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JFDR
Encontrar beleza na tristeza


A islandesa Jófríður Ákadottir passou por Portugal na última semana, com concertos em Coimbra, no Auditório de Espinho e no ciclo Bodyspace em Casa, na lisboeta Casa Independente, onde se apresentou ainda num “momento de transição” em que se encontra: da banda Pascal Pinon, que criou com a irmã, Ásthildur, para o projeto a solo JFDR, cujo álbum de estreia, “Brazil”, é editado a 17 de março.

Ao Bodyspace, depois da atuação em Espinho, com um quarteto de cordas composto por alunos da Escola Profissional de Música de Espinho, falou sobre os últimos concertos enquanto Pascal Pinon, as raízes criativas na “melancolia e tristeza”, sobre o novo álbum e ainda sobre outro projeto em que está envolvida, a banda Samaris (não confundir com o médio do Benfica). Entre o regresso ao “solarengo” Portugal e a “enorme dádiva de encontrar beleza na tristeza”, Jófríður tem um coração, um coração partido e um meio-coração em “Brazil”, que “não é um álbum de fim de relação” mas antes um encontro de “todas as experiências e direções artísticas” que a islandesa já perseguiu.
Como viste, por dentro, este concerto [em Espinho]? Como correu a experiência com o quarteto de cordas?

Correu muito bem. Diverti-me muito e penso que o público também. O quarteto foi fantástico, eles são adoráveis. Fizeram um trabalho excecionalmente bom. Sei como é estar naquela idade e neste ambiente, porque estudei clássica até aos 18 anos, e é uma raridade fazer algo assim, mais fora da caixa, em que têm de se desafiar para lá de algo demasiado quadrado. Espero que tenham aprendido com o concerto.

Como surgiu a possibilidade de tocar com um quarteto de cordas?

O objetivo era juntar-me com a escola, que tinha algumas ideias, e Pascal Pinon nunca tinha feito nada com cordas. Eu ia escrever o arranjo, mas não consegui, fiquei assoberbada e não tive tempo. Então um grande amigo, o Ian Davis, fez um excelente trabalho com o arranjo e seria uma pena que ele ficasse apenas neste concerto. Temos o objetivo de o aproveitar e gravar.

© Rui Oliveira

Depois destes concertos, Pascal Pinon diz adeus...

Durante um tempo, sim. Estou lentamente a passar para JFDR, de certa forma. Temos alguns concertos na Suécia, ainda este mês, e depois vamos ver. Uma coisa que queremos muito é gravar o arranjo com quarteto de cordas, por isso a banda não morreu, definitivamente, estou apenas a mudar o meu foco para outras coisas.

Como é passar por este processo de mudar de projeto?

É desafiante. É lento e demora mais do que quereria, mas é uma das coisas de vida em que é impossível parar uma coisa e começar logo outra. É uma transição, é preciso segurar os dois e ir gerindo.

O primeiro álbum de JFDR, Brazil, é editado a 17 de março. Guia-nos pelo conceito e tema dominante.

Há um tema na escrita das letras, sem dúvida. Todos são pequenos pontos no ano em que surgiu. Falo disto como um álbum-coração, tem um coração completo, um coração partido, e depois um meio-coração, por assim dizer. Está dividido entre estas três coisas. Trata também do estar apaixonado e não estar ao mesmo tempo. Não é um álbum sobre o fim de uma relação, é sobre explorar o que significa amor e o fim de uma relação para mim e naquela altura. Tem uma data de círculos, loops, termina onde começa e vice-versa. É como uma roda que vai girando durante todo o álbum.

© Rui Oliveira

Como é que surge este primeiro trabalho a solo?

É um álbum que nunca pensei fazer. Um produtor convenceu-me, em Nova Iorque, a fazê-lo. Outra coisa que posso dizer sobre ele é que o processo de o fazer demorou muitos anos. Só um ano foi para esperar para sair, por isso foi um grande teste à minha paciência e força. Quando fazes algo, queres mostrar logo a toda a gente, estás entusiasmado com aquilo e queres que mais gente também esteja. É um desafio esticar o processo durante este tempo, até porque isto vai viver contigo para sempre, mais vale esperar. Quanto ao conceito, foi pegar em tudo o que fui fazendo ao longo dos anos e juntá-lo numa só peça. Cada experiência ou direção que já persegui está aqui. Estou muito orgulhosa e feliz com isto.

A tua escrita atravessa frequentemente temas como a melancolia, a tristeza, mas também a esperança. Também o encontramos em Brazil?

Tem sempre melancolia, eu acho. É onde encontro a fonte. Recentemente, tenho tentado perceber o que isso significa para mim. Acho que quanto mais expresso estes sentimentos, percebo que são os meus pontos fortes, esta capacidade de encontrar beleza na tristeza. Pegar nesses momentos e fazer algo especial para mim e para outras pessoas. Isso é um enorme privilégio, uma enorme dádiva, que me ajudou imenso no passado. Acho que a arte é isso para muita gente. Ter algo que precisam muito de dizer, ou com que precisam de lidar, e expressá-lo de uma forma ou de outra. Porque isso não sai de nós, faz mesmo parte de nós. Não é bom ou mau, é algo.

Que semelhanças, e diferenças, se podem traçar com Pascal Pinon?

Acho que é o ouvinte que decide. JFDR permite-se ser mais experimental e quer empurrar algumas barreiras sonoras. As letras vêm de sítios similares, desta busca interior e de procurar extrair isso. Em termos de produção, na forma que foi produzido, parece-me de outro nível. Pascal Pinon parece-me muito doce, inocente, sem que se arrisque muito. JFDR não é o projeto mais arriscado, mas procura correr alguns riscos.

Em que estado está o outro projeto em que estás envolvida, Samaris?

Ora, as notícias são que não há notícias. Dediquei-me muito ao projeto durante um par de anos, e chegámos a um ponto em que precisámos de uma pausa uns dos outros por um bocado, e para percebermos o que é importante no projeto e aquilo a que nos queremos agarrar. Encontrámo-nos antes de sair da Islândia, por isso estamos a fazer alguma coisa, mas de forma muito lenta e orgânica.

© Rui Oliveira

Quais são as maiores influências no teu estilo?

A primeira vez que descobri Arthur Russell, outro com Bjork, mas também com Joni Mitchell. Tudo em alturas diferentes da minha vida. Depois, trabalhos de outros grandes artistas e músicos, mas esses são os primeiros que me surgem.

Pensas voltar a Portugal em breve?

Quero muito voltar, sim, preciso é de encontrar o timing correto.

Tiveste oportunidade de ver as cidades por onde passaste?

Não consegui ver muita coisa. Em Coimbra, passeámos pela zona da universidade, mas infelizmente não conseguimos muito. No Porto, fomos à Matosinhos comer peixe, mas também fizemos praia em Espinho e passeámos pela baixa da cidade.


Simão Freitas
spfreitas25@gmail.com
16/03/2017