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Neurosis
O fogo que ainda arde


Ao fim de 30 anos de carreira passaram finalmente por Portugal, cumprindo um sonho antigo da Amplificasom, que moveu o Amplifest para agosto de forma a acomodar a estreia dos norte-americanos Neurosis em território nacional. Foi no festival que o Bodyspace falou com o vocalista e guitarrista Steve Von Till sobre o futuro do grupo, mas em particular sobre o passado. Com novo disco, intitulado “Fires Within Fires”, a ser lançado pela Neurot no final de setembro, para trás deste 11.º álbum está uma carreira que começou no hardcore e no punk e sofreu uma metamorfose profunda para se tornar no maior nome do que é o designado por pós-metal, tendo estabilizado desde a viragem do século para algo mais contido. Von Till olha para o futuro como será de imaginar que sempre olhou e diz, sem mais, que o melhor trabalho da banda ainda está pela frente.
Ao fim de 30 anos, como é continuar a encontrar novos lugares?

O maior sentimento que tenho é gratidão. Sinto-me grato e sortudo por ser capaz de viver uma vida na qual posso ter este tipo de aventuras com os meus irmãos e na qual tudo gira em torno da coisa mais importante, que é o facto de nos termos encontrado e de termos encontrado este som que nos ajuda a permanecer sãos no mundo.

Sobre “Fire Within Fires”, é o vosso primeiro disco em alguns anos, o Scott Kelly disse ter sido muito fluído. O que é que podemos esperar dele?

É o melhor absoluto de que somos capazes neste ponto no tempo. É a versão mais evoluída de nós. Pegámos em toda a sabedoria, aprendemos as lições do passado, boas e más, e movemo-nos por este novo território sonicamente emocional. Aprendemos a realmente libertar-nos e a seguir a música, seguir o espírito da música e sair da nossa própria frente para a deixar fluir naturalmente. Sempre que nos juntamos para criar novos sons, ficamos melhores. Mais próximos do que é o coração de Neurosis.

Como é lançar um disco novo agora comparado com os álbuns que lançaram há 20 anos? Seria possível darem um salto equiparável ao que deram quando lançaram o “Souls At Zero”?

Não sei, porque escolho não intelectualizar a música e pensar nela dessa maneira. Levamo-la para onde ela vai. E o tipo de salto que demos de “The Word as Law” para “Souls At Zero”, éramos muito jovens a descobrir-nos e a procurar o nosso caminho. Penso que tínhamos encontrado um certo caminho que é o impeto para tudo o que fizemos desde aí. Dito isto, volto à minha resposta anterior de que cada vez que o fazemos estamos melhores e mais naturais.

Quão longe vês Neurosis a ir?

Penso que estaremos à procura desse som perfeito até morrermos. Não o vamos encontrar, mas será divertido tentar.

Já antes disseste que precisam de inspiração para tocar canções que vocês próprios criaram no passado. Porquê?

É difícil explicar. É mais um sentimento que vem de dentro. Nalguns casos é prático: evoluis para lá de determinadas formas de tocar e determinadas maneiras de compor música e determinadas maneiras de que gostamos de tocar e de improvisar. Quando éramos novos e imaturos tomámos uma série de decisões que não tomaríamos hoje porque evoluímos para além delas. Então, porquê regressar a uma versão menor de nós quando já chegámos aqui? É como “desevoluir”. Esse é um dos aspetos. Algumas canções têm um poder mais duradouro. Algumas foram postas de lado para sempre e outras têm uma vida que perdura, mas vai e vem. Às vezes é só... Não consigo descrever de outra maneira que não seja não o sentimos. E se não o sentimos não vamos tocá-las.

© Scott Evans

Em algum momento se torna irritante que haja quem se prenda ao passado quando vocês não o fazem?

Gostamos de música, então eu compreendo isso. Há certas bandas de que gosto e certos discos de que gosto e quando fazem outras merdas não gosto, mas penso que um verdadeiro fã de Neurosis irá compreender que se percebes o espírito por trás do que estamos a fazer não podes ficar agarrado a um momento. Temos que andar para a frente, caso contrário é a morte de tudo. Estagnar seria, não morrer, mas desonrar o espírito de tudo o que aconteceu. Não queremos que a musa se vá embora, então não vamos fazer nada que cause desonra. Temos que evoluir e andar para a frente. Dito isso, compreendo que as pessoas tenham ligações a certos discos e a um certo ponto das vidas delas, quando a música te atinge, mas já andamos nisto há tempo suficiente para não ter um só disco a que as pessoas se agarrem. Depende da idade. Para alguns, foram as primeiras coisas que os moveram. Para outros foi o “Enemy of the Sun”. Para outros “Through Silver in Blood”, quando chegámos a um público mais vasto. Mas para quem cresceu mais tarde será o “Times of Grace” ou “Eye of Every Storm”. Para alguns será “Fires Within Fires”.

