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Octa Push
Octa Push, a celebração da diferença


Leonardo e Bruno, não, não são um duo de música sertaneja embora, talvez num futuro próximo esse género musical possa ter um espaço na música que fazem. São irmãos, na vida como na música, e dão corpo ao projecto Octa Push. Língua é o seu último álbum, disco onde procuram fazer a ponte, em jeito de celebração, com os PALOP onde, como não poderia deixar de ser, Zeca Afonso tem um papel importante. Das tentativas frustradas de Baluba a um Oito que lhes deu o “calo” suficiente para empreenderem Língua, os Octa Push levam-nos pelo caminho que da ideia conduziu à luz efectiva com que marcam o ano de 2016 no panorama musical português. Não pretendem contruir manifestos contra a xenofobia mas “atiram a matar” quando o assunto é Trump; não são os Buraka porque são diferentes e respeitam a diferença; ainda não são Futuro porque há um álbum para levar a passear pelas estradas deste mundo mas há um Futuro à sua espera em cada lomba de estrada ultrapassada. Eles vão andar por aí mas, antes, estão por aqui.
Primeira pergunta, a pergunta que se impõe: os Octa Push não são apenas uma desculpa criativa para poderem andar “à porrada” sem parecerem muito infantis, isto é: podem invocar divergências criativas para as desavenças...

Bruno: Acaba por ser mais o oposto, isto é, as desavenças acabam por invocar divergências criativas. Às vezes temos discussões normais de irmãos e isso acaba por influenciar negativamente o processo criativo, as discussões familiares já mataram algumas boas ideias, tal como a ultima fatia de bolo de chocolate que um acabou por comer do outro.

Começaram individualmente e, entretanto, decidem juntar-se como Octa Push. O que vos levou a recriarem-se enquanto duo? Razões afectivas/criativas? Qual foi o impulso?

BrunoComeçamos por fazer som individualmente que levávamos, em CD-R, a umas noites no Mini Mercado organizadas por uns amigos nossos, Roka e Mr Stephens (do colectivo Conspira e da Iberian Records). Numa dessas noitadas, desafiaram-nos a juntar forças. Certo dia marcaram-nos uma data no Porto Rio e tivemos que arranjar um nome e um live-act. A coisa correu bem, e depois foi tudo acontecendo muito rápido. Por exemplo, um ano depois estávamos a tocar no Fabric ou no Sonar em Barcelona para milhares de pessoas e a editarmos em editoras que curtíamos como a Soul Jazz.

Boas ideias irremediavelmente mortas?

Bruno

Quando estamos no estúdio temos a preocupação em gravar todas as versões que vamos fazendo. Já nos calhou termos ido revisitar algumas dessas versões descartadas e repararmos que tinham bastante potencial. A partir de aí acabam por surgir ideias novas que por vezes, no processo, seguem um caminho diferente do inicial.

Com tudo a acontecer tão rápido conseguiram transportar tudo o que queriam para Oito?

Bruno: Após editarmos em 2010 o EP Baluba pela Optimus Discos, achámos que precisávamos de fazer um álbum diferente do que tínhamos feito anteriormente. O Baluba foi uma tentativa (frustrada) de fazer algo com um conceito mais próximo ao Língua com convidados a fazer essa ponte Portugal/PALOP, mas na altura talvez ainda não estivéssemos preparados. Ainda estávamos bastante formatados e colados a um tipo de produção mais próximo à pista de dança. Nessa altura tínhamos começado a tocar com banda, e isso acabou também por influenciar tudo o que fomos fazendo após o EP. O Oito foi feito de uma forma descontraída sem um deadline, não tínhamos em mente um objectivo claro em relação ao que queríamos fazer, íamos simplesmente fazendo, com amigos como o Alex Klimovitsky dos Youthless e a Sasha Perera dos Jahcoozi/Perera Elsewhere, ou com pessoas que acabámos por conhecer e se tornaram amigas, como a Catarina Moreno e o Galissá.

Dizem que foi uma tentativa frustrada. O que é que falhou em Baluba e resultou em Língua nesse domínio?

Bruno: O Baluba foi feito no verão de 2010, em muito pouco tempo (duas semanas talvez?), entre algumas actuações. Não tivemos propriamente tempo para avaliar o resultado, já que o EP teve logo que ir para fabricação. Foi também a primeira vez que tentamos fugir de um formato mais dancefloor, com o tema Gengibre que conta com a colaboração do Infestus, mas o disco no todo não foi muito pensado. No Língua tivemos mais tempo para fazer e pensar em tudo. Já tínhamos feito também o Oito, nosso primeiro LP… que nos deu mais "calo".

