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Hannah Epperson
Um violino de sonhos, uma pauta de Humanidade


Se não fosse a música seria professora, se não fosse professora seria jogadora profissional de frisbee, se não fosse nenhuma das três não existiria. Ela é Hannah Epperson, cantora e encantadora, músico profissional, geógrafa e jogadora profissional de frisbee. Passou por cá nos molhados idos de Fevereiro munida de um violino e um sorriso nos lábios. Do violino fez suar e ressoar música, como aquela “Story” que deixou escapar num prédio em construção no Porto e que o Bodyspace gravou para a posteridade. Simples, profunda e poderosa, Hannah Epperson e a sua força calma desaguam, agora, numa entrevista que passa os olhos pela sua infância “desértica”, o gosto pelo ensino em jeito de retribuição, Berlim do desencanto encantado, uma tour que a fez voltar a acreditar num futuro para a Humanidade e mais, muito mais em três capítulos para devorar e esperar…esperar que volte a ser feliz por cá.
Capitulo I – Do Amor

Encontrei uma foto tua, enquanto criança, segurando um violino nas mãos. Foi o início de uma relação de amor? Como é que o violino “te aconteceu”?

Cresci numa família “musical” – reuníamo-nos para cantar em volta do piano, íamos a concertos e dançávamos na cozinha para os vídeos dos nossos pais. Foi algo natural para todos os miúdos da nossa família (tenho três irmãos mais velhos) pegar num instrumento. Quando era mais pequenina queria tocar flauta, mas os meus pais não me deixaram porque pensavam que não existia um bom reportório de flauta que me fizesse crescer. O violino apareceu como a segunda escolha… Estou muito feliz que tenha acabado com ele ao meu lado.

Durante a tua tournée europeia, particularmente em Saragoça, tiveste tempo para dar uma masterclass a um grupo de crianças. É tua forma de retribuíres a oportunidade que te deram, enquanto criança, para aprender música ou é a tua faceta de professora que, subitamente, salta da sombra?

Aquela experiência em Saragoça foi-me extremamente cara. Quando acabei a faculdade tinha em mente prosseguir os estudos via ensino, porque queria mesmo ser professora. Ao invés, sou profissional da música há três anos. Foi como que uma epifania quando me surgiu a oportunidade de combinar estas duas facetas e partilhar a minha música no contexto de uma sala de aula. Tenho a esperança de continuar a fazer este tipo de coisas no futuro.

Passaste a maior parte da infância em Salt Lake City, Utah, estado conhecido pela sua aridez e conservadorismo social mas, também, uma zona onde a natureza adquire um carácter indomável e poderoso. Esta natureza estará relacionada com o teu amor pela música e, em último caso, na escolha de um instrumento clássico como o violino?

Penso que, a paisagem em que cresci – particularmente os desertos do sul do Utah – entram inevitavelmente na concepção estética da minha música. Sou muito sensitiva em relação ao meio envolvente e facilmente afectada por ele. É difícil articular as dimensões dessa relação, mas sei que a minha vontade de voltar para o deserto influencia alguns elementos emocionais da minha música. De igual modo, crescer em Salt Lake City, deu-me a possibilidade de conhecer uma das mais influentes e importantes mentoras da minha vida – Meghan Merker – figura que me apresentou ao mundo do folk e da “cowboy culture”. A relação que ainda mantenho com ela é, de facto, uma das razões primordiais porque continuo a fazer música e , nela, encontrar uma espécie de relevância social.

Geógrafa, jogadora profissional de frisbee e artista. Como é que isto aconteceu? De que modo estas áreas se interrelacionam com aquilo que és?

Sinto que estas diferentes regiões da minha vida são mutualmente dependentes. A natureza destas actividades satisfaz, cada uma a seu modo, uma curiosidade e energia específica que comporto e que, quando uma delas falha, o meu equilíbrio perde-se. Sempre me senti mais produtiva, musicalmente falando, quando tinha prazos académicos a cumprir ou ensaios profundos a escrever, quando o meu corpo estava a ser levado aos limites…neste momento estou numa fase de desequilíbrio porque a música tomou, realmente, conta da minha vida. Por essa razão, estou a pesquisar escolas para efectuar a minha licenciatura e a tentar encontrar uma equipa de frisbee na minha nova cidade!

Capitulo II – Da Alma

Que tipo de marca, Berlim, deixou em ti?


Tinha 21 anos quando vivi em Berlim. Era jovem e extremamente inexperiente lá, “no mundo”. Tinha desistido da escola e seguido o meu namorado, na altura, até Berlim, excitada pela aventura e, de alguma forma, com vontade de me libertar dos meus pais, com quem sempre mantive uma relação muito próxima, e da estrutura opressiva em que se alicerçava a minha vida. Foi uma fase muito obscura para mim. Senti-me extremamente isolada e insegura porque me forcei a questionar a base do meu ser, da minha identidade, do meu propósito, da minha moral, da minha responsabilidade social, etc… Desenvolvi uma profunda relação com escritores como Rilke e Holdering durante esse período e, essas referências literárias, acabaram por influenciar de forma determinante a minha criação musical. Durante um largo período de tempo tive medo de regressar a Berlim, devido a toda a escuridão que lá experienciei mas, agora, a maioria da minha equipa “europeia” está baseada lá e adoro a cidade mais do que alguma vez poderia imaginar.

© Elissa Crowe

Sentes que a tua música é melhor entendida na Europa do que no América do Norte?

