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Sallim
Little Girl, Big Guitar


Em vésperas de aterrar na Invicta para um concerto inserido no programa das festas do NOS D’Bandada (curadoria Bodyspace no Café Au Lait), fomos falar com Francisca Salema, digo, Salime, digo, Sallime, digo Sallim. Sallim assim ficou, para a música e para o que há-de vir. Da sua nuvem sonho chamada quarto para os palcos deste país foi apenas e tão só Isula. Isula, palavra que não existe mas cheia de significado para esta lisboeta que queria dar voz à voz que lhe faltava quando não cantava. Durante este pedaço de prosa chamada houve tempo, ainda, para falar da vulnerabilidade e do nervosismo que a acometia quando subia ao palco, “medos” mitigados com a profusão de concertos e o carinho que vai recebendo. Do Futuro, essa coisa fugidia, em que Sallim já pensa em forma de disco e nos concertos upgrade que hão-de vir. Sallim é pequenina, a genética fê-la assim, mas tem uma guitarra do tamanho do Mundo.
Como é que Francisca Salema virou Sallim?

Isso aconteceu em 2013 quando quis criar uma página de tumblr com os meus trabalhos, e surgiu a partir de uma tentativa de brincadeira com o meu apelido. Primeiro foi salime, depois sallime e por fim o e caiu. Sallim acabou por se tornar a minha assinatura para tudo aquilo que considero ser o meu trabalho criativo. É o resultado de uma metamorfose de um nome, soa bonito e gosto de o ver escrito com a minha letra.

Como é que te defines musicalmente?

Sempre que me perguntam que tipo de música faço, respondo sempre que “faço canções”. Depois explico melhor: escrevo-as, em português, toco-as, na guitarra, e canto-as. Sinto-me estranha a tentar definir o que faço através de géneros. Acho que o que me define musicalmente é o facto de ser eu a fazê-lo. Claro que tenho referências, como toda a gente as tem mas, normalmente, só me apercebo da existência delas nas canções depois de as fazer. Uma coisa que também digo é que gosto sobretudo de escrever e de cantar. Aliás, quando aprendi a tocar guitarra foi para poder acompanhar a voz. No fundo, a música serve de canal para dizer o que não digo sem ser a cantar e é a isso que dou mais importância no processo de fazer uma canção. É bastante recorrente a melodia surgir em torno de uma letra já feita. Acho que também é por isso que, instrumentalmente, são canções muito simples e, muitas vezes, sem uma estrutura específica. Por outro lado, tem sido muito importante para mim estar rodeada de pessoas que fazem música, ouvir o que elas fazem e como o fazem. Influencia-me muito e dá-me vontade para continuar e aprender novas maneiras de criar e definir melhor o que faço.

© Sara Rafael

Andaste pelas Belas Artes, mudaste-te para Letras e pariste um disco. Pelo meio ainda fazes umas zines. É importante para ti dividires-te por diferentes mundos? Há tempos, a Hannah Epperson, que também se divide por diversas actividades, dizia-nos que o fazia por uma questão de equilíbrio físico e mental, é também assim para ti?

Quando eu era pequena, dizia que queria ser cantora, pintora, escritora e bailarina... Acho que o meu sentimento de insatisfação e o meu medo das escolhas definitivas sempre alimentaram o meu interesse para a experiência de vários meios de expressão. Mas não acho que isso me divida. Aliás, é algo que me dá uma sensação de continuidade e que, de certa forma, faz aumentar a minha rede de ideias. Consigo focar-me mais naquilo que aproxima as várias linguagens do que naquilo que as diferencia, e cada uma contagia as outras. Sem dúvida que também é uma questão de equilíbrio!

