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ARIES
A Solitude de um Mulher Ãmpar


Impar na personalidade, impar na génese e impar numa carreira que a vai levando a montar tenda um pouco por todas as Autonomias que constituem o Reino de Espanha. Já foi colectivo por Bilbau e Madrid com o rock e a pop a servirem-lhe de tecto. Agora, é por terras galegas que se faz enquanto artista multifacetada. Descobriu, primeiro “imposta” pelo facto de ser a “new kid in town”, o dom da criação em solitude, solitude a que se agarra com controlo e alegria para produzir música orgulhosamente pop no sossego de quem sabe o quer e como o quer fazer. Neste mundo próprio pintado a música também há espaço para a escrita e para as séries de animação. Editou “Un Rayo Ultravioleta”, livro lançado no ano passado que lhe despertou o gosto pela escrita não musical, e faz dobragens para uma série de animação do Cartoon Network. Tempo ainda para preconceitos e para a vontade de viver no Porto ou em Lisboa, cidades onde tocou o seu novo registo de originais Adiue or Die. Eis Isabel Fernández Reviriego ou, se o preferirem, Aries, uma Mulher impar.
Pegando nas tuas origens (nascida em Bilbau). És nacionalista/pró independência? Como vês uma possível fragmentação de Espanha? Perguntando de um outro modo: vias-te a cantar o hino de um País Basco independente?

Vai-te f****! [risos] Aqui nunca me tinham perguntado isso! Não! Isso é demasiada responsabilidade! Acredito que não sou a pessoa mais indicada para fazê-lo: Vivi em Bilbau até aos 21 anos, depois vivi 10 anos em Madrid e há 6 que vivo na Galiza. Do mesmo modo, tenho mantido uma relação bastante intensa com a Catalunha. Adoraria viver em Granada também! E no Porto! A verdade é que me sinto muito desenraizada, uma sensação um pouco desassossegante. Sinto-me basca acima de tudo mas, quando lá estou, sinto uma grande desconexão. Tenho, no tempo em que lá estou, a total noção de tudo o que tenho vindo a perder há anos. Há mais de 15 anos que não vivo ali. O que mais gostaria, na verdade, era que Portugal se unisse a Espanha. [risos] Ou Espanha a Portugal. Seria a península mais bela e vibrante de todo o planeta.

Fala-me um pouco da tua experiência com os Electrobikinis? A "Boston City Girl" foi banda sonora de uma campanha publicitária... Tens uma banda por cidade…

Electrobikinis foi o meu primeiro grupo, começamos com 16 ou 17 anos. Era um grupo muito inspirado nas riot grrrls e em mulheres como Kim Deal ou Tanya Donelly. Passamos bons momentos juntas e foi uma boa escola, já que vivemos muitas coisas num espaço de tempo muito curto (durámos quatro anos). Creio que éramos muito ingénuas e impetuosas. Aprendi, sobretudo, a saber o que não queria numa banda minha e a ter um maior controlo sobre a música.

Sim, desde a adolescência que gostava de fazer e tocar. É aquilo que maior prazer me dá e nunca o deixei de fazer.

Falas de um maior controlo sobre a música que fazes. Sentes que ARIES é o teu projecto "mais maduro"?

Bem, suponho que sim, por pura lógica! Sinto que tenho mais ferramentas agora para materializar o que quero fazer, mais determinação e mais segurança, mais paz dentro de mim também.

© Javier Fernandez Perez de Lis

O que procuras com tantas mudanças de morada?

São as vicissitudes da vida. Não é que me tenha proposto, conscientemente, mudar tantas vezes de morada. Simplesmente, a vida tem-me levado por estes caminhos, assim como me poderia ter levado por outros.

E porque razão decidiste ser ARIES?

Durante dez anos toquei nos Charades (período pós-Electrobikinis). Charades tinha existência em Madrid, cada um de nós era de uma parte de Espanha e nos conhecemos por lá. Tocamos juntos durante quase 10 anos. Mudei-me para Vigo e os Charades acabaram. Essa não foi a principal razão para o fim do grupo; levávamos muitos anos juntos e as coisas têm um momento em que acabam, esse foi o momento. Ao chegar a Vigo não conhecia ninguém e acabei por refugiar-me na música. Comecei por gravações caseiras sem qualquer pretensão. Fiz umas maquetas e mostrei-as a Jordi, da editora Bcore (o selo em que estávamos com Charades) e ele disse-me que gostaria de editá-lo. E assim começou tudo.

É difícil criar e fazer música electrónica em Espanha?