Foi fácil construir essa ponte? O diálogo funcionou? Zeca Afonso fazia-o nas suas criações, este vosso "Galinhas do Mato" pode se encarado como o mote para todo o álbum?

Leo: Foi tudo muito natural. Começou com uma ideia de ter alguns convidados, e que foi crescendo enquanto íamos avançando com ideias. Todos os músicos que foram convidados aceitaram, e isso facilitou muito durante o processo. A abertura que houve por parte de todos eles foi incrível, se isso não acontecesse e começássemos a ter negas, a nossa confiança não seria a mesma e isso acabaria por notar-se no processo. Penso que o conceito ajudou a que todos encarassem a colaboração como um desafio e vontade de participar no conceito que passa também pela mistura. O Zeca Afonso personificava isso melhor que ninguém, e como tal, achámos que era bonito fechar o álbum com uma versão de um instrumental que adoramos, com a colaboração do Gospel Collective.



Tiveram algum feedback da família ou daqueles que conviveram de perto com o Zeca em relação a esta versão?

LeoUm dos filhos ouviu e gostou mas depois o processo de autorização foi feito via SPA e acabámos por não ter contacto com todos. Lembrei-me que ele ouviu a versão quase fechada. Não foi Bruno?

BrunoSim, foi o Pedro que contactamos e ouviu a versão quase quase fechada.

Temos falado do Língua e das pontes que tenta construir. Pegando num dos temas mais quentes da actualidade faço-vos esta pergunta: o Trump tem muita "língua" ou temem o que está para vir?

Leo: É caso para temer. Mesmo que não tenha tanta "língua", parte do mal já foi feito. A forma agressiva com que Trump comunicou na campanha, despertou o lado nacionalista daqueles que na rua andavam calados. Deu-lhes força, e a xenofobia terá rédea solta. Já se começam a sentir nas redes sociais essa "liberdade". A liberdade de num transporte público, cara a cara, gritar a alguém que fale castelhano para voltar para a sua terra, por exemplo. Se o afro-americano numa América de Obama já levava da polícia, agora, e porque a agressividade gera mais agressividade, os casos tendem a multiplicar-se. Numa América ainda com mais armas e a apelar à defesa nacional perante um qualquer inimigo externo, só podemos temer o que poderá vir daí.

Vocês recuperam e recriam o património musical português, e suas influências africanas. Sentem que a vossa música, e Língua no caso, pode ser a resposta possível perante a recrudescência deste tipo de fenómenos racistas e xenófobos? Língua como uma espécie de manifesto contra a xenofobia?

Leo: Num manifesto não, mas está explícito para nós, e esperamos que para quem ouve, que no álbum há referências a uma certa libertação, seja ela qual for. Língua tem um duplo sentido, por um lado é a língua/idioma que nos aproxima e por outro é com ela que falamos, reivindicamos. Não somos uma banda de intervenção, nem queremos ser, achámos que fazia sentido para nós nesta altura falar disso, até pelos sinais que o mundo nos vai dando. No início quando pensámos no conceito para o álbum queríamos que o foco fosse a conexão lusófona, não como manifestação anti qualquer coisa, mas antes como uma celebração. Como dissemos anteriormente, não queremos fazer deste álbum nenhum manifesto. A ideia é simplesmente fazer coisas com quem nos rodeia e com influências que nos são próximas. Que são próximas e que são o resultado do que foi a nossa História. Somos filhos de pai Uruguaio, imigrante em Londres e mais tarde em Portugal, e não tivemos a educação típica portuguesa, onde na escola nos ensinaram a cantar o hino e ter orgulho das nossas conquistas. Um de nós viveu na Guiné e com a nossa mãe, já na adolescência, passávamos os domingos em pagodes com música brasileira e também africana. Para nós, fazer este tipo de música é normal. Os DaVinci nos anos 80 tiveram um hit que falava do Portugal conquistador. No Língua queremos focar apenas aquilo que ficou, as relações, a mistura.



Uma mistura que contou com convidados ilustres. Como é que nasceram? Tinham as músicas e pensaram neles ou as músicas nasceram com e para eles?

BrunoNasceram de formas diferentes, mas na maioria começámos por fazer uma base instrumental, depois pensámos e passámos aos convidados, que acabaram por dar uma direcção um pouco diferente ao tema. Demos-lhe muita liberdade para que experimentassem e recorremos muito pouco - ou quase nada - à edição dos takes deles.