És uma rapariga pequenina, tens uma guitarra grande e um álbum na mão. Foi difícil sair do teu quarto e atirares-te para o mundo com Isula? Álbum que, pelos vistos começou com o Facebook e estendeu-se até uma palavra que não existe…

Sair do quarto aconteceu bastante antes de lançar o Isula e sim, foi um bocado difícil. Sobretudo começar a dar concertos. Foi estranho partilhar coisas que me estavam a acontecer daquela maneira. Mesmo que ninguém me conhecesse e que as canções tenham sempre um certo filtro de abstracção, senti-me bastante vulnerável ao início. Acho que tive muita sorte em conhecer a malta da Cafetra, em tornar-me amiga deles e em perceber que não tinha de estar completamente sozinha. Isso foi mesmo importante e mudou muitas coisas. Tornou o Isula possível, por exemplo, mas que, no fundo, fala muito sobre estar sozinha. É uma palavra que não existe mas que parte de outra que existe mesmo e cujo significado é precisamente o de ilha. A presença do meu amigo Yan-Gant Y-Tan no disco também foi essencial, não só em relação àquilo que me ajudou a acrescentar às canções mas também por ter estado lá comigo.

O “Público” chamou-lhe “leveza vaporosa” enquanto o Paulo, aqui da “casa”, disse tratar-se de “um daqueles discos que acarinhamos junto do peito onde outrora mantivemos um coração". Como acordar e dizerem isto do teu filho?

É bom! Acho que tive sorte com as críticas no geral. Li coisas que me deixaram mesmo contente. Se bem que não gosto assim tanto de olhar para o Isula como um filho...

© Sara Rafael

Como é que o público para o qual tens tocado tem reagido a este primeiro álbum?

Até agora, sinto que as pessoas têm gostado de me ouvir e que ficam curiosas. Às vezes, vêm falar comigo no fim dos concertos. Quando comecei a tocar ao vivo, não soube logo muito bem como estar perante um público. Acho que os nervos me punham dentro de uma espécie de bolha. Mas com o tempo, sinto que tenho aprendido melhor a estar ali e a sentir a retribuição das pessoas enquanto toco. E acho que gosto cada vez mais de dar concertos.

Impões profundidade nas tuas letras, um quase existencialismo feito música. A minha pergunta é: As inquietações, interrogações, aspirações nelas (letras) contidas têm chão na tua realidade ou são apenas desafio vencido na procura de uma estética que te diferencie?

Como disse numa resposta anterior, as letras são uma parte muito importante das canções porque são, no fundo, o seu esqueleto. Tenho vontade de fazer uma canção quando sinto que há alguma coisa que gostava de dizer ou que gostava que saísse. E sim, estão completamente ligadas à minha vida e àquilo que me está a acontecer quando as escrevo. Isso também faz com que haja uma espécie de linguagem circular que as une, uma repetição que, para mim, faz sentido. O melhor é quando descubro que uma coisa tão pessoal se torna relatable. É sobre mim, claro, mas é também sobre ser uma pessoa.

“Não sei” é um tema lindíssimo. Qual a razão para não fazer parte do alinhamento de Isula?

A ideia, de facto, era que fizesse parte. E cheguei a regravá-la. Mas acabei por não ficar satisfeita com o resultado e por achar que não ia ficar assim tão melhor do que a versão que já tinha publicado no bandcamp. Não em termos de som, mas em termos de feeling. Entretanto, o tempo também passou e achei que fazia sentido deixá-la sozinha.

© Sara Rafael

Depois de Isula vais arrumar o quarto ou vais fechá-lo por algum tempo? Dito de outro modo: Isula já tem sucessor ou vais parar para reflectir no que te aconteceu nestes últimos tempos?

Antes de lançar o Isula, lancei um EP de demos. Essas canções são, na verdade, posteriores às do Isula (à excepção da não queres entrar) e, para além dessas, tenho mais canções feitas e já estou a trabalhar noutras. A ideia é que Isula tenha um sucessor, claro, e tenho andado a pensar bastante nisso. Também posso ir reflectindo sem ter de parar...

Até onde é que gostarias de levar Sallim, musicalmente falando?

Quero continuar a tocar e a cantar, aqui e não só. Fazer viagens para tocar era top. Também gostava de, eventualmente, fazer um upgrade dos meus concertos, se bem que isso não aponta directamente para concertos com banda. Sei só que gostava de acrescentar ou mudar qualquer coisa, trabalhar mais nisso. Era mesmo bom ter um espaço fora de casa para experimentar mais. Em relação a um futuro disco, gostaria muito de continuar com a Cafetra.


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
14/09/2016