Não é difícil, faço sempre o que quero e, ao fazê-lo, sinto-me confortável e feliz. Porém, se o analisarmos em profundidade, há alguns pontos mais complicados: Por um lado, o facto de ser Mulher. Infelizmente, não valorizam de igual forma o teu trabalho se fores Mulher, caem suspeitas sobre o valor do teu trabalho. Sei que isto pode ser extrapolado a todo o Mundo e a todos os âmbitos da Vida, mas é triste que isto ainda aconteça. Em segundo lugar; em certos círculos ainda existe algum preconceito para com a música electrónica, há pessoas que ainda pensam que “tocar botões” não é música. Para mim é igual, pouco me importo com essas pessoas…Também existem preconceitos com a pop, como se fazer melodias fosse muito fácil, até naive e não tão “punk” e complicado como noutros géneros. Mais uma vez, é para o lado que durmo melhor. [risos] Na realidade, acredito que cada um deve fazer o que gosta.

© Javier Fernandez Perez de Lis

Falas do preconceito para com a música electrónica em Espanha. A que se deve? É só falta de conhecimento em relação ao processo de criação ou achas que terá a ver com as pessoas ainda olharem para ela como um género menor?

Não, Não. Disse em "certos círculos". Não disse que em Espanha, no geral, há preconceitos com a música electrónica. Em certos âmbitos ainda existe essa concepção. Creio que tal se deva a puro desinteresse ou ignorância. Em Espanha faz-se música electrónica muito boa e há festivais e promotores excelentes. Para mim, o que mais importa na música é o que me faz sentir e pensar. É-me igual se se faz com máquinas, guitarras ou pedras e paus.

Ainda nos preconceitos. Falavas de ser Mulher no mundo da música e dos obstáculos que se interpõem no caminho. Em que é que esse preconceito se revela? Fala-me da tua experiência e indica o caminho que deverá ser seguido para eliminar essa mentalidade.

No meu caso revela-se, fundamentalmente, naquilo que comentava acerca dessas suspeições que caem sobre o meu trabalho. Há uma infinidade de pequenos detalhes, constantes, como chegar à sala com o meu técnico de som e quase sempre irem falar com ele primeiro e tratarem-no pelo nome e a mim chamarem-me de "a cantora". [risos]. Depois está o escrutínio a que estão submetidas as mulheres no que diz respeito à sua aparência. Vejo como tratam algumas artistas em Espanha, os comentários das pessoas nas redes sociais…É algo que me indigna. Combater essa mentalidade é um trabalho de toda a sociedade, homens e mulheres, um trabalho que começa na educação.

© Javier Fernandez Perez de Lis

Descendo dos astros para uma Aries terrestre. O que é que este projecto Aries tenta ou traz de novo à música contemporânea espanhola?

Bom, a verdade é que não penso nesses termos. Simplesmente trato de fazer música o melhor que sei. Tento fazer música que contenha ideias, música que canalize os meus pensamentos e sentimentos. De igual modo, também gostaria de provocar sentimentos construtivos nas pessoas que me ouvem e que essas pessoas se sintam felizes, felizes a serem elas mesmas e felizes a fazerem o que gostam. Isto é muito pretensioso, sei-o, mas é aquilo a que me proponho!! Bem, a verdade é que em primeiro lugar faço-o egoisticamente, porque se não faço música deprimo. Sempre me interessou que soe contemporânea porque, ainda que ouça muita música das décadas passadas, não me interessa fazer revivals. Gosto de ser totalmente permeável ao meu Presente e às coisas que me rodeiam.

La Magia Bruta nasceu a 1 de Março de 2012. O que mudou na tua vida e música de lá para cá?

Só passaram 4 anos e, para mim, parece que foram 40! Naquela altura sentia-me muito mais perdida, a começar do zero numa nova cidade (vivi dez anos em Madrid e tinha acabado de mudar-me para Vigo) porém, agora, sinto Agora sinto-me menos desenraizada e não paro de fazer ascoisas de que gosto. Musicalmente, aprendi muito, ganhei segurança e calma. Antes preocupava-me muito, auto-boicotava-me... Era um pouco tonta. [risos]. Agora, volto a desfrutar com a música como quando era pequena.

Adieu Or Die, último disco do teu reportório, parece uma manta de géneros, coerente, mas uma manta. De “En el Oceáno” que poderia fazer parte de um disco dos Animal Collective a “Nuestra Casa” em jeito mais intimista. A minha pergunta é: Sentiste que esta “manta” conseguiu cobrir tudo aquilo que és, musical e pessoalmente falando? Estás satisfeita com o resultado final?

Sim, creio que é uma espécie de repositório, entre influências e coisas de que gosto: desde as Honeys, Vainica Doble, American Spring, Laurie Spiegel, Daphne Oram, Aphex Twin ou Animal Collective. Mas não só influências musicais... Todo o que vejo, os livros que leio, os lugares que visito, as minhas conversas com amigos...Tudo isso está latente. Neste momento sim, estou feliz. Apesar dessa felicidade já passaram uns meses desde o lançamento e, agora, começo a entrever-lhe fissuras e falhas…Daqui por uns meses já não gostarei dele, haha. Na realidade, uma vez que tenho orgulho nele, prefiro não pensar mais no disco e concentrar-me nas futuras canções!