Penso que, no geral, existe uma maior propensão e compreensão do que é a Arte na Europa. Os músicos são muito melhor tratados na Europa e, por isso, os músicos sentem-se mais generosos quando estão lá. Dito isto, tive muita sorte com os contactos que construi na indústria do folk canadiana (e, agora, cada vez mais nos Estados Unidos) que já me é difícil responder, necessariamente, sim a essa pergunta. No entanto, sinto-me mais atraída pela cultura europeia lato senso.

De que modo Nova Iorque, a cidade onde recebes as notificações das Finanças, induz ou influencia o teu processo criativo? Ou estarei completamente enganado e és completamente imune à Big Apple?

Nova Iorque é a mais louca cidade que existe. Amo-a. É arenosa e dispendiosa como tudo, é competitiva, barulhenta e crua, mas existe algo acerca daquele ambiente que ajuda à produção de uma quantidade incrível de arte. É uma cidade difícil para viver e, porque, os padrões são tão altos, Nova Iorque, providencia as condições únicas para emersão de uma quantidade incrível de arte de grande qualidade. Existe, de igual modo, um ambiente muito favorável à colaboração, e não existe nada que faça tanto pela criatividade como a colaboração.

Capitulo III – Da Razão

Devem perguntar-te isto algumas vezes, mas eu reformulo o postulado. Pensas que o Andrew Bird se possa sentir intimidado por existir uma Hannah Epperson na cena musical?


Haha, definitivamente não! Não acredito que o Andrew Bird é do tipo de artista de se deixar intimidar, pelo contrário, penso que ele seja daquele tipo de artista que apoia os outros criando algo de grande qualidade. Digo isto quando as pessoas me tentam comparar com o Andrew Bird ou o Owen Pallett e que acaba por funcionar como motivação e responsabilidade para ser cada vez melhor, fugindo, desse modo, a qualquer tipo de comparação. O violino é um instrumento como qualquer outro; uma ferramenta usada para exprimir e servir as expressões singulares de quem o toca. Nunca tocarei como o Andrew Bird, quer pelas díspares influências que sofremos, quer porque aquilo que nos move é diferente, mesmo que existam muitos pontos concordantes.

Dois anos após o lançamento do teu primeiro EP Hannah Epperson, foste, em 2013, considerada uma das “artistas canadianas emergentes”. A que soube?

São apenas palavras. Alguém, algures, fez uma lista de artistas com algum buzz junto dele, só isto, tudo bem. Não gosto de dar demasiada importância à imprensa porque o que realmente conta são as conexões que tenho, em tempo real, com as pessoas com quem colaboro e para quem toco. Ser honesta e presente e passar isso às pessoas com quem partilho o espaço é só o que realmente me interessa.

© Elissa Crowe

Abordando, especificamente, a tua música e, em particular, o teu último trabalho Burn. O que é que tencionas “queimar” (burn) com ele ou foi ele que te queimou?

Estava a passar por uma espécie de “crise de quarto de vida” quando decidi lançar o Burn. Tinha acabado de me licenciar e estava indecisa quanto a prosseguir, ou não, uma carreira na música, porque não a via como parte de mim. No entanto, continuei à procura dessa minha faceta de artista tocando em festivais ou fazendo tournées, mesmo que, durante esse período, continuasse hesitante em ser chamada de “Músico”. Burn foi uma espécie de pequeno teste a mim mesma. Foi tentar perceber se a minha música conseguia tocar alguém. Sabes, não queria juntar-me a todo este circo que é a música caso a minha arte não tivesse significado para alguém. Além disso, nesse Verão – no meio da “crise” – sofri com uma combinação de infelicidades que me tornaram ainda mais vulnerável…parti a perna, um “termos” de água a ferver caiu-me em cima da parte de traz da perna partida… De forma simbólica e até engraçada, atribui o nome de Burn ao álbum.

Podes fazer-nos um apanhado da tua tournée europeia? Pontos altos e pontos baixos…

A tournée foi um autêntico sonho. Nunca pensei que pudesse vir a ser tão fulfilling. Recebi tanto carinho, simpatia, generosidade e compromisso em todos os países e cidades que visitei que, numa altura em que quase perdia a fé no futuro do mundo, senti-me encorajada a continuar. É uma bênção ganhar esse tipo de perspectiva. Toda a tour foi um “ponto alto”, o único downer que consigo entrever foi o momento em que, depois de toda a euforia, cheguei a casa e colapsei completamente…quase não consegui sair da cama durante uma semana devido à exaustão.

Apaixonei-me por um pequeno festival suíço chamado “One of a Million” e sofri um pequeno desgosto ao sair de Baden (cidade suíça onde se desenrola o festival). Portugal também tem o seu pedaço. Foi um local onde queria ter passado mais tempo, mesmo que o vidro do meu carro tenha sido partido e tenha sido assaltada no Porto. Todas as pessoas que conheci em Portugal foram de tal modo carinhosas que quase me esquecia desses “incidentes”.

O que é que poderemos esperar de Hannah Epperson num futuro próximo?

Este Verão vou estar a trabalhar nos vídeos para uma série de novas canções, canções essas que, lentamente, vou lançar ao longo dos próximos meses. Actualmente, estou a trabalhar na agenda da minha tournée de apresentação do meu primeiro disco “oficial”, que incluirá um ou dois membros adicionais à minha banda de apoio além de um som mais poderoso, no próximo Outono na Europa e Estados Unidos. E, claro, continuarei a tocar com todos quantos possa, porque a colaboração é a base onde assenta a vida


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
26/05/2016