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Marta Ren
Soul de alma portuense


Em 2016, qualquer pessoa minimamente atenta ao panorama musical nacional esbarrou no nome Marta Ren & The Groovelvets. Um pouco por todo o lado, das televisões às rádios se ouvia soul com alma portuense que impressionava. Nas listas de fim de ano, “Stop, Look, Listen”, o primeiro álbum, não faltou à chamada. Lá fora, dir-se-ia, o impacto foi ainda maior, com concertos em vários países da Europa e grande incidência em países tão improváveis como o Japão. Até Dan Aykroyd, o Elwood dos Blues Brothers, lhe deixou elogios.

Ao Bodyspace, Marta Ren descreve o peso que o trabalho anterior em bandas como os Bombazines tem na aventura a solo, as expetativas para o Eurosonic, onde atua muito (muito) em breve, o próximo passo na carreira e as raízes, da Invicta à “grande família da música negra”. Pelo meio fica a noção de que “falta soul no ouvido dos portugueses” e de que “Stop, Look, Listen” “ainda tem muito para andar”, e é isso que vai fazer pelo menos até agosto, lá fora e cá dentro. É parar, olhar e ouvir.
Esperavas uma recepção tão forte e criticamente favorável a “Stop, Look, Listen”?

Tento sempre não criar expectativas para não me desiludir. Não esperava que a recepção fosse tão forte e a crítica tão boa, embora tenha a consciência que este disco levou tempo a fazer porque foi bem pensado e feito com muita minúcia e algum perfeccionismo, por isso, havia uma parte de mim que ansiava e suspeitava que a recepção e a crítica fossem assim.

Qual foi a coisa que mais gostaste de ler sobre o disco?

Não me consigo recordar de nada em específico, as críticas têm sido todas boas e normalmente leio-as na "transversal". Fiquei especialmente surpresa com a crítica da Blues & Soul Magazine e da Wax Poetics, bem como com a distinção feita no programa do Craig Charles (e até na colectânea anual dele) na BBC6 e a descoberta do Dan Aykroyd em versão Elwood Blues no seu programa de rádio The Blues Mobile. O Dan Aykroyd fez inclusivamente uma apresentação para o meu concerto que eu "disparo" nas introduções dos concertos na Europa.

Podemos encontrar traços das bandas (e géneros musicais) em que anteriormente estiveste envolvida também neste disco?

Todas as bandas que cantei vieram da grande árvore da música negra, este disco é mais uma ramificação dessa árvore, o meu trabalho nos Bombazines talvez se tenha aproximado mais do que já queria fazer neste disco.

A força da música e da personagem nela inscrita pode também ser vista, de certa forma, como uma homenagem às tuas raízes portuenses?

Sem dúvida a raça, a garra e a alma Portuense é que me dá essa energia que se consegue ouvir na minha voz e presença. A atitude dos portuenses perante a vida é a mesma que transporto para a minha música.



Fechas o disco com um tema que quase é uma apresentação do teu percurso e identidade como performer, não? De onde surgiu a ideia dessa música?

Sim, fecho o disco com uma homenagem a todas as minhas principais influências e aos Groovelvets, com o mote de que gostaria de ter uma cápsula do tempo e viver nos anos 60 e 70.

Depois de grande parte da carreira feita em bandas, dá-se este salto para o nome próprio. É difícil ou foi mais uma evolução natural? Conta-nos um pouco a história desde que percebeste que querias fazer qualquer coisa a solo.

Sempre gostei de bandas, do processo colectivo, do brainstorming, não deixei de ter uma banda com tudo que ela acarreta para gerir. Mas sim, acho que tem a ver com evolução, esta necessidade de um álbum a solo, em que eu pudesse controlar tudo, com tudo de bom e de mau que isso representa.

Quais os estilos de música que trazes desde pequena? E os músicos, cantores, influências?

Ui!!! São tantos e de tantos géneros diferentes. Comecei com os discos do meu pai, Led Zeppelin, The Beatles, Rolling Stones , Bob Dylan , Otis Redding, Aretha Franklin, Black Sabath...a partir dos 13 anos começei a ouvir muito punk/rock e grunge, bandas como L7, Babes in Toyland, Sex Pistols, Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden, Sonic Youth, depois veio a paixão pelo Reggae, Ska e o Dub seguido pelo hip-hop, trip-hop, jungle, até que nos últimos 15 anos voltei às raízes e voltei a consumir música em vinil (como na minha infância), e acabo por me focar muito no soul clássico e o funk em cantoras como a Marva Whitney (que tive oportunidade de ver em Londres em 2008), Lyn Collins , Vicky Anderson, Ann Peebles, Syl Johnson, Bobby Bird, James Brown, é claro que não posso deixar de parte a Sharon Jones & The Dap Kings, Poets of Rhythm, Charles Bradley, Lee Fields....and so on!