A quem a ou quê estás a dizer “Adieu”?

Diria Adieu a um cento de coisas! Ao machismo, ao racismo, à homofobia, aos maus-tratos a animais, à guerra, aos políticos do meu país…

© Javier Fernandez Perez de Lis

Cantas, escreves e tocas todos os instrumentos que inseres na tua música. Não é trabalho a mais para uma só pessoa? Não sentes, de quando em vez, o bafo da solidão no teu pescoço em todo este processo?

Bom, sou bastante controladora e sei o que quero…por isso desfruto muito mais trabalhando sozinha. Gosto de poder dedicar-lhe todo o tempo que quero. Na verdade, desfruto muito dessa solitude, dessas horas que passo concentrada a fazer música mas sim, sinto falta do intercâmbio de ideias e das conversas com os meus amigos durante os ensaios. Quando tocava numa banda, esses momentos pareciam-me maravilhosos.

Na mixtape que preparaste para o Bodyspace, a diversidade de géneros é marca registada. Quando te atiras para a concepção de um disco novo essas referências passadas são força que tem peso na concepção ou, ao invés, tentas libertar-te desse background e, tanto quanto possível, criar algo totalmente “irreferenciável” e irrepetível?

Oh, não sei se é possível fazer algo totalmente irreferenciável! Talvez Mozart o tenha feito, não sei! [risos] Amo a música, a arte, as expressões humanas e a Natureza... Gosto de pensar que tudo isto ressoa da minha música. Tento criar o meu próprio universo e ser eu mesma, claro. Repara, o título do disco é uma homenagem aos Beach Boys, é uma forma de também agradecer os bons momentos que os artistas que amo me proporcionaram. Creio que o importante não é a influência em si, o importante é a onde a levas.

Preferes cantar em espanhol, afinal de contas é a tua língua, mas achas que isso pode cortar-te as pernas na difusão da tua música internacionalmente?

Não, penso que, quanto mais local mais internacional a música é. Por exemplo, acreditas que os Tropicalistas deveriam cantar em inglês? No way!

Estiveste por cá a apresentar este teu novo registo. Como é que sentiste a reacção do público português ao teu som?

Gosta de ir a lugares onde ninguém te conhece e ter que os conquistar. Às vezes não os consegues tocar, mas noutras as pessoas unem-se em torno de ti e isso é mágico. Gosto especialmente de Lisboa, as pessoas foram muito carinhosas comigo.

Num outro campo. Escreves. Editaste "Un Rayo Ultavioleta". Como nasceu esta paixão, o que te levou a escrever este livro e de que fala?

Não foi ideia minha. O editor, Alex Diaz, entrou em contacto comigo e propôs-me participar. Ele tem uma editora de livros de música e dentro da editora existe uma colecção chamada "Mis documentos". São livros que recolhem textos de todo o tipo sobre um mesmo músico. Desde entrevistas a ensaios, receitas, poemas... O que o músico deseje. Propôs-me fazer um e a ideia agradou-me. Compilei entrevistas de todas as épocas da minha vida, escrevi vários ensaios, meti colagens, playlists, enfim, um pouco de tudo. É um livro que, com a desculpa da música, fala de tudo um pouco.

E a escrita, é para continuar?

Sim, adoraria editar algo mais. Gosto muito de escrever, é vital para mim, e graças ao livro recebi um intercâmbio humano muito belo; muita gente escreveu-me compartilhando os seus sentimentos e opiniões. Isso foi o mais bonito. Oxalá volte a surgir outra oportunidade.

Para além da música e da escrita ainda fazes dobragens para séries animadas infantis. Como é que isto aconteceu?

Sim, canto as canções de alguns personagens femininos da série do Cartoon Network, "Adventure Time". Isto surgiu porque o responsável pela música na série entrou em contacto comigo e me fez a proposta. Sou super fã destes desenhos animados e, portanto, foi uma alegria enorme. É um trabalho super divertido e interessante.

O que é que te move enquanto artista e pessoa?

A pura Vida! Penso que o mais difícil de crescer e te tornares um adulto é não matar a criança que trazemos cá dentro. Creio que é fundamental continuar a deixarmo-nos surpreender pela vida; continuar entusiasmados e receptivos. Continuarmo-nos a divertir e a deixar-nos surpreender. Essa surpresa conduz à Filosofia, é vital para a sobrevivência da espécie humana!

E o que é o que mapa astral tem ou que gostarias que tivesse reservado para Aries com ascendente Leão?

Só espero continuar a fazer a música que quero e desfrutar disso.


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
28/09/2016