O que é que ainda permanece em vocês desses tempos?

Aquela vontade de criar, aquele fogo dentro que nos leva a sentir que temos que fazer isto ou então uma parte de nós morreria. A necessidade de ser independente, de ser original, de ser honesto.

É isso que vos motiva agora?

Sim. Fazer música pesada honesta e emocional.

Tive a oportunidade de falar com o Steve Ignorant dos Crass recentemente e de o ouvir sobre o que foram os sucessos e os falhanços do grupo enquanto inspiração. Pergunto-te isso também, porque tenho curiosidade de ouvir quais dirias que são os vossos maiores sucessos e os vossos maiores fracassos, passados 30 anos?

É uma pergunta difícil. Ponho-o da seguinte maneira: é como o paradoxo da máquina do tempo, em que se mudas uma peça do passado tudo que está diante de ti muda também. Se mudássemos uma pequena peça, mesmo que fosse um aspeto negativo ou um fracasso ou o que prefiro chamar experiências de aprendizagem [risos], se mudares essas coisas podes mudar tudo, portanto: não tenho nenhum arrependimento. Sobre os sucessos, diria que foi o nunca desistir. Ainda estamos aqui e a criar o nosso melhor trabalho. O nosso trabalho mais entusiasmante ainda está pela frente.

Como é que defines música pesada hoje?

Hm. Mudou tanto desde que eu era novo. E a quantidade de informação que recebemos dos media, é difícil de filtrar. Há muita coisa entusiasmante a acontecer. As coisas costumavam estar mais compartimentadas, enquanto agora, em especial na música pesada, alargou-se muito. Mesmo quando estávamos a crescer nunca quereríamos ser associados ao termo “heavy metal” porque era demasiado estreito. Adorávamos a música, mas ser associado a isso era ser restringido. Éramos mais de uma mentalidade punk-rock, DIY, e acabou por se ver que isso também era uma mentalidade fechada. Parece que aconteceu algo ao longo da nossa carreira em que tudo evoluiu e agora há revistas em que podes ler sobre uma banda de heavy metal tradicional numa página, uma banda de hardcore na seguinte, um artista de noise na outra e estas novas bandas que estão a combinar isto tudo. Há muita coisa entusiasmante a acontecer. Se as pessoas alcançarem a natureza transcendente da música descobrirão que a inspiração é infinita.

Em algum momento vos surpreende que o vosso trabalho seja consensual em vários géneros?

Não sabes como reagir a isso, porque não nos vemos dessa forma. Temos os nossos heróis musicais, que nos inspiraram e aspiramos a ser tão bons como eles foram. É uma honra ter alguém a dizer que nós os influenciámos. E se inspirámos alguém a pegar em guitarras ou baterias ou gritar, simplesmente para se expressar de qualquer modo, acho que é algo positivo.

Na tua opinião a música centrada na guitarra tem um futuro?

Absolutamente. Vimos nalgumas culturas haver um fluxo e refluxo. Especialmente na Europa, onde a música de guitarra pareceu ter-se despenhado, mas não se foi embora e ainda é relativamente jovem. No grande panorama das coisas, estamos a falar de algo que começou nos anos 40, 50 e ainda é novo. Há pessoas a fazer coisas únicas e excitantes com a guitarra. Os instrumentos são apenas veículos e à medida que a tecnologia muda, as pessoas podem usá-la. São ferramentas, cada vez mais acessíveis. Simultaneamente há mais ruído e coisas que tens que filtrar, mas tens pessoal nos seus quartos e garagens a pensar coisas surpreendentes que esperemos que partilhem.

Vi um flyer recentemente de um concerto vosso com bandas como Mr. T Experience e Green Day. Isso é algo que vocês conseguiriam ouvir hoje, tendo em conta o que disseram sobre a vossa própria música de então?

Ainda sou capaz de pôr um disco de Discharge agora mesmo sem ter qualquer problema com isso, sabes? Para mim o tempo em que nós despontámos, nos armazéns e espaços independentes, foi uma altura muito entusiasmante, o estar no meio dos anos 80 e atravessar géneros. Porque não eram só Mr. T Experience, Green Day, Offspring, Neurosis. Tinhas bandas de todos os lados. Tinhas uma banda rockabilly, tinhas uma banda de hardcore da costa leste, tinhas uma banda de crossover, tinhas um artista performativo com um qualquer projeto cinematográfico, não havia regras. Era algo mais cruzado. E tudo o que era underground e não mainstream fazia parte do grupo. Tudo podia fazer parte dessa subcultura e era bem-vindo. Agora seria estranho se tocássemos com os NOFX, mas na altura cruzávamo-nos na estrada e era assim mesmo. De algumas formas, [hoje] está mais confinado, pelo menos no que diz respeito ao punk-rock. E é nisso que o heavy metal se revelou como o género mais aberto. No longo prazo? O tempo dirá.


Tiago Dias
tdiasferreira@gmail.com
13/09/2016