LeoSim, os convidados foram escolhidos quase a dedo. Todos eles já tinham feito e fazem música com um conceito próximo ao que queríamos fazer. Seja numa estética mais acústica como o Tó Trips, Galissá, Maria João, Alex Terrakota, Gospel Collective ou mais relacionada com a electrónica como os restantes convidados.

As críticas têm sido, modo geral, positivas. São estes sentimentos que têm recebido do público que tem experimentado Língua? Não vos comparam a Buraka?

Bruno: Acho que nos compararam mais a Buraka quando começamos, se calhar porque não havia tantos projectos a fundir este tipo de linguagens e porque nós também tínhamos uma abordagem mais club/pista que eles tinham.

LeoEm relação à crítica tem corrido bastante bem, aliás, por ser menos pop, mainstream ou como lhe quiserem chamar, tínhamos algum receio que o conceito passasse ao lado e que o encarassem como um álbum normal de música. Ficámos bastante contentes por ler críticas que mais do que falar da música X ou Y perceberam que havia aqui um lado histórico que queríamos focar. Uma Lisboa e um país onde a diversidade cultural está a crescer (e o turismo também! mas não falemos disso) e onde a mistura está cada vez mais presente não só numa determinada zona da cidade ou do país, mas um pouco por todo o lado. O facto de termos tantos convidados e alguns bastante conhecidos, também acabou por despertar a atenção dos media, e tivemos criticas em revistas e jornais que não tínhamos tido com o Oito. Não foi feito com esse propósito, mas os convidados, pelo seu nome, acabaram por dar alguma "credibilidade" ao disco. O álbum não foi pensado para ter grandes canções e singles que podem durar anos a tocar na rádio. O álbum é um álbum de fusão, onde o importante era juntar músicos de estilos diferentes da lusofonia e experimentar. No que toca a gostos, isso é outra coisa, cada um gosta de coisas diferentes e é normal que alguém que oiça a música com o Tó Trips possa não gostar da Mana. Máximo respeito por isso.

Esta toada é para manter em discos seguintes ou vão à procura de algo completamente diferente?

Leo: Não sabemos o que vamos fazer no próximo. Este álbum foi uma necessidade que sentimos após lançarmos o Oito e andarmos na estrada. Se calhar agora em 2017 quando andarmos na estrada vamos acabar por sentir necessidade de fazer algo diferente, ou não. Dependerá sempre do que estivermos a sentir na altura.

Sentem que esta maior atenção que vos foi dada poderá ter a ver com um olhar um pouco mais orgulhoso por parte do público em relação ao que tem sido feito em Portugal nos últimos anos? Parece-me que a cena "mais underground" portuguesa está de boa saúde. Qual é a vossa opinião?

BrunoTêm surgido cada vez mais bandas e música nacional de qualidade, logo acaba por fazer sentido que o público se vire para o que é feito cá e a atenção por parte dos media e promotores seja maior. Todas as semanas há cenas fixes a acontecer, fica até difícil de acompanhar.

LeoA cena está de boa saúde também porque as promotoras estão a arriscar. Por exemplo, quando começámos, há 8 anos e tal atrás, era mais difícil tocar fora das grandes cidades porque nem todos apostavam em sonoridades diferentes. Talvez a internet tenha ajudado, e hoje uns putos do interior conhecem o mesmo ou mais do que uns putos de vivem mais perto das grandes cidades e querem fazer também, seja festas, concertos, etc..

E a longo prazo, onde é que se vêm ou gostariam de ver daqui por 15 anos, por exemplo?

Leo: Esta é a resposta pessoal. A música desde miúdo sempre veio ter comigo, nunca fui eu que batalhei por ela. Na infância meteram-me um teclado à frente e dei por mim em aulas de órgão. Na adolescência fui parar a bandas de garagem com os amigos e já adulto foi a electrónica e depois Octa Push que se me atravessou à frente. Daqui a 15 anos se a música não vier ter comigo, ou melhor, não me puxar para ela, possivelmente estarei a fazer outra coisa. Enquanto ela gostar de mim, eu retribuirei.

BrunoPessoalmente, gostava de continuar a divertir-me, a experimentar, aprender, criar, trocar ideias, de modo a fugir de uma potencial crise de meia-idade. Também tinha piada celebrar os 15 anos da nossa label, Combatentes (risos).


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
21/11/2016