Falta mais soul nos ouvidos do portugueses? E na cabeça dos músicos nacionais?

Sim, falta aposta em bandas de soul clássico, em relação aos músicos acho que não. Faltam-nos programas de música ao vivo, em que todos os estilos pudessem ser dados a conhecer a toda a gente. Dessa forma seria mais fácil educar o ouvido colectivo, afinal de contas as pessoas gostam do que têm acesso rápido e imediato.

Que expectativas tens para o Eurosonic? É mais um sinal de que a música portuguesa está a ganhar a tão badalada capacidade de exportação, ou ainda é muito cedo para dizer isso?

Tenho as melhores, estou ansiosa, estivemos agora num festival do género em França, o Trans Musicales, e já tivemos alguns frutos dos concertos que demos lá. São festivais onde estão muitos promotores, agentes, managers de toda a Europa e muita gente que gosta muito de música, sedenta por conhecer projectos novos. Estou também feliz porque vão algumas bandas amigas e vamos ter muito orgulho uns dos outros, vamos fazer do Eurosonic uma grande festa.



Depois há mais de uma dezena de cidades francesas pelo caminho. É um país onde acarinham de forma especial a tua música?

Sim, os franceses surpreenderam-me. Adoram o meu disco, alguns fazem quilómetros para ver os meus concertos e ter um vinil assinado, sabem as letras, e a maior parte acima dos 35 anos. Tenho de dar crédito ao meu agente francês que também se tem esforçado bastante para que a minha música se espalhe por lá.

A distribuição do disco em inúmeros países no estrangeiro faz sonhar com uma presença mais musculada no estrangeiro. A tua intenção foi desde sempre orientada para fora do país?

O meu grande objectivo com este disco foi poder mostrá-lo por esse mundo fora. A aliança com a Record Kicks abriu-me essas portas. Embora queira muito também ter cada vez mais pessoas a conhecer a minha música em Portugal.

Em algumas entrevistas, dizes que Portugal nem sempre te deu valor. Em que medida e porquê? Neste novo projeto, achas que continua a acontecer?

Digo isso na medida em que tenho mais concertos pela Europa do que cá, mais atenção. Embora tenha sentido que as coisas estão a mudar, neste verão tive muitos concertos por cá também. Tenho orgulho em ser portuguesa e portuense, sempre que dou concertos lá fora, faço questão de falar do nosso país, de dizer como é bonito e quem não o conhece o deveria visitar.

Gostas quando te comparam a Marva Whitney ou Sharon Jones? Achas que a associação faz sentido?

De forma geral não gosto de comparações, mas é lógico que fico lisonjeada quando sou comparada a essas grandes cantoras e percebo a associação. Mas o que quero mesmo é que as pessoas me ouçam a cantar (independentemente do projecto) e digam: "é a Marta Ren a cantar".

O que há para 2017? Muita vida de estrada, presumo, mas haverá alguma atividade de estúdio?

Em Janeiro vamos ao Eurosonic e a partir de dia 9 de Fevereiro tenho uma tour com 15 datas em França até Março, mas sei que a tour vai até Agosto, só ainda não posso revelar as datas. O disco ainda não fez um ano, embora eu tenha vontade e até já tenha duas a três músicas novas a serem cozinhadas, acho que um álbum novo só no final de 2017, ínicio de 2018. O "Stop Look Listen" ainda tem muito por andar e ser ouvido. Estou sempre a pensar no futuro, mal acabo de fazer um álbum, começo logo a pensar em fazer o próximo, mas para já ainda tenho de mostrar muito este. Embora goste de pensar no futuro também não gosto de pressões de timings, a música para mim não vive dessa pressão, para ser boa e madura precisa de tempo, de respirar, crescer e amadurecer e isso leva o seu tempo, que nem sempre é o que agrada à indústria e à forma como nos últimos anos nos habituaram a consumi-la.


Simão Freitas
spfreitas25@gmail.com
13/01/2017