço pelo jazz não ter tanta atenção, ahaha.